Pesquisa pioneira no Brasil estuda empresas éticas no varejo de moda

Poucas empresas brasileiras se encaixam na definição

Foto: Reprodução (br.fashionnetwork.com)

Por Beatriz Arruda – beatriz.arruda12@gmail.com

Estudo da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP volta-se para os problemas de ética nas relações de trabalho no setor de moda e vestuário. Ao invés de focar nas empresas que foram flagradas utilizando trabalho análogo à escravidão ou condições precárias de trabalho, foram analisadas as marcas do varejo consideradas éticas.

De acordo com o estudo, o varejo ético, um conceito novo na literatura especializada, compreende as empresas que, além de cumprir as leis, tentam construir um relacionamento duradouro com seus fornecedores. Os varejistas éticos não possuem uma relação de troca puramente via preço, comprando somente daqueles que oferecem o preço mais baixo. Pelo contrário, se preocupam em qualificar o fornecedor e contribuem, de alguma forma, com as comunidades nas quais atuam, investindo, por exemplo, em capacitação. “Se as empresas só cumprissem as leis, já seria interessante. Mas existem cada vez mais empresas interessadas em tornar a sociedade melhor”, afirma a pesquisadora Livia Tiemi Bastos Rudolph.

Pela ótica da economia institucional, a situação atual do varejo de moda e vestuário, com constante escândalos envolvendo as condições de trabalho, podem ser explicadas pela falta de enforcement – quando as leis não estão sendo cumpridas e não existe um ambiente institucional que incentive o cumprimento delas.

Por isso, também foram estudados o aparato institucional e o modo como as organizações públicas se relacionam com as iniciativas privadas para garantir que a lei seja cumprida. Para isso, foi analisado um caso de sucesso brasileiro, a “Lista Suja”, nome popular do cadastro de empregadores que foram flagrados com mão de obra escrava e multados. Uma iniciativa única no mundo e muito importante por divulgar à sociedade brasileira as marcas em situação irregular.

No entanto, a lista está sendo prejudicada com as mudanças de diretrizes no governo, que desde janeiro tem implantado medidas que visam aperfeiçoar os mecanismos de inclusão à lista mas acabaram impedindo sua a publicação. Mesmo com as dificuldades que o Ministério do Trabalho está enfrentando, inclusive por parte de organizações empresariais que contestam a lista, a sociedade está fazendo a parte dela através da ação da ong Repórter Brasil, do Instituto Ethos, do Instituto Pacto para Erradicação do Trabalho Escravo e da Organização Internacional do Trabalho, que estão divulgando a Lista de Transparência do Trabalho Escravo. Esta informa, através de uma proxy (resultado aproximado), quem foi flagrado nos últimos dois anos. “Este é um caso clássico da sociedade suprindo uma falta quando o governo está com dificuldade em fazer a parte dele”, ressalta Lívia.

Mudanças necessárias

Como empresas envolvidas em escândalos em geral não estão abertas a pesquisas em assuntos polêmicos, Lívia voltou-se para as empresas pioneiras que estão se esforçando para mudar o paradigma atual. Como o tema ainda é incipiente no Brasil, a pesquisadora teve dificuldade em encontrar uma amostra para seus estudos de caso. Por isso, estudou 15 empresas estrangeiras, principalmente da França e Inglaterra.

Das 15 empresas estudadas, 8 foram fundadas por pessoas que não tinham nenhuma experiência na moda, mas que estavam cansadas do paradigma do fast fashion e queriam oferecer algo diferente. Apesar da pesquisa focar no âmbito social e das relações de trabalho das empresas que se consideram “éticas”, a maioria dessas empresas que se preocupam com fornecimento ético também produzem produtos vegan ou contribuem para o meio ambiente, não gerando tantos resíduos.

Ações necessárias para uma empresa se tornar ética. Imagem: Livia Tiemi Bastos Rudolph

O estudo propõe que para uma empresa passar de condições precárias de trabalho para condições de trabalho socialmente responsáveis é preciso acontecer mudanças institucionais, quando práticas de responsabilidade social vão ser progressivamente inseridas na realidade da empresa. As iniciativas de fornecimento e curadoria socialmente responsável, que são essas práticas que visam uma relação mais socialmente responsável com seus fornecedores e nos critérios de escolha dos produtos que vão ser expostos na loja, são os mais fáceis de mudar. Em seguida, há o engajamento da sociedade, por meio de atividades de capacitação e interação com as comunidades e também o apoio das ongs, dos consumidores e dos órgãos governamentais, como o Ministério Público. Por fim, o mais difícil e demorado de mudar, que são os mecanismos públicos e privados de enforcement, aqueles que permitem que a lei e regras sociais sejam cumpridas.

Segundo a pesquisadora, a maior contribuição de sua tese é ampliar a conscientização sobre o tema e levar a discussão adiante, pois existe uma assimetria da informação, ou seja, a informação não é divulgada de forma igual tanto entre os órgãos governamentais como pelos consumidores e a sociedade como um todo. Na hora da compra, é muito difícil saber se a marca já foi flagrada e, caso tenha sido, se tomou medidas para reduzir e erradicar a escravidão na sua cadeia produtiva. “Minha tese fala sobre isso: conscientização. Eu estudei alguns caminhos para consumidores e empresas terem acesso à informação”.

 

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