Processo de dormência interfere na vida social das abelhas

Esse fator biológico explica igualmente como a espécie consegue viver de forma solitária.

Tetrapedia diversipes - espécie neotropical que realiza diapausa

Quando inseridas em um ambiente no qual suas condições de vida são colocadas em risco, algumas espécies de insetos entram em estado de dormência, um processo no seu ciclo de vida chamado de diapausa. Esse momento é caracterizado por um arranjo fisiológico em que as abelhas, por exemplo, conseguem diminuir sua atividade metabólica, ingestão de nutrientes e paralisam seus movimentos. Essa é uma relação semelhante à hibernação que alguns mamíferos fazem durante seu período de vida.

Em sua pesquisa, a doutoranda Priscila Santos, do Laboratório de Genética e Evolução de Abelhas do Instituto de Biociências da USP, analisa em quais aspectos as diversas espécies de abelhas preparam-se para entrar, ou não, em diapausa. Além disso, a pesquisadora busca investigar como esse processo pode ter sido um pré-requisito para cada espécie do inseto organizar-se em sociedade ou viver de forma solitária.

Pesquisas que visam entender os aspectos promotores da interação social e a formação de comunidades entre insetos são comuns no meio científico, uma vez que essa ocorrência ainda é uma incógnita e não há uma explicação lógica formalizada para justificar esse acontecimento.

Circunstâncias para esse processo ocorrer

A diapausa normalmente ocorre quando uma espécie de abelha está alojada em ambientes adversos, como em situações de alta latitude, onde as temperaturas variam das mais baixas até às mais altas, quando estão em áreas de seca e em situação de falta de recursos. 

Priscila comenta como características podem se relacionar no processo. “A variação do fotoperíodo, duração do dia em relação à noite, acaba por tornar os dias mais curtos durante a transição do outono para o inverno, sendo algo que pode dar indícios para que as abelhas entrem em diapausa”. Porém, não há uma certeza na influência desse aspecto, porque muitas dessas abelhas vivem em cavidades.

Além disso, verifica-se que as espécies de abelhas que entram em diapausa variam entre si conforme o momento do ciclo de vida em que ocorre o processo, podendo ocorrer na fase de larva, pupa, adulta e reprodutiva.

Outro fator levantado sobre o fenômeno é o teor facultativo presente em uma mesma espécie. A mudança do local onde uma determinada abelha está pode interferir na ocorrência, ou não, da diapausa.

Um ponto importante a ser salientado é o fato desses insetos conseguirem realizar uma preparação para entrar em diapausa, antes que o ambiente em que estão inseridos dê qualquer sinal de que irá ficar inóspito. Logo, surge a incógnita de como as espécies conseguem prever o início do período de diapausa e esse fato motiva os estudos na área.

Diapausa e evolução da socialidade em abelhas

Para analisar o elevadíssimo número de espécies de abelhas, Priscila separou para sua pesquisa sete famílias do inseto, resultando em cerca de 160 espécies presentes no estudo. O trabalho da pesquisadora constituiu-se em cruzar as informações das diferentes espécies para localizar os dados que se caracterizem como originários de seu ancestral comum. 

A partir de dados da literatura, houve uma revisão para comparar a fase em que as abelhas entram em diapausa com o nível de socialidade dessas espécies. O resultado encontrado indicou que esse ancestral comum possuía diapausa durante o desenvolvimento. Essa informação deu respaldo para a assertiva de que o processo ocorre na fase adulta das abelhas é algo mais recente.

Além disso, observou-se que o fenômeno é descrito como um processo que ocorre em apenas um estágio do ciclo de vida. No entanto, as abelhas apresentaram em diferentes espécies algo incomum ao padrão estabelecido. Isso depende da localização geográfica, em que uma mesma espécie de abelha pode realizar esse processo em diferentes fases da vida e em gerações distintas.

Outro fator variável é o intervalo de tempo que dura uma diapausa. Porém neste caso, a variação de tempo está mais relacionada a questões específicas de cada inseto, como o acesso a certa quantidade de alimentos, que muda de caso a caso.

As colmeias são exceção

Um fato curioso mencionado por Priscila é que, ao contrário do que o senso comum indica sobre as abelhas viverem exclusivamente em sociedade dentro de colmeias, na realidade, a maioria das espécies vive de forma solitária. Sendo assim, encontrar um fator que indica a ocorrência de uma característica não tão recorrente, nesse caso a formação de sociedade por parte das abelhas, é essencial para entender o comportamento dessa espécie.

A pesquisadora salienta que pouquíssimas espécies de abelhas são sociais. “Existem 20.000 espécies descritas e menos de mil vivem em socialidade. A maioria delas vive de forma solitária em ninhos debaixo da terra, no chão ou em troncos de árvore. Existem vários níveis intermediários de socialidade, como subsocial e primitivamente social, que estão entre estado de abelha solitária a altamente social.”

Da mesma forma, a partir dessas análises, Priscila Santos encontrou dados que corroboram para a hipótese da fase em que a diapausa ocorre é significante para o nível de socialidade das abelhas. Em sua análise, Priscila conseguiu observar parâmetros que se repetiam, e utilizou também uma tese descrita para vespas como inspiração. Vespas e abelhas pertencem de forma conjunta à ordem Hymenoptera, o que valida essa ligação. Assim, ela conseguiu verificar que grande parte das espécies de abelhas que possui diapausa na fase adulta, ou seja, após todo o seu desenvolvimento, eram espécies que viviam em comunidade, distinguindo uma correlação significativa entre o processo de dormência e o comportamento social das abelhas.

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