Avanço militar sobre curdos está ligado à política interna na Turquia

Cientista político turco e curdo define conflito como “cortina de fumaça” sobre problemas do país – como desemprego e corrupção

Funeral feito para os curdos mortos em conflito no nordeste da Síria - Foto: Delil Souleiman / Agence France-Presse

Na última segunda-feira, dia 7, o presidente dos EUA Donald Trump anunciou a retirada de tropas estadunidenses da fronteira entre Síria e Turquia. A região é marcada por um tensionamento antigo entre o governo turco e os curdos – povo que reivindica parte deste território para formar seu Estado próprio. A presença dos EUA na região funcionava como apaziguadora parcial de conflitos, e a saída de cerca de mil tropas representou o “sinal verde” para o avanço do exército turco. 

De toda forma, o movimento de retirada de Trump – por si só – não é suficiente para explicar a escalada militar dos turcos. Esta é a análise de Yusuf Elemen, cientista político curdo, nascido na Turquia, e pesquisador vinculado ao Grupo de Trabalho Oriente Médio e Mundo Muçulmano, da Faculdade de Filosofia, Letras, e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Povo sem pátria

Espalhados entre Turquia, Síria, Iraque, Irã e em uma pequena parte da Armênia, os curdos formam uma comunidade unida por etnia, cultura e linguagem. Mesmo com uma população de cerca de 30 milhões de pessoas, eles não estão protegidos por um Estado próprio – são uma nação apátrida. Há inclusive uma disputa histórica dessa minoria para que eles conquistem seu território e formem o “Curdistão”.
Por representarem entre 15% e 20% da população da Turquia, a região sempre foi marcada por uma hostilidade entre os dois povos que oscilou ao longo do tempo. Nos últimos anos os curdos conseguiram se impor de forma estável em suas parcelas de território, principalmente por contarem com os EUA como aliado na luta contra o Estado Islâmico. Com o arrefecimento do grupo terrorista, a parceria norte-americana também minguou.
Agora restaram o armamento previamente fornecido pelos antigos aliados e os treinamentos que foram dados para que os curdos enfrentem os militares do presidente turco Recep Tayyip Erdogan.

“Cortina de fumaça”

Muitos motivos cercam a justificativa para que Trump tenha retirado o exército estadunidense da região. Desde então, a ofensiva já levou 160.000 civis a abandonarem suas casas e o Ministério da Defesa Nacional da Turquia anunciou já ter “neutralizado” 595 curdos.
Para o professor Tanguy Baghdadi, mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio, isso se explica principalmente pela tentativa de reaproximação com a Turquia e a promessa de retirada dos EUA de conflitos antigos – feita pelo republicano em 2016 e estratégica para sua reeleição em 2020. Outras análises também veem o episódio como estratégia de distração de Trump para o escândalo e processo de impeachment no qual está envolto. É nesta estratégia de criar uma “cortina de fumaça” para outros problemas que os interesses de Trump e Erdogan se conectam. 

Para o cientista político Yusuf Elemen, o avanço da Turquia sobre os curdos não é apenas culpa de Trump. “Sempre que há situações de tensão interna na Turquia a questão curda é posta na mesa. É uma carta política para momentos em que o status quo turco está desestabilizado”, aponta.
Em junho deste ano, Erdogan colheu uma derrota e perdeu a maioria no Parlamento turco. Este é apenas mais um sintoma dos abalos pelo qual o governo que rege a Turquia anda passando. Somam-se ainda uma taxa de 14% de desemprego, processo inflacionário e escândalos de corrupção abafados, por exemplo. É para evitar que este cenário de instabilidades se aprofunde que, segundo Elemen, Erdogan precisou colocar a ofensiva sobre os curdos na ordem do dia. “É uma questão de tirar a atenção dos problemas internos. Erdogan está ferido politicamente e precisa de recuperar.”

“Ele precisa mudar o foco e é um político muito esperto, sabe manipular as massas. O que ele usa para isso é a violência. Alimentando a raiva e o ódio dentro da sociedade ele consolida seu eleitorado. É uma jogada que ele faz há tempos e agora se intensifica sobre os curdos”, conclui.

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