Aumento no número de refugiados impulsiona políticas públicas de reintegração social

Em 2016 Brasil abrigou mais de 8 mil refugiados

Por Amanda Panteri (amanda.panteri@gmail.com); Carla Camila Garcia (carla.camilag@gmail.com); Carolina Marins (carolinamarinsd@gmail.com), Catarina Ferreira (catarina.ferreirasilvs@gmail.com) e Regina Santana (regina.depsan@hotmail.com)

“O aumento dos conflitos na Síria e em vários países africanos fez com que muitos refugiados viessem ao Brasil e a atenção da sociedade civil se voltasse muito mais para o fenômeno do refúgio”. Essa afirmação é da mestranda Natália Lima de Araújo, que analisa movimentos sociais internacionais e é integrante do grupo de extensão universitária Educar para o Mundo, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI/USP).

Como afirma Araújo, a questão do refúgio vem adquirindo cada vez mais espaço entre as notícias atuais. Isso se dá principalmente por conta de um expressivo aumento no número de solicitações de refúgio que o país tem recebido nos últimos anos. Segundo dados do Conare (Comitê Nacional para Refugiados), o Brasil recebeu 28.670 solicitações de refúgio em 2015. Esse número representa um aumento de 2.868% em relação ao ano de 2010.

Hoje, o país abriga cerca de 8.863 refugiados reconhecidos, pertencentes a 79 nacionalidades distintas. Entre os anos de 2010 e 2016 houve um aumento de 127% na população de refugiados. A faixa etária entre 18 e 29 anos representa 42,6% dos refugiados registrados, seguidos por 32,6% que pertencem a faixa etária entre 30 e 59 anos.

Síria, Angola, Colômbia, República Democrática do Congo e Palestina são os cinco países que reúnem maior número de refugiados registrados no Brasil. Já entre as cinco nacionalidades com maior número de solicitações de refúgio estão haitianos, senegaleses, sírios, bengaleses e nigerianos.

Legislação do refúgio

A legislação que regula a situação dos refugiados no Brasil é pautada pelo direito internacional. A Lei número 9.474/1997 define estruturas e mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados nas instâncias legais do país. O Estatuto foi redigido a partir de uma assembleia convocada em Genebra pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1951.

Com a participação de representantes dos países membros da ONU, uma série de cláusulas foram estabelecidas para fixar instrumentos legais, em nível internacional, que regulamentassem a situação de refúgio. A Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados foi aprovada em julho de 1951 e entrou em vigor em abril de 1954.

Além de definir instrumentos internacionais de atendimento a refugiados, a Convenção de 1951 estabelece três diferentes tipos de cláusulas para a definição daqueles que podem solicitar refúgio. Cláusulas de inclusão, que reúnem critérios para que a pessoa possa ser considerada refugiada, cláusulas de cessação, condições nas quais o indivíduo perde o direito à condição de refugiado e, cláusulas de exclusão, nas quais apesar de satisfazer os critérios das cláusulas de inclusão, a pessoa não é beneficiada pelo Estatuto do Refugiado.

A definição de refugiado está descrita no artigo 1° da Convenção de 1951, que consiste nas seguintes características: “Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:

I – devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se proteção de tal país;

II – não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;

III – devido à grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

Essa conceituação é muito importante, uma vez que o termo “refugiado” é muitas vezes confundido com “imigrante”. Apesar de designarem pessoas que residem fora de seu país de origem, os imigrantes possuem outras motivações, que não as citadas acima, para deixar os lugares em que viviam. O Estatuto do Estrangeiro, criado em 1980, define legalmente o termo e, segundo Araújo, traz uma “visão securitária de que as pessoas de fora são uma ameaça ao país”, enquanto rege os direitos e deveres de quem se encaixa no grupo.

Ainda de acordo com a pesquisadora, “essas diferenças de legislação causam problemas entre imigrantes e refugiados, porque estes têm direito imediato à carteira de trabalho, por exemplo, enquanto aqueles não”. A distinção causaria, por exemplo, uma grande quantidade de pedidos de refúgio por imigrantes em busca de melhores condições econômicas, em vista da maior rapidez da emissão dos documentos.

Vulnerabilidade e preconceito

A xenofobia é um problema que todo imigrante, seja ele refugiado ou não, precisa enfrentar. Porém, Natalie Araújo lembra que esse preconceito geralmente vem associado com outros, como os preconceitos de classe e raça. O preconceito de classe vem principalmente da chamada “imigração seletiva”. O estrangeiro já qualificado, que vem trabalhar em uma empresa específica é muito mais bem quisto que o refugiado que vem tentar a sorte no Brasil, afirma Araújo. “O artigo 16 do Estatuto do Estrangeiro endossa essa visão ao afirmar que a imigração tem como objetivo propiciar mão-de-obra especializada para a economia nacional”.

