A compreensão dos primeiros anos de vida

Tese buscou identificar as mudanças pelas quais o conceito moderno de infância passou e quais foram suas alterações

Estudo examinou, com base no discurso pedagógico, imagens que se tem sobre o mundo infantil e quem dele faz parte: as crianças e os adultos com os quais elas se relacionam. Foto: Marcos Santos/USP Imagens.

Por Nara Siqueira – nara.siqueira@gmail.com

O que significa o conceito moderno de infância? Essa foi uma das perguntas que serviram como um empurrão para que Crislei Custódio decidisse ingressar no doutorado. Sua tese A Infância no Espelho da Pedagogia: mundo infantil, regimes de temporalidade e individualização no discurso pedagógico, defendida em julho de 2016, teve como objetivo examinar, com base no discurso pedagógico, as imagens que se tem sobre o mundo infantil e quem dele faz parte: as crianças e os adultos com os quais elas se relacionam.

“Antigamente, a relação que a sociedade tinha com suas crianças não era a de entendê-las como indivíduo”, afirma Crislei. E continua: “Dentro das famílias, era como se os pequenos compusessem uma noção de linhagem, tanto é que o nome próprio não tinha tanta relevância, não havia um vestuário muito específico, nem a distinção tão clara de um vocabulário infantil”.

É a partir do século 16 que as sociedades ocidentais começam a desenvolver uma ideia de infância. A imagem fortalecida é a de que esse período inicial da vida seria apenas uma fase transitória, um tempo passageiro de preparação para a vida adulta, a qual se constituiria como o estágio validado. Sob esse ponto de vista, a função social da criança é a de um ser inacabado.

“É importante pontuar que, no discurso da Pedagogia, não é a criança que se auto-representa. O que entendemos como infância é, em geral, um olhar do adulto sobre o que é isso, e esse olhar passa por um processo de mudanças e rupturas também, ou seja, se transformam ao longo do tempo”, destaca a pesquisadora.

E rupturas não faltam: ao mesmo tempo em que surgem debates e iniciativas com o propósito de garantir e defender os direitos básicos das crianças e dos adolescentes, esse público é inserido ao universo maduro mais cedo. As vestimentas são mais sexualizadas, temas como sexo, drogas e morte são abordados nos mais variados períodos do dia pelos veículos de comunicação, o desejo de consumo chega a ele prematuramente. Apoiada nessas transformações, Crislei propõe três categorias de análise da concepção de infância, às quais ela atribui os nomes de  quarentena, singularizada e ensimesmada.

Como todo sistema categórico, as definições não são exatas e imutáveis e tem suas limitações. O intuito da pesquisadora foi mostrar que há percepções diferentes acerca do que é a infância, e que a compreensão antiga talvez não atenda à realidade contemporânea. “O que chamo de quarentena aproxima-se muito do conceito moderno de infância que é entendê-la como o tempo e o lugar da falta para chegar ao ideal de adulto letrado”, declara Crislei. Olhando com essas lentes, o papel principal da escola é conferir à criança maestria de si, a capacidade de controlar suas emoções e impulsos.

Já na virada do século 19 para o 20, desponta um movimento de novos pedagogos que tentam estabelecer um rompimento dessa visão e seguem pelo caminho oposto: a meninez seria, então, como um paraíso perdido. Uma interpretação à luz rousseauniana do bom selvagem, de que o homem nasce livre e a sociedade é quem o corrompe. “É um período peculiar que reserva uma porção de qualidades como a inocência, a espontaneidade. Também tem o adulto como referência, mas, nesse caso, a falta está no adulto, o qual é a negação daquilo que a criança tem de bom”, complementa a pesquisadora.

Por fim, ela explica a chamada infância ensimesmada. É uma visão mais ponderada, que reconhece a importância desse período da vida, mas nega que seja um lugar-ideal-idílico. Nessa categoria, não se faz necessária a comparação com o mundo adulto: os mais novos são uma categoria social que se possui um significado em si mesma. Para os adeptos desse discurso, “a criança produz uma cultura específica que ainda é silenciada e tem uma visão totalmente válida ‒ nem melhor, nem pior, apenas diferente”. Aqui, o papel do professor seria o de mediador das atividades, e não mais o de artesão responsável por lapidar seu aluno e prepará-lo para o estágio posterior.

É válido ressaltar que as tais categorias coexistem, o início de uma não marca o fim da outra. São campos de disputa em que não há vencedores, apenas jogadores dispostos a defender seu time. Crislei acredita que as modificações são resultado de um processo de hiper individualização e de mudança de temporalidade. Portanto, suscetível e variável de acordo com os valores de uma determinada sociedade e a época na qual vive.

 

 

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*