Poluição: uma investigação sobre a capital paulista

Rio Tietê na região de Pirapora do Bom Jesus, onde a qualidade da água é classificada como “péssima”. Foto: Hélio Suenaga/Futura Press/Estadão Conteúdo

Por Fernanda Giacomassi (fegiacomassi@gmail.com); Nara Siqueira (nara.siqueira@gmail.com); Natália Belizario (nabelizarios@gmail.com); Giuliana Viggiano (viggiano.giuliana@gmail.com) e Vinícius Sayão (vasayao@gmail.com)

As poluições sonora, visual, hídrica e atmosférica influenciam o dia a dia, a saúde, o bem estar e a convivência em sociedade. Apesar da mudança neste cenário parecer muitas vezes distante, visto que é comum ouvirmos das autoridades que “não tem jeito”, o indivíduo tem papel fundamental na promoção de melhorias, uma vez que suas atitudes influenciam diretamente a natureza. Em São Paulo, a poluição atmosférica, causa de diversos problemas de saúde, ultrapassou duas vezes o limite estabelecido pela OMS. A cidade é integralmente poluída: além do problema atmosférico, São Paulo enfrenta adversidades e problemas de saúde pública por conta das poluições hídrica, visual e sonora.

Em “Man”, curta-metragem dirigido por Steve Cutts, vemos um retrato da relação da humanidade com o restante do planeta. As diversas atrocidades evidenciadas pela animação acontecem de forma natural, já que são partes do nosso “sistema” de vida. Apesar de o vídeo mostrar um retrato extenso desta relação, podemos observar como os processos de poluição ocorrem naturalmente e sem escrúpulos na sociedade do consumo desenfreado.

Mas afinal, o que podemos considerar como poluição?

No Brasil, a primeira legislação acerca da poluição do ar foi promulgada em 1975. Como desdobramento dela, a Lei nº 6.938/1981, de 31 de agosto de 1981 implantou termos para definir o que, de fato, é poluição. Segundo o documento, a poluição é definida por um conjunto de fatores que interferem na vida humana e em suas atividades. Ainda de acordo com a Lei, o poluidor, portanto sujeito passível de punição caso infrinja algum dos incisos, pode ser tanto pessoa física quanto jurídica (empresas).

Legenda: Lei nº 6.938/1981. Arte: Natália Belizario

Para Paulo Saldiva, médico patologista, professor da Faculdade de Medicina e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA), a poluição é um fenômeno exclusivamente antropogênico, derivado da ação do indivíduo na natureza. Segundo o especialista, os fenômenos naturais que, de certa forma, também liberam substâncias tóxicas – como a erupção de um vulcão – não podem ser comparados com as intervenções humanas.

Poluição atmosférica

A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou, em 2005, um documento que disponibiliza parâmetros sobre a qualidade do ar. As diretrizes se aplicam em todo o mundo e são baseadas na avaliação de evidências científicas sobre os níveis de materiais particulados (PM), ozônio (O3), dióxido de nitrogênio (NO2) e dióxido de enxofre (SO2) na atmosfera. Segundo a instituição, a matéria particulada, formada principalmente por sulfato de sódio, nitratos, amônia, cloreto de sódio, carbono preto, pó mineral e água, afeta mais pessoas que qualquer outro poluente, pois consiste em uma mistura complexa de partículas sólidas e líquidas de substâncias orgânicas e inorgânicas, suspendidas no ar.

Paulo Saldiva salientou o quão nocivas essas partículas são para a saúde pública da cidade através de comparações com o tabaco: “Se São Paulo, que hoje tem 25 microgramas por metro cúbico de partículas finas virasse Curitiba, que tem 14, a média da expectativa de vida em São Paulo aumentaria em 3 anos e meio.” Caso um indivíduo pare de fumar, sua expectativa de vida pode crescer até 7 anos. Entretanto, embora nem todos os cidadãos de São Paulo sejam fumantes, todos estão expostos a poluição atmosférica diariamente. Segundo o especialista, uma política pública voltada para a melhoria do transporte em São Paulo seria mais eficiente para o aumento da expectativa de vida do que banir o consumo do tabaco.

Ainda que a situação da capital paulista hoje pareça das piores, o ar já foi mais poluído: “São Paulo era mais suja no final dos anos 70 do que hoje. Isso no ponto de vista de concentração.” A concentração depende, segundo Saldiva, do tempo de exposição às “porcarias” suspensas na atmosfera. Além da redução da emissão de poluentes por conta de modernização dos veículos, a redução da velocidade implantada em 2015 tem chances de gerar bons resultados para o ar paulistano.

