Imprensa perde força com uso de redes sociais por governantes

Retração da procura por informação jornalística contribui para crise nas redações brasileiras

Arte: Laura Alegre

Um relatório inédito sobre a situação das redações de veículos jornalísticos de todo o Brasil apontou as consequências disso junto ao crescimento do uso das redes sociais por governantes. Ricardo Gandour, diretor executivo da rádio CBN e mestre em Ciências da Comunicação pela USP, direcionou os conhecimentos obtidos ao longo de sua carreira pelas principais redações de São Paulo para o ambiente acadêmico, antevendo em sua pesquisa a tendência de proliferação da informação pelas mídias sociais antes mesmo das eleições de 2018.

Imagem: Fechamento de jornais entre 2011 e 2018 por estado. (Fonte: Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo – PROJOR)

De acordo com a Hello, agência de pesquisa de mercado e inteligência, sete a cada dez brasileiros se informam pelas redes sociais. Quando o assunto é política, a consultoria Ideia Big Data indica que 47% da população entre 18 e 24 anos usa esses meios para se informar. Simultaneamente, o jornalismo passa por uma crise na qual muitos profissionais foram demitidos e alguns jornais deixaram de circular. “Como diretor editorial, eu vi pessoalmente o enxugamento das redações. O que me levou a pesquisar sobre o assunto foi o fato de que eu via nos Estados Unidos muitos estudos empíricos que conseguiam dimensionar essa retração – que é um fenômeno mundial – e pensei, ‘puxa, por que não trazer isso aqui no Brasil?’”, revela o pesquisador ao contar sobre sua inspiração para o estudo.

Mapeamento

Com apoio da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Gandour realizou uma pesquisa de campo tendo como base 80% dos jornais diários que circulam em todas as regiões do País. Isso possibilitou que as consequências da crise do modelo de negócio jornalístico fossem apuradas e o enxugamento das redações comprovado. Em todos os ambientes pesquisados, houve diminuição do conteúdo produzido e também do número de páginas impressas dos veículos.

Um dos principais resultados do estudo foi o apontamento de vários “desertos de notícia”, ou seja, a indicação do fechamento do único veículo jornalístico que um município tinha. Esse conceito surgiu nos Estados Unidos em uma revista chamada Columbia Journalism Review, e foi aplicado no Brasil com o nome de Atlas da Notícia, que hoje é mantido pelo Projor, o Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo. Confira abaixo alguns exemplos:

 

Imagem: Visão geral dos desertos noticiosos brasileiros. (Fonte: Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo – Projor)

Imagem: Desertos noticiosos na região Sudeste. (Fonte: Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo – Projor)

O cenário encontrado não surpreendeu o pesquisador, apenas confirmou a primeira hipótese da dissertação. Mesmo assim, ele afirma que “foi muito interessante analisar que, ao contrário do que se esperava, algumas regiões apresentaram aumento na produção de conteúdo, muito provavelmente causado pela migração dos veículos para o digital”.

A transição para o online foi um momento decisivo na trajetória de várias redações. Com a queda da arrecadação de receita publicitária e a mudança do modelo de negócio, a adaptação de alguns veículos foi um pouco difícil, fato que corrobora com a estatística de fechamento de redações. “Nesse cenário, podemos identificar uma mudança no próprio método de publicação jornalística. Antigamente existiam jornais que tinham a reputação baseada na melhor explicação da notícia – sem pressa, ou seja, eu vou explicar melhor, e é isso que vai me trazer resultados para o negócio. Acho que no digital se perdeu um pouco disso, e agora o modelo exige um atropelamento na forma de apuração”, diz o jornalista, que também foi diretor de conteúdo do jornal O Estado de S. Paulo.

O risco de informações “oficiosas” nas mídias sociais

O que intrigou o jornalista foi o que poderia ocupar o lugar das informações apuradas profissionalmente, cuja oferta estaria diminuindo por conta da retração. Pensando nisso, ele passou a analisar postagens de todos os governadores estaduais da federação em redes sociais e quais seriam os impactos desse tipo de fonte de informação na democracia.

O estudo assinala uma relação inversamente proporcional: enquanto as redações vão diminuindo, meios alternativos pelos quais uma pessoa pode se informar estão ascendendo. Entre 2013 e 2016, o número médio de posts por governador cresceu 91%, enquanto que o número médio de posts de jornais em cada estado aumentou apenas 6% nesse mesmo período. Segundo o professor, a partir de 2016, as fake news cresceram exponencialmente, fazendo com que a imprensa “perdesse sua efetividade em informar e mediar a comunicação entre governo e população”.

Os perigos dessa prática consistem no fomento da desinformação, porque o uso das redes sociais por governantes alimenta a polarização, principalmente com as tendências atuais, de acordo o pesquisador. Além disso, ele aponta que “em última análise, isso prejudica o voto, já que ele precisa ser resultado de um processo claro de conscientização”.

Gandour ainda ressalta que a democracia é posta em risco com essa prática porque “a vigilância da imprensa fica desassistida”. Quando se associa isso ao surgimento dos desertos de notícia, a situação fica ainda pior, pois os possíveis canais de denúncia local de órgãos públicos via jornalismo local se tornam limitados ou quase extintos.

Opinião versus Informação

Para o jornalista, a mudança na forma com que a população se informa está “deslocando o eixo da informação para a opinião, porque nas redes sociais, o que mais se faz é opinar, e não necessariamente com uma análise prévia, o que seria o ciclo natural no jornalismo: primeiro eu informo, a partir da informação eu analiso e depois eu opino. Eu apuro e checo para embasar minha opinião”. Com isso, ele indica a urgência de uma educação midiática de forma a diferenciar informação de análise e de opinião.

A proliferação de fatos não checados nas redes sociais, muitas vezes publicados pelos próprios governantes e viralizadas por seus seguidores, são os principais problemas para que essa diferenciação entre gêneros jornalísticos não esteja clara para o público. O jornalista tem grande responsabilidade para tentar amenizar e reverter essa conjuntura, principalmente no que se trata de sua formação. O pesquisador defende que “as escolas são o grande repositório do ofício, dos fundamentos jornalísticos. A esperança está no ensino e na pesquisa. Por isso, inclusive, que eu fui para a USP e me aprofundei academicamente na minha área”.

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