Estudo investiga uso de medicamentos para transtornos mentais

Em complemento a uma iniciativa da Organização Mundial de Saúde, pesquisadora analisa a presença desses remédios em São Paulo

Estudo avaliou um total de 2.942 participantes residentes na cidade de São Paulo e região metropolitana. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Por Gabriel Campos – gcampos@gmail.com

O uso de medicamentos chamados psicofármacos tem chamado a atenção de profissionais da área. A Organização Mundial de Saúde, buscando investigar os fatores associados a essa prevalência, iniciou um estudo em escala global sobre o assunto, o World Mental Health Survey(WHM Survey). No Brasil, o São Paulo Megacity Mental Health Survey (SPMHS) é o segmento dessa iniciativa, e é com base nele que a pesquisadora Angela Campanha, em tese de doutorado, dá continuidade à pesquisa sobre esses medicamentos.

A análise em escala global acrescenta às pesquisas brasileiras não só uma padronização do método, mas, também, traz a possibilidade de comparar os resultados com os de outros países, como França, Bélgica e Israel, o que lhes dá mais credibilidade, visto que são raros os estudos com essa abordagem no Brasil. Com foco na região metropolitana de São Paulo, Campanha procurou obter informações sobre o uso de algum medicamento com ação no Sistema Nervoso Central, receitado por um profissional da saúde. O paciente entende que usou esses remédios para o tratamento de “problemas com suas emoções, nervos, saúde mental, uso de álcool ou drogas, energia, concentração, sono ou capacidade de lidar com o estresse”.

Em função da maneira rigorosa como a pesquisa foi conduzida, as informações refletem a realidade das pessoas sobre o tratamento medicamentoso e psicoterápico dos transtornos psiquiátricos. “Gostaríamos de saber quantas pessoas na população sem doenças psiquiátricas usam medicamentos e se pessoas com diagnóstico de transtornos mentais estão recebendo tratamento psicoterápico ou com medicamentos”, diz Angela, que ressalta: “Os medicamentos para transtornos psiquiátricos podem oferecer benefícios ao indivíduo doente, ao mesmo tempo em que podem causar risco à saúde quando utilizados de maneira inadequada.”

O estudo avaliou um total de 2.942 participantes residentes na cidade de São Paulo e região metropolitana, composta por 38 municípios, com uma entrevista completa sobre farmacoepidemiologia, se usou algum medicamento, quantos medicamentos usou, quais os nomes, a dosagem, por quanto tempo usou, entre outros dados. Foi analisado o uso destes medicamentos tanto na população sem diagnóstico de transtorno psiquiátrico, quanto entre pessoas que preencheram critérios diagnósticos para as categorias de transtorno de ansiedade, humor, transtornos por uso de substâncias e de controle dos impulsos. Considerou-se também a influência das características sociodemográficas na pesquisa, como gênero, idade, anos de escolaridade, estado civil, ocupação e nível de renda.

Os resultados demonstraram que 6,13% da amostra estudada, em pessoas sem e com diagnóstico de transtorno psiquiátrico, relatou o uso de pelo menos um medicamento (entre antidepressivos, antipsicóticos, estabilizadores do humor, hipnóticos e sedativos) no período de um ano anterior à entrevista, prevalência que apresenta semelhança com os números obtidos nos levantamentos de França e Israel.

Para o uso dos chamados psicofármacos entre os sujeitos da amostra que se enquadraram em algum diagnóstico para transtorno mental, os resultados demonstraram uma baixa taxa de consumo (inferior a 15%). Entre os entrevistados que preencheram critérios para diagnóstico de transtorno bipolar, cerca de um terço (33,62%) utiliza medicamentos e entre aqueles com diagnóstico de transtorno depressivo maior, menos de um quarto (23,44%). Aproximadamente 10% dos sujeitos com transtorno por influência de substâncias disseram usar algum remédio.

Quando analisados sujeitos com mais de um transtorno, cerca de 40% relataram uso de medicamentos no ano anterior a entrevista. Considerando a gravidade dos transtornos, menos de um quarto dos entrevistados com transtornos considerados graves (23,77%) relatou receber tratamento farmacológico. “Estes achados demonstram que muitas pessoas com algum diagnóstico de transtornos considerados graves e com dois ou mais transtornos não receberam esse tipo de tratamento”, comenta Campanha.

Outro resultado importante nesta pesquisa foi a utilização de psicofármacos entre pessoas que não possuem diagnóstico desses transtornos, que chega a quase 3%. “Devemos nos preocupar tanto com as pessoas que de fato necessitam de medicamentos quanto com os casos de uso desnecessário.”

O estudo demonstra que muitas das pessoas portadoras de algum transtorno mental não está sob tratamento farmacológico, ou ainda, que boa parte delas está sendo tratada de maneira inadequada. “Os medicamentos devem ser prescritos de maneira apropriada às condições clínicas do paciente, em doses que satisfaçam sua necessidade, por um período adequado, a um menor custo possível para ele e para a comunidade. Deve-se evitar e combater uso inapropriado dos medicamentos que estão acessíveis ou disponíveis”, ressalta a pesquisadora.

Os dados obtidos preocupam a comunidade científica. Cada vez mais frequentes, os remédios estão mais acessíveis à população, que muitas vezes vê neles uma alternativa às tensões da vida cotidiana, apesar dessas condições não justificarem uma intervenção médica. O uso indiscriminado e irresponsável de medicamentos pode ser extremamente prejudicial à população, como conclui Angela: “Aumentar o consumo de medicamento não significa, necessariamente, melhores condições de saúde ou qualidade de vida. O medicamento deve ser visto como um recurso importante na promoção da saúde da população.”

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