Pressões socioambientais inibem uso de parques em São Paulo

Pesquisa do IEB investigou a situação dos parques urbanos do município de São Paulo

Final de tarde no Parque Ibirapuera [Foto: Paulo Pinto / Fotos Públicas]

Por conta da pandemia da COVID-19 e das medidas de isolamento social, os parques municipais de São Paulo permaneceram fechados por quase quatro meses. Os espaços de áreas verdes, tão raros na capital paulista, ficaram vazios e silenciosos. “Eu acho que essa discussão sobre a reabertura dos parques aconteceu a reboque da discussão de reabertura dos shoppings. Percebo que alguns grupos que têm fácil acesso e frequentam mais esses espaços públicos encontraram na justificativa do menor risco de contaminação uma forma de fazer outras pessoas voltarem os olhos para esse espaço como uma alternativa de sociabilidade”, opina Fernanda Luchiari, mestra do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, sobre a demanda pela reabertura dos espaços.

Em “Parques para pessoas: ideias e estratégias adotadas na fundação e na gestão dos parques urbanos municipais de São Paulo”, sua dissertação de mestrado, Fernanda estudou a presença dos parques urbanos na vida da cidade. Ao todo, são 107 parques no maior município da Região Metropolitana de São Paulo. A questão central é que, desse total, uma série de ideias e fatores provocados historicamente pelo modelo dominante de urbanização, comprometem as funções sociais desses equipamentos.

Em sua tese, Fernanda utiliza o termo “pressão socioambiental” para definir as forças que atuam sobre os parques. Ela esclarece: “a ideia traz uma transformação de um estado para outro que, no caso dos parques urbanos, desloca ou destitui a sua condição de ser – enquanto lugar que simula o ambiente natural, de lazer e do encontro – comprometendo o seu papel ou função básica de espaço público”.

De onde vem, para onde vai

A construção dos parques urbanos de São Paulo se divide em três principais momentos. Esses períodos se diferem no tempo, mas também nos objetivos dos gestores. A primeira fase, no final do século 19, é marcada pela concepção estética. Os parques eram espaços embelezadores da cidade. Mas à frente, já com uma metrópole estabelecida, os parques começam a nascer como locais de recreação e lazer. É na terceira fase, no final dos anos 90, que as áreas verdes começam a ser pensadas considerando questões ambientais.

É claro que o fator lazer permanece andando de mãos dadas à existência dos parques. Porém, o trabalho de Fernanda evidencia a necessidade da gestão pública de oferecer condições desses espaços terem significado na vida social da cidade. Em entrevista, a pesquisadora explica que ações individuais de conscientização não são eficazes para solucionar os problemas. “Os parques urbanos são arenas dos antagonismos existentes nas cidades. Quer dizer, refletem os conflitos urbanos, a desigualdade social e os seus sintomas. Por isso não podem ser pensados de forma individualizada e separada de outras tramas, de seu entorno, do conjunto da cidade”. Ela completa dizendo que isso precisa incluir “uma abordagem multidimensional da gestão e a participação social, já que são voltados para as pessoas e dependem delas para manterem o seu sentido”.

Volta dos visitantes ao Parque da Aclimação após a reabertura [Foto: Paulo Pinto/FotosPublicas]

O desequilíbrio no número de visitantes dos parques paulistanos

Apesar de a existência dos parques depender da participação da sociedade, alguns desses ambientes possuem pouca adesão. Em uma primeira análise, é mais fácil perceber isso olhando para alguns parques menores, que costumam ter poucos frequentadores. Fernanda conta que esse foi um dos fatores que a levou a escolher esse tema: por que as pessoas não desfrutam positivamente desses espaços?

No geral, os parques menores, “de bairro”, como define a pesquisadora, são mais afetados pela interferência da vizinhança. O público é, em sua maioria, formado pela comunidade local. Segundo Fernanda, a baixa adesão de um parque também pode estar relacionada à falta de lazer direcionado aos interesses e demandas da população desses ambientes, isso é, a um planejamento que não incorpora as pessoas. Em parques maiores existem quadras, brinquedos, atividades culturais, equipamentos de ginástica e outros atrativos para diferentes públicos.

Embora não seja objeto do trabalho, é importante lembrar que, dos parques que possuem público constante, o destaque da capital paulista é o Ibirapuera. Inaugurado em 1954, com uma extensão de 158 hectares, é o parque mais frequentado da América do Sul. Em São Paulo, é tombado como patrimônio histórico.

A inquietação da pesquisadora com o tema é pertinente. No imaginário, os parques são ambientes de diversão, contemplação e relaxamento. Mas, na prática, enfrentam todos os problemas históricos e sistêmicos discorridos por Fernanda em sua dissertação. As causas exploradas na pesquisa são várias: entre elas, a falta de gestão eficaz, o pouco envolvimento da comunidade aos ambientes, e algo mais subjetivo: a noção do “verde idílico” apartado das dinâmicas sociais

Aqui, o idílico remete ao ideal, maravilhoso. Essa noção comum de espaços verdes como refúgio da cidade. Mas, para Fernanda, essa concepção pode atrapalhar mais do que ajudar. Quando meio ambiente não é reconhecido como necessidade básica para algumas pessoas, pode ser reduzido à perspectiva estética. É comum o entendimento de meio ambiente como algo esverdeado e desintegrado da vida cotidiana, como algo distante e dotado de uma certa romantização.

Para ela, tanto essa visão quanto a visão individualista de que “cada um deve fazer a sua parte” para que não falte água e para melhorar a qualidade de vida, por exemplo, distancia as pessoas de uma reflexão e ação política sobre o assunto. Na medida em que essa pauta, no imaginário social, se torna uma responsabilidade individual, são enfraquecidas a busca pela política pública e o exercício da cidadania.

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