Tecnologia atual permite reclassificação de espécies de vermes desaparecidas

Planárias terrestres estavam no Museu Nacional há 90 anos

Especialistas acreditavam que algumas espécies de planárias brasileiras haviam sido perdidas. Imagem: Hugo Vaz

Foi com enorme pesar que o pesquisador Marcos Santos Silva, do Laboratório de Ecologia e Evolução da USP, assistiu à queima do Museu Nacional do Rio de Janeiro em 2018. Enquanto o País lamentava coletivamente aquela que parecia ser a metáfora perfeita para o esfacelamento da memória, cultura e patrimônio científico do País, ele sabia exatamente o que se perdia no meio das chamas. “Uma parcela enorme da fauna brasileira tinha seu material de referência depositado nesse museu e agora você não tem mais com o que comparar, porque ele queimou, já era”, explica. Dez espécies diferentes de planárias terrestres brasileiras, entretanto, tinham seu paradeiro bem conhecido pelo cientista — estavam dentro de um armário no seu laboratório  

Dois anos antes da tragédia, durante uma troca despretensiosa de e-mails entre o professor Fernando Carbayo, do curso de Licenciatura em Ciências da Natureza da EACH-USP, e a curadoria de invertebrados do Museu Nacional, o primeiro questionou quais materiais relativos às planárias terrestres a instituição possuía em seu catálogo. Conforme os itens foram listados, ficou cada vez mais claro que o museu guardava exemplares considerados perdidos há mais de 90 anos. Uma dezena de espécies identificadas pelo pesquisador Paulo Schirch em 1929 (e nunca mais vistas desde então) haviam sido encontradas. “Nesse sentido, foi o resgate do material, pois pesquisadores anteriores, que trabalhavam com o mesmo grupo, achavam que ele não existia mais”, reconta Marcos. 

A partir daí, sob orientação de Fernando, Marcos iniciou seu mestrado pelo Museu de Zoologia da USP, explorando com técnicas modernas o material nonagenário. O intuito foi reclassificar os animais, que estavam inclusos em um gênero informalmente conhecido como “balaio de gato”, por abrigar várias espécies de classificação imprecisa. “O gênero que elas estão é válido em termos do código nomenclatural zoológico internacional, mas evolutivamente falando ele não é válido”, explica Marcos. “Ali você tem espécies que são de gêneros completamente diferentes, talvez de famílias completamente diferentes”, acrescenta.

A microtomografia computadorizada permite formar imagens tridimensionais do animal

Para saber a qual espécie designar cada animal, é preciso estudar meticulosamente partes como o copulador e a faringe, pois são essas estruturas que delimitam as classificações atuais. E para se estudar essas partes, é preciso fatiar o animal em pedaços minúsculos e depois observá-los sob um microscópio. O problema é que em alguns casos, como o da Pseudogeoplana bresslaui, só havia um exemplar disponível. Restava então um dilema ao pesquisador: se ele quisesse saber mais sobre o animal, teria que desconstruir suas estruturas, mas se fizesse isso, destruiria o único exemplar disponível. “Ainda teríamos o material em lâminas histológicas, mas sua forma original se perderia. Ficaria todo fatiado em caixas.”

Marcos optou então por utilizar o método da microtomografia computadorizada, uma técnica não destrutiva que permite a análise de segmentos internos do material analisado. Ela funciona como uma tomografia médica normal, com a diferença que no final do processo, depois de fazer uma série de imagens, o programa associado ao equipamento reconstrói a amostra inicial e produz um modelo tridimensional. Para observá-lo, utiliza-se um software especial que permite “viajar” por dentro do animal, olhando uma mesma região de várias perspectivas, avançando ou recuando ao longo do seu corpo, não muito diferente de um passeio pelo Google Street View.

Como resultado desses estudos, ao todo, 15 espécies sofreram revisão taxonômica e houve preservação integral do corpo daquelas com um único exemplar. Hoje, temos referências morfológicas suficientes para falar dessas planárias com propriedade, e as classificações estão melhor organizadas. “Quem encontrar uma dessas espécies do estudo terá meus resultados para comparar se ela é uma bresslaui, Imbira marcusi, Imbira Bonita, coisas desse tipo, o que não ocorreria antes, chegando nesse nível de identificação”, afirma Marcos. Quanto ao destino dos animais, o pesquisador revela — “Irei devolver para a coleção de invertebrados do Museu Nacional e vão ficar lá até que alguém se interesse em estudá-los novamente.”

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