Estudo investiga benefício do exercício físico em pacientes submetidos à cirurgia Bariátrica

Procedimento tem sido opção cada vez mais presente para obesos, mas há algumas complicações neste procedimento

Laboratório de Avaliação e Condicionamento em Reumatologia no Hospital das Clínicas. Fonte: http://reumatousp.med.br/imagens

Por Gabriel Campos – gcampos@gmail.com

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que existam aproximadamente 500 milhões de obesos no mundo. A obesidade, que é calculada pelo Índice de Massa Corporal (IMC), numa relação entre peso e estatura, tem se tornado uma preocupação cada vez maior, não só pelas complicações que ela traz para as pessoas, mas  também pela redução na expectativa de vida em aproximadamente 30%. Além disso, é importante ressaltar que a obesidade gera um alto custo para o sistema de saúde pública, que precisa arcar com o tratamento dessas pessoas. Com isso, profissionais da área buscam estratégias eficazes para minimizar os efeitos da obesidade.

Atualmente, a cirurgia bariátrica é considerada o melhor procedimento, a curto-médio prazo, para o tratamento de pacientes com obesidade extrema, popularmente chamada de obesidade mórbida. Capaz de reduzir em até 40% o peso do paciente, este procedimento cirúrgico ainda ajuda a melhorar o quadro de algumas comorbidades associadas ao elevado sobrepeso, como hipertensão, doenças cardiovasculares, diabetes e câncer. Vale lembrar, essas são as principais enfermidades tratadas pelo sistema público de saúde.

Contudo, esse procedimento não é exclusivamente benéfico. Além do longo tempo de espera para a realização da cirurgia, com uma fila de quase 6 anos, o que agrava o quadro desses pacientes, a perda expressiva de massa corporal não é exclusiva de gordura, sendo acompanhada por uma redução da estrutura e função de outros tecidos, entre eles o ósseo e o muscular. Nesse sentido, os alunos de doutorado Saulo Gil e Igor Murai, ambos formados em Educação Física, do Laboratório de Avaliação e Condicionamento em Reumatologia (Lacre) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em estudo ainda em andamento, investigam como essas consequências negativas podem ser atenuadas com o exercício físico realizado após a cirurgia. Saulo estuda o tecido muscular, enquanto Murai foca no tecido ósseo.

Em curto prazo, é inegável a importância da cirurgia: “Aparentemente, as pacientes consideram a cirurgia algo mais fácil. De modo geral, Eles apresentam hábitos alimentares ruins e, principalmente, comportamento sedentário desde a infância, para chegar a esse nível de obesidade. A gente tem paciente que operou com menos de 30 anos, considerando que só na fila já está em média seis, elas levam essa condição desde muito jovens”, explica Murai.

Saulo concorda e complementa: “As pacientes que chegam nesse nível já tentaram de tudo, todas as dietas possíveis, ir à academia, mas todas essas tentativas foram ineficientes. Temos pacientes com 196kg que têm dificuldade de mobilidade. Como vamos colocar uma pessoa assim para fazer exercício? A cirurgia é um passo importante, nesse caso”.

Contudo, em longo prazo, os resultados ainda não são tão otimistas, como continua Saulo Gil: “O pós-cirúrgico é bem agressivo, não é só reduzir uma parte do estômago, é algo que envolve uma mudança comportamental (psicológico e em relação a exercício e a ingestão alimentar). Uma pessoa que estava acostumada a comer tudo, agora mal pode comer uma colher de arroz. Além disso, é importante destacar que existem dados que mostram que em aproximadamente 4 anos, quase 70% dos pacientes reganham o peso perdido na cirurgia. Se o intuito era reduzir gasto de saúde pública e promover melhor qualidade de vida a estes pacientes, foi ineficiente”.

O período após a cirurgia, portanto, é aquele que tem se mostrado o mais difícil para os pacientes, e é nele que está o estudo dos dois pesquisadores. Três meses após a cirurgia, os pacientes são submetidos a uma nova bateria de exames e começam o período de treinamento físico, realizado no Lacre.

As evidências apontam que o treinamento atenua e interrompe as perdas dos tecidos ósseo e muscular após a cirurgia. “Nos primeiros achados, comparando os pacientes pós-operatório que fazem e os que não fazem exercício, podemos já perceber que os que fazem ficam mais próximo do que é uma pessoa saudável e fisicamente ativa. Quem não faz exercício apresenta melhora, mas não tão significativa”, comenta Saulo.

No tecido muscular, o paciente tem uma expressiva perda de força, que é proporcional à massa do músculo. Quando não há o treinamento físico, o tecido provavelmente ficará com a massa reduzida, similar ao observado no pós-operatório, o que traz algumas debilidades ao paciente, como diz o pesquisador: “Com aumento da massa muscular, melhora-se a funcionalidade do indivíduo em atividades cotidianas. Além disso, a força é uma variável que está relacionada à mortalidade: aumentar o nível de força é aumentar a expectativa de vida.”

O exercício físico é parte integrante do processo de cirurgia bariátrica. O peso estabiliza depois de um ano da operação, e nesse período é essencial o acompanhamento do comportamento, tanto nos hábitos alimentares, quanto no condicionamento físico. Assim como para o tecido muscular, o ósseo precisa desse complemento, pois, apesar de pessoas obesas possuírem o tecido mais fortalecido que pessoas magras, por sustentarem diariamente uma carga maior, precisam desse fortalecimento após a cirurgia. Como diz Murai: “Eles são ‘protegidos’ nessa questão biológica, tendo mais massa óssea do que uma pessoa saudável da mesma idade, mas as evidências apontam que após a cirurgia, como há uma queda de peso expressiva, há uma perda óssea relevante associada. O exercício físico é um estímulo já conhecido para manutenção do tecido e para promover ganhos no osso.”

Para esses profissionais, o maior desafio de todo o processo tem sido o período dos 6 meses em que os pacientes precisam de um comportamento exemplar para que a cirurgia seja efetiva. Segundo Saulo Gil, é difícil se comprometer com algo tão agressivo: “As nossas pacientes perdem peso, começam o período de treinamento mas continuam pensando na comida. É preciso ter a consciência que a cirurgia não é algo definitivo em que haverá a perda de peso e pronto, há uma etapa complicada depois para chegar a um patamar saudável. É por isso que um considerável número de pacientes dizem que, se pudessem voltar atrás, não teriam feito a cirurgia.”

Nos últimos 15 anos, o número de obesos mórbidos cresceu 5%, número absurdo para essa categoria, o que deixa cada vez mais evidente a importância de um procedimento como a cirurgia bariátrica, uma alternativa interessante para atender a uma população que sofre bastante com baixa auto-estima e qualidade de vida deteriorada. Mesmo que posteriormente seja um tratamento agressivo para esses pacientes, com a ajuda multidisciplinar de alguns profissionais, nos próximos anos a cirurgia pode vir a ser uma estratégia ainda mais segura e convidativa a essas pessoas. “Eu estudei esporte, mas hoje trabalho com saúde, justamente por entender que essas pessoas precisam da ajuda de pessoas de nossa área, a educação física. No esporte também, claro, mas é uma motivação diferente. Os pacientes não têm a quem recorrer. O exercício físico traz uma série de benefícios e sua importância, mais do que nunca, tem que ser enfatizada”, conclui Saulo Gil.

 

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