Em geral, o perfil do refugiado que chega no Brasil é o daquele com formação superior em seu país. Porém, por causa das adversidades, aceita trabalhar em outras áreas, às vezes naquelas que não exigem qualificação superior. É essa fuga do perfil ideal de imigrante que causa o preconceito social contra os refugiados.

O racismo ficou mais evidente depois da chegada de refugiados haitianos e africanos. Embora já existisse uma certa aversão ao estrangeiro latino-americano, foi após a chegado desses refugiados que surgiu o discurso da “invasão estrangeira”. “Com a chegada de imigrantese refugiados haitianos e de diversos países da África, negros em sua maioria, o lado racista da xenofobia ficou ainda mais explícito, com a grande mídia empregando o discurso da “invasão estrangeira” ao país e temperando esse preconceito com outros, como a ideia de que os africanos estariam trazendo doenças, como o Ebola, o que se provou totalmente infundado”, explica Araújo. O discurso de que estrangeiros estariam roubando emprego dos brasileiros e sobrecarregando os serviços de saúde se acentuou após a crise de refugiados no mundo, algo que não é tão comum contra estrangeiros europeus ou norte-americanos.

A vulnerabilidade ainda é mais acentuada quando se trata de grupos minoritários, como mulheres, negros e LGBTs. Elayne Sartori, graduada em relações internacionais e em serviço social, pontua que, no caso de refugiadas mulheres, às vezes é o histórico de violência e vulnerabilidade social que as faz buscar o refúgio em outros países e não os conflitos civis ou catástrofes naturais. “A maior parte delas é casada e vem com o marido ou somente com os filhos menores. Elas buscam se estabelecer rapidamente para poder trazer os demais filhos que ficaram aos cuidados de parentes. Alguns dos maridos são comerciantes ou já tem ocupação, por isso não arriscam mudar de país junto com a esposa em um primeiro momento”, explica.

Órgãos de atendimento a refugiados

Em âmbito internacional, o Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) é o principal órgão de regulamentação da situação do refúgio. Sua função é coordenar ações que possam proteger e garantir o deslocamento e a alocação de refugiados. O Acnur está em atividade desde 1950 e estabelece parcerias com diversas organizações ao redor do mundo para que sua ação possa ser efetivada.

Já em âmbito nacional, Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) é o órgão responsável por receber e aprovar as solicitações de refúgio. Ao Comitê cabe também a promoção das ações necessárias à assistência dos refugiados no país e articulação com orçamentos vindos do Acnur. O Conare é um órgão composto por membros representantes dos Ministérios da Justiça, Trabalho, Saúde, Educação, Relações Exteriores, Esporte e também pelo Departamento da Polícia Federal.

Outro órgão que presta atendimento a refugiados no Brasil é a unidade da Rede Cáritas Internacional. A Cáritas é uma entidade vinculada à Igreja Católica que presta atendimento na promoção de serviços sociais e atua em parceria ao Acnur. A organização foi fundada em 1956 e tem presença em 165 países diferentes. No Brasil, a Cáritas conta com 176 entidades-membro espalhadas pelas cinco regiões do país.

Reintegração e serviço social

No Brasil, os refugiados e solicitantes de refúgio são contemplados pelas mesmas leis e programas sociais que os nascidos no país. Portando apenas um CPF (Cadastro de Pessoa Física), que é concedido mesmo antes do status de refugiado ter sido aprovado, esse perfil de imigrante pode realizar o Cadastro Único nas secretarias municipais de assistência social ou nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e, por meio dele, ter acesso aos programas sociais existentes.

De acordo com Sartori, “somente nos últimos anos é que a o serviço social vem verificando a necessidade de intervenção especificamente com essa população [de refugiados], percebendo sua vulnerabilidade social. Talvez isso ocorra até pela quantidade de pessoas que tem se deslocado e pela maneira como fazem esse deslocamento e se estabelecem no Brasil”.

Ainda que localmente o refugiado tenha acesso aos programas sociais e à saúde gratuita, que segundo a legislação brasileira é universal, há a necessidade de um aprimoramento dos aparatos legais voltados especificamente à esta população. No campo da Previdência Social, por exemplo, não existem acordos internacionais com muitos países de origem para que os registros de trabalhos anteriores de imigrantes sejam considerados válidos no cálculo da aposentadoria. A falta de capacitação de alguns dos profissionais que lidam com pessoas em situação de refúgio também é um complicador na sua reintegração e a impossibilidade de se comunicar em outros idiomas dificulta a comunicação, o que pode gerar situações em que eles se sintam constrangidos ou discriminados.

