Projetos promovem melhorias para o ensino de química a partir do campo da visualização

Professor doutor orienta diversas pesquisas que buscam facilitar a compreensão e aprendizado da química

Créditos: freepik

“A química é complicada porque ela explica o que você vê com o que você não vê com uma linguagem que você não fala. Ela é a definição de difícil”. Assim que Guilherme Marson, professor doutor do Departamento de Química Fundamental do Instituto de Química da USP, começou a explicar os propósitos e finalidades de uma das suas linhas de pesquisa. Um dos intuitos é criar formas de representações de conceitos da química a fim de que fiquem mais palatáveis e facilite o aprendizado.

Há muitas dificuldades no próprio entendimento das pessoas sobre a química. Ele conta que elas conhecem o modelo clássico das bolinhas unidas por bastões e pensam que se houvesse uma lente incrivelmente potente, seria possível enxergar isso, mas na verdade não. Ao fazer essa análise, ele complementa “por isso vamos entender as dificuldades e desenvolver formas de representação mais interessantes”.

Ainda é constatado que essas dificuldades não aparecem só na educação básica. “Esses problemas persistem até a pós-graduação. Muitas pessoas dizem que fazem pesquisa com enfoque molecular mas, de fato, têm muita dificuldade em entender o que é uma molécula do ponto de vista químico”, explica. Para o pesquisador, o desafio se torna ainda mais interessante pelo fato da química não ser uma única linguagem universal.

Os projetos

Guilherme é responsável por orientar uma série de pesquisas que estão dentro da temática de representações visuais e visualização. Neste texto, aprofundaremos em duas, uma que retrata a temática da visualização em 3D de moléculas e outra que funciona como uma simulação real de experimentos de química. 

Um método desenvolvido junto ao seu orientando, Rodrigo Alves Consoli, permite registrar quantitativamente o seu processo de interação com determinado modelo molecular na tela. É produzido um gráfico. E todos esses resultados estão sendo tratados para, posteriormente, serem publicados. 

Guilherme demonstrou como está o protótipo. Inicialmente, são colocadas duas moléculas tridimensionais lado a lado, mas posicionadas diferentes. O objetivo é fazer com que a outra fique idêntica à molécula de referência. “Isso é uma interface de cognição e de habilidade espaciais.” 

Os ganhos vão além de questões educacionais: “Conseguimos gravar um parâmetro quantitativo do quanto uma molécula estava diferente da outra, como se tivesse uma diferença na rotação. Basicamente, criou-se uma régua rotacional”. 

Falando sobre o desempenho dos alunos, ele conta sobre duas fases: uma mais exploratória e outra de ajuste. No primeiro exemplo de aluno demonstrado, a distância rotacional durante a fase exploratória ainda é considerável, depois que ele começa a ajustar para alcançar a semelhança entre as moléculas, a distância cai drasticamente e o outro medidor, que indica o nível de aproximação, cresce bastante. Os gráficos estavam sendo expostos na tela junto com as imagens das moléculas.

Outras maneiras de se representar as moléculas foram criadas. Na primeira, ela tinha pontos de referência em sua estrutura, que estavam marcados com cores. No segundo exemplo de representação demonstrado, ela era inteira monocromática, o que pode provocar dificuldades para alguns, mas facilidades para outros. 

Por fim, destaca que essa pesquisa é bastante voltada à investigação. Eles medem nela parâmetros para caracterizar o processo de resolução dessa pessoa. E, com isso, há pretensões de expandir ainda mais, para além da química. 

O outro exemplo de pesquisa desenvolvida foi o projeto de Yuri Barros. Essa está inserida em outra linha. É uma que está sendo trabalhado a competência representacional, ou seja, a capacidade de uma pessoa transitar entre diferentes formas de representação do mesmo conceito. 

O trabalho consiste em um simulador que mostra um vídeo de uma reação ácido-base (titulação). Aos poucos, é adicionado a um suco de repolho roxo, um indicador ácido-base, uma base, e partir disso, é feito a medição do pH. 

Se fosse só o vídeo, não haveria nada de novo. No entanto, junto a ele, há um gráfico correspondente com os valores de pH. Ou seja, a medida que passa o tempo no experimento, há uma indicação no gráfico demonstrando o pH da solução.

“Tem duas formas de representar, uma sendo o registro do experimento, e não é uma simulação, é um registro real, e um gráfico para então facilitar a descrição qualitativa e quantitativa, que é uma grande dificuldade dos estudantes”. O professor ainda complementa: “Verificaremos como tudo isso junto ajuda os alunos a entender essas formas de representação do mesmo fenômeno químico”.

Guilherme destaca que este tipo de simulação é mais rica. “Estou gerando os dados em tempo real mesmo, a pessoa faz a medida de cor na tela, na hora, então tem uma medida de fato”. Isso abriu margem para um grande número de experimentos químicos onde a composição do sistema é proporcional a elementos visuais que são possíveis de se verem na tela do computador ou mesmo fazendo os experimentos virtualmente. “Eu estou simulando. A maior parte dos simuladores dão condições muito fixas para fazer as coisas. Nesse, os estudantes terão algumas imperfeições e serão mais parecidos com o que a pesquisa é.” 

Baixos custo e diversos ganhos

Todos esses projetos também têm um intuito de serem possíveis para todos os públicos, sem necessidade de gastos absurdos em estrutura para aplicá-los e também possibilitando a vivência de experiências que possam vir a ter um alto custo. 

Guilherme explica: “Muitas escolas públicas não têm laboratório ou ele está em péssimas condições, queremos transformar essa atividade como um curso de extensão. Para professores, nós estamos almejando isso. Aqui, no caso da pesquisa, eu olho competência representacional, mas ele gera um produto para a sociedade que é um simulador”. 

Usando de exemplo a pesquisa de Yuri, ele explica que o vídeo foi feito com o celular na escola onde seu orientando é professor. O intuito dessa pesquisa é de usar recursos mínimos, nada muito caro, para não haver a acusação de que são necessários recursos de outro mundo. 

Guilherme ainda destaca as vantagens em relação a informática. O vídeo é muito fácil de ser transportado, basta copiá-lo e colá-lo onde quiser. É um simulador que a pessoa não precisa nem saber programar, é só substituir um arquivo por outro.  

Além disso, ele conta que dá para juntar as duas linhas abordadas no texto. “Elas são possíveis de integrá-las, pois a questão das representações múltiplas, se eu quiser explicar o conceito do ponto de vista químico, eu tenho o fenômeno, que pode ser o registrado. Também há o conjunto de dados que descreve esse acontecimento, principalmente dados quantitativos. Mas quando é explicado de fato o fenômeno, será necessário lançar mão desses modelos moleculares. É nesta fase que a química moderna começa.”

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