Físicos ainda não tem certeza dos efeitos das queimadas

Estudiosos da atmosfera ainda estão estudando o que levou o céu a ficar cinza em 19 de agosto

(Imagem: pixabay)
Professores Henrique Barbosa e Alexandre Correia
(Imagem: Mariana Arrudas)

“Ainda não temos certeza do que aconteceu. Organizamos uma equipe de cientistas para estudar melhor e explicar. Uma das hipóteses é que uma quantidade muito grande de fumaça interagiu com as nuvens que já estavam chegando aqui em São Paulo, e isso mudou a característica delas de tal forma que a luz do Sol não conseguiu chegar na superfície”, explicou o professor Alexandre Correia, pesquisador no campo da Física Atmosférica, do Instituto de Física da USP. 

O professor Henrique Barbosa, também do IFUSP e estudioso da Física Atmosférica, ressaltou que em épocas de queimada, a quantidade de aerossóis, que são os componentes da fumaça, fica maior do que o normal, e a interação dessas partículas dentro das nuvens impede que os raios do Sol passem para a superfície terrestre. “Os aerossóis têm dois tipos principais: o que espalha a radiação solar e o que absorve a radiação. Quando temos fumaça de queimadas, essa fumaça cinza e escura é dessa cor porque está absorvendo a luz. Ela tem fuligem, em inglês, o black carbon”, esclareceu. 

“O fato de ter aerossóis junto das nuvens é como espalhar a radiação. Por exemplo, vem um raio de luz e é espalhado, ele é muito mais refletido e refratado dentro das nuvens do que quando chega mais em baixo. Mas o importante é que quando os dois estão juntos dá um efeito somado que é sinergético: a soma dos dois componentes é maior que os dois separados. Ainda estamos estudando isso”, completou o professor Alexandre.

A Física na questão da Amazônia

(Imagem: site Science News – ESA, NASA)

A Física Atmosférica é a aplicação que se dedica a estudar os processos que ocorrem na atmosfera. O Professor Henrique explica que é uma área extremamente multidisciplinar, e que as relações desses estudos vão além da climatologia e meteorologia. “Precisamos de quem estude o oceano, a vegetação, química, pensando em termos de impacto social, quem estude sobre a sociedade”, afirma o professor.

Nesse campo da matéria, são estudadas propriedades físicas e até químicas de aerossóis na atmosfera e como se dá a interação com, por exemplo, a luz solar, a radiação e a energia que o planeta perde para o espaço. 

Uma medida importante é o balanço entre o que se recebe do Sol e o que perdemos para o espaço, que é a temperatura de equilíbrio do planeta. Se ocorre um desbalanço entre essas duas medidas, há uma mudança na temperatura, e é isso que a Física Atmosférica irá pesquisar e entender. 

“O aquecimento global é algo de longo prazo. Nós estudamos a probabilidade de acontecer uma temperatura maior, ter mais ou menos chuvas, os eventos extremos, mais questões de climas. Mas estudamos os processos que acontecem na atmosfera. Por exemplo, como os raios de luz interagem com as partículas de fumaça e com as nuvens, explorando como isso afeta a distribuição de chuvas”, exemplifica Alexandre. 

O desmatamento pela ótica ambiental

Área desmatada da Amazônia, próxima a Porto Velho, em Rondônia
(Foto: CARL DE SOUZA / AFP)

As queimadas são resultado do desmatamento. Depois que a madeira das árvores é utilizada para os fins lucrativos, o restante que foi cortado seca e causa esse efeito. Porém, além da alta liberação de CO2, o resultado traz uma dupla perda: uma vez que as árvores são cortadas, não há mais a absorção do carbono da atmosfera, logo, ele não é mais fixado.

Com o desmatamento, muitas consequências surgem, e, uma delas são as queimadas. “Por isso, neste ano de 2019, aconteceu o alerta do INPE, dizendo que o desmatamento estava acima da média. Isso resultou na demissão do Diretor do órgão, o professor Galvão, que é do Departamento de Física Aplicada. Dois meses depois do desmatamento, quando a madeira secou, estamos tendo esse pico de queimadas, que vem sendo muito comentado nas últimas duas semanas”, disse o professor Barbosa.

Outra consequência no efeito estufa e nas mudanças climáticas, é a deficiência na devolução da água. No processo de reciclagem da umidade, as árvores absorvem a água e devolvem para a atmosfera. Cerca de 50% da umidade do ar da própria Floresta Amazônica vem desse processo.

“Uma árvore gigante pode bombear 200 litros de água por dia, do solo para a atmosfera, e isso é constante, permitindo a reciclagem de umidade. Trata-se de uma função muito importante da floresta, na qual ela recicla uma parte da água. Cerca de metade dela, que está nas nuvens da Amazônia, vem da própria floresta e a outra metade vem do oceano” conclui o professor Alexandre. 

E quem mora no arco do desmatamento?

(Imagem: Edmar Barros/Futura Press/Estadão Conteúdo)

Além dos impactos ambientais, acontecem também prejuízos para a sociedade, especialmente para quem mora nos arredores dos focos de desmatamento. Alexandre e Henrique explicam que diversas vezes a poluição nas cidades próximas à Amazônia é extrema e, alguns dias, durante o período da tarde, a impressão é de que o Sol já está se pondo.

Com as queimadas, ocorre a liberação de aerossol que é a fumaça. Para as populações que vivem no entorno, a fumaça acaba as contaminando diretamente causando danos à saúde. “Existem muitos estudos, até aqui na USP, na Faculdade de Ciências Médicas, nos quais médicos estudam os efeitos da poluição do ar na saúde, tanto em centros urbanos quanto em áreas de queimadas. Cinco a sete dias depois que começam as queimadas, há um pico de internações nos hospitais”, pontua Henrique.

Os professores relembraram que o evento deste ano não foi especial. Todos os anos ocorrem queimadas, e o que aconteceu é que a fumaça chegou mais perto da superfície terrestre do que o normal. Contudo, o desmatamento é extremamente prejudicial para a sociedade, para a natureza e para o mundo, exigindo que esse assunto seja tratado com cuidado e destaque.   

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*