Impacto do corte de bolsas de estudo afeta atração do conhecimento brasileiro

Segundo especialista da USP, o corte e suspensão de bolsas de pesquisa fazem o país perder competitividade no mundo

Produção de conhecimento no Brasil (Imagem: Sofia Aguiar)

Os constantes cortes de verbas em pesquisa anunciados pelo governo são trazidos como uma possível solução à crise brasileira. A decisão se expande e afeta todas as áreas do conhecimento, e faz reposicionar a postura e influência do Brasil frente ao mundo. Se por um lado os cortes preocupam pela paralisação de pesquisas importantes no curto prazo, por outro lado pesquisadores temem a baixa capacidade de atração brasileira.

O professor do Instituto de Relações Internacionais, Pedro Feliú, comenta que, para gerar crescimento econômico em um país, é preciso investir em inovação de serviços. “ Precisamos inovar em vários setores, para deixar o país mais competitivo e facilitar o ganho de mercado externo”. Segundo ele, é necessário que o investimento não seja direcionado apenas para as exatas ou biológicas, mas em distintas áreas. “A influência da academia na quantidade de pesquisa, dados e trabalhos – influência das sociedades epistêmicas – sobre relações internacionais fornece informação tanto para consultoria quanto para tomada de decisões de governo. Isso [fornecimento de informação] vai sofrer um descrédito com o corte.”

Feliú classifica que o principal corte é o referente a bolsas de PEC/G (Programa de Estudantes-Convênio de Graduação) e PEC/PG (Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Graduação). Desenvolvidos em parceria com a Capes e CNPq, os programas oferecem bolsas para estudantes de países em desenvolvimento, dando a oportunidade de estudar na graduação ou pós-graduação em Instituições de Ensino Superior brasileiras.

Impacto dos estrangeiros

“O maior impacto dos cortes de bolsas é na política externa de cooperação na educação”, comenta. Feliú conta que uma parte importante da política brasileira é conceder bolsas a alunos, principalmente de Terceiro Mundo, como América Latina e países africanos. “É a fronteira entre a política externa, a educação e o impacto direto que pode reduzir a capacidade do País de usar seu Ensino Superior.”

Programas de bolsa para estudantes estrangeiros são um diferencial para a competição mundial. O especialista conta que o atual Procurador-Geral da República da Guiné-Bissau, António Sedja Mam, estudou no Brasil a partir do PEC-G, em 1990. Por essa formação no Brasil, Sedja Mam admite uma inclinação de contatos e redes de networking com o Brasil, que tem impacto em sua política internacional. “É o instrumento de cooperação internacional que gera uma estabilidade positiva e vai ter uma conexão e um impacto direto. Não são só as bolsas para os brasileiros, mas também para os estrangeiros.”

A perda das bolsas faz o Brasil ficar menos competitivo em atrair estrangeiros para melhorar a qualidade da pesquisa, comenta Feliú. “Ter bolsa é um aspecto fundamental. Vai cair o nível geral, não só das relações internacionais, mas em todas as áreas”. Com o ensino superior brasileiro mais restrito, Feliú aponta uma divergência. Ele traz que o gasto em bolsas para faculdades já é fixo, e “encaixar e abrir vagas para estrangeiros estudarem nas faculdades não custa um centavo a mais do já se gasta, mas conseguimos criar educação superior com instrumento de cooperação e influência internacional.” 

Além de afastar o conhecimento externo, as relações internacionais se enfraquecem no poderio brasileiro ao buscar apoio de outros países. “Em todos os âmbitos de internacionalização global, a cooperação em educação faz o Brasil ter maior acesso, apoio, comércio e investimentos. Os países demandam isso, e é uma perda real, objetiva e à curto prazo”. Ele cita os desejos do País pelo assento no Conselho de Segurança da ONU e entrada na OMC.

Repulsor de cérebros

Outro impacto que Feliú aponta é a baixa capacidade que o Brasil teria de recrutar cérebros. No auge da expansão do Ensino Superior brasileiro, havia a atração de estudantes de outras nacionalidades. “Agora perdemos isso. Uma pessoa qualificada, que iria somar, pode ficar em seu País.”

A expansão das relações internacionais é estancada, e o principal impacto é para o curso de graduação, em especial a formação de material de recursos humanos, segundo Feliú. “Fundamentalmente, precisamos estudar a política externa para gerar informação e percepção de quem toma as decisões.”

O professor considera frustrante o corte de investimento em pesquisa sobre relações internacionais não afetar outras áreas nacionais. “Vemos mais impacto nos países onde a universidade e os professores basicamente viram consultores do governo”. Ele dá o exemplo dos Estados Unidos, em que há a formação de diplomatas nas universidades e iniciar uma especialização faz parte da carreira. “Mas no Brasil, as decisões são centralizadas no Itamaraty. Mesmo o setor privado e as multinacionais não contratam tantos doutores. É um pouco frustrante essa baixa relação, mas é a realidade.” 

Atual cenário nacional

Ainda que a pesquisa seja essencial para o desenvolvimento do país, Feliú comenta que é baixa sua influência na opinião pública. “Em vários países que não têm interesse em política internacional, o impacto de bolsas de estudo na inserção internacional existe como política de ciência e tecnologia”. Nesse caso, ele ressalta que a regulação midiática tem mais participação que estudos e pesquisas.

Feliú admite: “O Brasil está sem capacidade de investimento”. Além da crise econômica, o atual cenário é também o de uma crise fiscal. Ele comenta que na dúvida entre cortar ou não as bolsas, questiona-se de onde é possível tirar verba. “Então surgem todas as discussões de reforma tributária, de previdência, gastos com forças armadas. Mas está muito difícil o cenário. Não é só uma crise econômica, é também uma crise do governo”.

Há a necessidade de se investir em ciência e tecnologia, segundo o professor, mas ele acredita que, atualmente, este cenário é inviável dada a crise do governo. “Para fechar as contas na bolsa, não é preciso um volume violento. Mas qual a preferência ou quais demandas são do governo e da sociedade? A partir desse ponto, a discussão fica mais difícil, mais completa”.

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