Mesa “Despejos, remoções e o aluguel temporário” discute políticas públicas e o papel do Judiciário

Imagem de divulgação.

Devido à pandemia, ações de despejo e preocupações com o direito à moradia tomaram a esfera pública. A mesa “Despejos, remoções e o aluguel temporário” procurou debater questões relevantes sobre como inquilinos são despejados de suas casas e como o poder judiciário, o mercado financeiro e as políticas públicas tomam parte nesse processo. O evento fez parte do Seminário Internacional “Moradia de Aluguel na América Latina: Estado, finanças e mercados populares”, realizado virtualmente e organizado pelo LabCidade, da FAUUSP, e pelo Centro de Estudios de Conflicto y Cohesión Social (COES), do Chile.

Na abertura do Seminário, Raquel Rolnik, docente da FAUUSP e coordenadora do LabCidade, destacou a importância de se debater moradia de aluguel na América Latina. Segundo a professora, as políticas habitacionais no subcontinente sempre foram marcadas pela posse da propriedade, mas hoje observam-se mudanças nesse quadro. Ela argumenta que, no interior do complexo imobiliário financeiro, começam a aparecer investimentos em moradias de aluguel por um novo tipo de senhoril corporativo ligado a fundos de investimentos que usam uma forma diferente de gestão, por meio de plataformas digitais em parques habitacionais de aluguel.

A mesa 6, “Despejos, remoções e o aluguel temporário”, contou com a apresentação dos trabalhos de quatro pesquisas interrelacionadas a respeito do tema dos despejos e foi mediada por Talita Gonsales, do Labcidade. O evento durou cerca de duas horas e os pesquisadores ainda tiveram oportunidade para responder perguntas e debater com o público do Seminário, que contou quase 700 inscritos de 22 países.

O primeiro trabalho apresentado é realizado por Fernanda Jahn Verri, doutoranda na Universidade da Califórnia, e se intitula “O papel do Judiciário no mercado de aluguel no Brasil: como os despejos vem sendo validados e desafiados pelo Tribunal de Justiça em Porto Alegre”. A pesquisadora analisou o papel fundamental que as cortes desempenham nas violações do direito à moradia, o que ela chama de “remoções legalizadas”. Fernanda construiu um inventário de todas as ações de despejo, julgadas entre 2001 e 2008, em Porto Alegre. 

Com os mais de quatro mil acórdãos analisados, a pesquisa percebeu que a quantidade desse tipo de ação na Justiça cresce exponencialmente desde 2008, com a nova Lei do inquilinato. O resultado a que se chegou até então é que os locadores entram mais com ações de despejo, mas na primeira instância há mais decisões que beneficiam os locatários. Os locadores então recorrem à ação e são, na maioria das vezes, beneficiados pelas decisões em segunda instância. Jahn Verri ainda concluiu que em muitas dessas decisões não é citada nenhuma lei que justifique a decisão.

Pedro Mendonça, Débora Grama Ungaretti e Fernanda Accioly Moreira são os pesquisadores do LabCidade responsáveis pela segunda pesquisa apresentada na mesa: Dimensão socioterritorial da judicialização do aluguel em São Paulo. O Observatório de Remoções do LabCidade já acompanhava processos de despejos coletivos desde 2012 e, em 2016, decidiu-se desenvolver um robô para acompanhar os processos os despejos individuais. A tecnologia foi programada para fazer uma “raspagem”de textos de processos jurídicos relacionados a despejos na cidade de São Paulo entre 2013 e 2020.

Os pesquisadores concluíram que a maioria das decisões emitidas é favorável ao locador. Além disso, identificaram que a homologação de acordos (em geral realizados de forma não amigável) e sentenças procedentes têm menos caracteres que sentenças improcedentes, logo são mais complexas. Ainda, observou-se que quem é mais mais atingido pelos processos de despejo são as pessoas físicas e quem mais os promove são shoppings, condomínios, fundações e associações. Também se analisou que há focos de despejo com a expansão do mercado imobiliário a partir do lançamento de novos imóveis.

Já no trabalho “A ação de despejo por falta de pagamento de aluguel na Lei 8.245/91 e a pandemia de Covid-19”, a pesquisadora da UFPE Rávanny Landim busca construir uma cartilha para orientar pessoas sobre o que fazer em relação ao seu aluguel e a despejos que poderiam ocorrer com a pandemia. Ela investigou, em todos os tribunais estaduais brasileiros, como se procederam ações de despejo nesse período. 

Sancionada em junho, a Lei 14.010 apresenta a possibilidade de proibir o juiz de conceder liminar de despejo. O texto foi inicialmente vetado pelo presidente Bolsonaro, mas o Congresso derrubou o veto. Rávanny encontrou um registro apenas em Minas Gerais de um juiz que procedeu um despejo, mas com prazo maior. Nos outros estados, em geral, os despejos foram suspensos tendo por base a proposta do PL, que na época ainda tramitava. 

O último trabalho apresentado na mesa foi “Morar Seguro: Remoções forçadas e insegurança da posse na cidade do Rio de Janeiro”, de Luciana Ximenes (UFRJ). Ela defendeu que se vive em um momento de insegurança de posse, “não é apenas uma expansão do mercado, mas uma nova relação entre capital e espaço”. No Rio de Janeiro, ela analisa como a posse tornou-se mais restrita, em especial depois do boom imobiliário com as Olimpíadas de 2016. 

O Rio foi a cidade brasileira que mais recebeu investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) para urbanização de favelas e mais teve conjuntos habitacionais da faixa 1 construídos pelo Minha Casa, Minha Vida. A pesquisadora concluiu que esses programas, apesar de importantes, tem um caráter emergencial e transitório e que houve uma série de processos violentos de remoções forçadas. 

Esta mesa, que tratou de processos de judicialização e políticas públicas nos despejos, foi uma das 13 apresentas no “Moradia de Aluguel na América Latina”. Outras mesas do Seminário trataram da história da moradia, do aumento da moradia de aluguel nas favelas, de resistências e repressões, do papel do Estado, da emergência de um novo senhorio de aluguéis, dentre outros temas. “Despejos, remoções e o aluguel temporário” e todas as outras mesas podem ser assistidas na íntegra neste link

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