Mulheres brasileiras com HIV planejam menos a gravidez que a média mundial

Mesmo com acompanhamento médico, gestação é menos programada e apresenta motivações similares a quem não tem o vírus

Mulheres soropositivas têm gestações seguras se acompanhadas desde o início - Foto: Reprodução

Com os avanços da medicina, o HIV, vírus causador da AIDS, não é mais sinônimo imediato de contágio de mãe para filho no útero, parto ou aleitamento, a chamada transmissão vertical. Com o acompanhamento adequado a partir dos primeiros meses de gestação, o processo de gestação se torna seguro. Mas o planejamento familiar entre mulheres infectadas no Brasil que engravidam é muito menor do que a média global – e do esperado entre pesquisadores. 

Faz parte do protocolo que a criança tome uma série de remédios para negativar a infecção de vez, além de tratos especiais durante os nove meses de espera e na hora do parto, em que a mãe também toma medicamentos específicos. 

Com isso, a possibilidade de transmissão vertical do vírus é baixa, quase nula, em quem se trata desde o início da gestação. Quando o HIV é controlado e se torna indetectável no sangue, o paciente não tem AIDS. Mesmo assim, a maioria das mulheres brasileiras que se encaixa no perfil não planeja engravidar: enquanto a taxa mundial de gestações planejadas é de 60%, no Brasil apenas 32 a cada 100 mulheres com HIV tinham um filho em seus planos a curto prazo. 

Os resultados surpreenderam negativamente Jefferson Santos, que defendeu sua dissertação na Faculdade de Saúde Pública da USP sobre o assunto. 

Ele entrevistou mulheres que tratam a infecção em serviços de saúde especializados de São Paulo e engravidaram depois do diagnóstico do HIV. Depois, comparou as respostas com uma amostra “controle”, de pessoas que não vivem com o vírus. 

O perfil de soropositivas em tratamento e quem não tem o vírus é o mesmo: morar com o parceiro, não ter sofrido abortos anteriormente e já ter filhos aumentava a chance da mulher desejar uma nova gravidez. 

A falta de planejamento pela maioria não era esperada pelos pesquisadores porque todas as entrevistadas estavam em acompanhamento especializado em serviços de saúde, vinculadas e retidas dentro desse serviço antes mesmo da gravidez.

“Por esse controle, de mais acesso à informação e métodos contraceptivos, imaginamos que seria mais otimista”, explica o pesquisador.

Para Jefferson e seus colegas, a possibilidade de transmissão vertical pode não ser o principal motivo por trás dos números, mas a própria lógica sanitária no país. “Ela não deu conta de ajudar essas mulheres no planejamento da gestação, além das questões ligadas a fatores sociais e familiares”.

As hipóteses correm em diversas áreas. A centralidade da camisinha, único método que previne ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis), pode ser um impeditivo, paradoxalmente. Em quem tem o vírus indetectável no sangue, é possível transar sem camisinha, e a informação é conhecida nos centros de tratamento. “As mulheres precisam de informação correta sobre outros métodos e ter acesso ao completo planejamento reprodutivo, mas eles são pouco oferecidos”, explica Jefferson. 

Além disso, o departamento do governo federal responsável pelo cuidado de pessoas com ISTs ganhou um novo nome que, para Jefferson, simboliza muitas entrelinhas negativas. O antigo Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais se tornou apenas o Departamento de Doenças de Transmissões Crônicas e ISTs.

A problemática é que “há uma série de doenças de condições crônicas que não tem nada a ver com o HIV e entraram nesse novo espaço”, contesta. Na avaliação dele, a política diluída para o tratamento de várias condições em um órgão tira o foco do problema.

“Precisamos problematizar como serviços de saúde lidam com escolhas reprodutivas das mulheres, para que ajudem elas de forma segura e compreendam como elas se sentem ao engravidar”, finaliza. 

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