Sartori destaca que “outra questão que dificulta o atendimento do refugiado é a falta de conhecimento sobre seus próprios direitos estando no Brasil, gerando equivocadamente uma postura de inferioridade e subserviência da qual se aproveitam alguns profissionais e instituições que ainda trabalham com a perspectiva do assistencialismo e caridade”.

Inserção no mercado de trabalho

Um aspecto importante para garantir a integração do refugiado em seu novo país de residência é a inserção no mercado de trabalho. Este é um ângulo complexo e que envolve preconceito e desconhecimento. Durante pesquisa qualitativa realizada no Eixo Trabalho da Missão Paz, uma organização filantrópica de apoio e acolhimento a imigrantes e refugiados em São Paulo, Sartori constatou as dificuldades enfrentadas por essa população. Segundo ela, “o brasileiro médio ainda acredita que o estrangeiro que não é europeu ou norte-americano é inferior e não agrega positivamente ao país para o qual se desloca. Na pesquisa, foi possível ver que alguns empregadores que participam da primeira palestra no Eixo Trabalho (obrigatória para realizar qualquer contratação na Missão Paz) possuem uma posição de superioridade em relação aos estrangeiros que procuram atendimento na organização, ficam surpresos ao saber que muitos possuem educação superior e, às vezes, tratam o refugiado não como alguém que venderá sua força de trabalho em troca de um salário, mas como alguém que estivesse aceitando qualquer colocação, que precisa ser ajudado”.

A xenofobia muitas vezes se coloca como uma barreira quase intransponível para aqueles que buscam refúgio no Brasil. “Assim como o racismo, a xenofobia no Brasil é velada. Quando falamos de refugiados muitos afirmam ter compaixão, dizem ser solidários e que entendem que eles estão aqui para poder sobreviver a guerras e outras atrocidades pelas quais passaram. Mas, no dia a dia, quando se vê a relação de alguns brasileiros com essa população, fica claro que o fato de serem refugiados pode ser usado como mais um fator negativo nas relações sociais e de trabalho”. Sartori mencionou ainda a existência de refugiados que conseguem emprego, mas não são aceitos pelos demais funcionários da empresa, sendo excluídos e virando alvos de provocações, trapaças e brigas. “Certa vez, uma assistente social da organização compartilhou comigo o caso de uma panificadora onde os empregados brasileiros afirmaram que iam parar o trabalho caso o estrangeiro que havia sido contratado não fosse demitido, tendo ela que mediar o conflito e realizar algumas atividades em grupo para integração”.

Rede de apoio

A Cáritas Arquidiocesana de São Paulo (Casp), junto com a Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo e o Acnur, dirige o Centro de Acolhida para Refugiados (CAR). O lugar é buscado pelos solicitantes de refúgio e por refugiados que chegam à capital
paulista. Alguns projetos da Casp são realizados em parceria com instituições da sociedade civil. Entre elas, o Senac, responsável pelo curso de língua portuguesa para refugiados, e o
Sesc, que trabalha com essa população na área da alimentação e atenção em saúde bucal. Oferecer serviços de saúde, bem-estar e convívio social é dever do Estado, mas a participação da iniciativa privada, geralmente nos âmbitos da filantropia, ajuda na democratização do acesso e aumento na quantidade de vagas ofertadas pelos serviços.

Outras instituições que trabalham com a questão dos refugiados no Brasil:

Adus – Instituto de Reintegração do Refugiado
São Paulo/SP –Tel: (11) 3225-0439 / (11) 94744-2879
E-mail: adus@adus.org.br / facebook.com/adusbrasil
Site: www.adus.org.br

Associação Antonio Vieira – ASAV
Porto Alegre/RS – Tel: (51) 3254-0140
E-mail: refugiados9474@yahoo.com.br

Associação Oasis Solidário
São Paulo/SP – (11) 2692-5900
E-mail: contato@oasis-solidario.com.br
Site: www.oasis-solidario.com.br

Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro – Tel: (21) 2567-4177
E-mail: carj.refugiados@caritas-rj.org.br

Cáritas Arquidiocesana de São Paulo
São Paulo – Tel: (11) 3105 4023 – (11) 3115 2674
E-mail: caritassp@caritassp.org.br/ caritasarqsp@uol.com.br
Site: www.caritassp.org.br

Centro de Defesa de Direitos Humanos
Guarulhos/SP – Tel: (11)3435-5295
E-mail: cddh.guarulhos@gmail.com

Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH)
Brasília/DF – Tel: (61) 3447-8043/ (61)3340-2689
E-mail: imdh@migrante.org.br/ imdh.diretoria@migrante.org.br

 

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