Professor e pesquisador Paulo Saldiva. Foto: Fernanda Giacomassi

Saldiva ressaltou que ainda não existem estudos em relação aos impactos da redução da velocidade nessa área, mas explicou o porquê das chances de bons resultados através do que chamou de “paradoxo da velocidade”. Segundo o pesquisador, quanto mais veloz o trânsito, maior é a distância que os veículos tomam para evitar colisões e, consequentemente, cabem menos carros na via. Quando há a diminuição de velocidade, o fluxo médio de veículos aumenta, diminuindo os congestionamentos. Além disso, o consumo de combustível é menor: “Todo mundo que anda devagar percebe que gasta menos combustível: menos combustível significa menos poluição.”

Poluição hídrica

A poluição da água ocorre quando há a adição de substâncias, matérias ou formas de energia que podem causar alterações na em suas propriedades físico-químicas. A existência de rios poluídos dentro de uma cidade afeta a vida da população de diversas formas.

Algumas doenças como amebíase, giardíase e cólera são de veiculação hídrica. A água contaminada também pode transmitir leptospirose (contato da pele com água contaminada por urina de ratos) e esquistossomose (contato da pele com água contaminada por larvas produzidas pelo caracol). Além disso, pode ser o local de desenvolvimento de vetores de diversas enfermidades.

Os malefícios da existência de um rio extremamente poluído em uma cidade não se restringem apenas ao contato direto. A poluição hídrica se relaciona também com outras poluições, como quando o rio possui aspecto visualmente ruim ou exala mau odor, o que pode, inclusive, causar danos à saúde: “Pessoas que habitam regiões muito próximas ao rio podem desenvolver dores de cabeça e enjoos pela exposição ao gás sulfídrico, principal responsável pelo mau odor”, explica Davi Gasparini, professor e pesquisador do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP). O mau odor e o visual ruim podem, ainda, impactar economicamente a região, causando a desvalorização de imóveis residenciais e comerciais.

Em 2014 e 2015, a cidade de São Paulo passou por uma intensa crise hídrica. Na ocasião, os rios poluídos que atravessam a cidade não puderam ser usados para contornar o problema. Gasparini explica que a poluição dos rios faz com que eles deixem de desempenhar serviços ecossistêmicos (benefícios diretos e indiretos que podemos obter de um ecossistema caso ele apresente uma condição adequada) e isso representa um grande prejuízo à população. “Os municípios devem enxergar a recuperação da qualidade da água dos rios como uma oportunidade para agregar diferentes usos à água e trazer benefícios à população”, completa o professor.

Como forma de driblar a crise, o governo utilizou o volume morto das represas para o abastecimento da cidade. A qualidade dessa água em forma bruta é pior do que a de outras camadas de água, pois está mais próxima aos sedimentos do fundo. Portanto, para deixá-la potável e apta para o consumo, são necessários mais gastos do que no tratamento das outras camadas. Enquanto isso os rios da cidade, que poderiam ser usados, estavam ‒ e estão – inutilizados pela poluição.

Para solucionar o problema dos rios poluídos, Gasparini explica que deve haver “uma associação sinérgica de diferentes iniciativas”. Entre elas estão a importância de investimentos para aumentar os níveis de coleta e tratamento de esgotos domésticos e industriais, que quando despejados na água contribuem significativamente para a degradação do rio, além da utilização de técnicas de remediação em trechos mais afetados, como, por exemplo, membranas de micro, ultra e nanofiltração e a flotação em fluxo. São medidas de curto prazo, mas que contribuem para a saúde da água ao longo prazo.

Poluição sonora

Qualquer ruído que prejudique a saúde física ou mental das pessoas é considerado como poluição sonora. Segundo a OMS, qualquer som que ultrapasse 50 decibéis (dB) já pode ser considerado nocivo para a saúde. Entretanto os problemas mais graves começam a partir dos 70 dB, sendo 80 dB o limite.

Segundo o espanhol Juan Frias, especialista em acústica pela Universidade Politécnica de Madrid, que hoje vive em São Paulo, os efeitos prejudiciais da poluição sonora ocorrem nas atividades diárias. Isso porque, durante o dia, ruídos em excesso prejudicam a execução de tarefas e até mesmo a comunicação, gerando ansiedade e estresse. Já no período noturno, o barulho pode acarretar consequências muito mais graves: “Está comprovado que se a exposição [aos ruídos] é contínua, cresce o risco de sofrer doenças como diabetes, infarto de miocárdio ou hipertensão arterial”, afirma Frias.

Para o especialista, além de faltarem projetos e estudos sobre a poluição sonora no Brasil, também é preciso investir mais em fiscalização: “Uma cidade como Valencia. na Espanha, que possui apenas 1 milhão de habitantes tem mais de 100 fiscais de ruído operativos, muito mais que São Paulo, que é mais de dez vezes maior”, enfatiza o espanhol.

Frias conta que hoje a única medida tomada pelo governo quando o assunto é poluição sonora é multar. Entretanto, isso não é o suficiente, já que o número de pessoas afetadas pelos ruídos de empresas ou casas noturnas é muito pequeno em relação àquelas afetadas pelo ruído do tráfego, por exemplo. “A diferença é que o dono de um estabelecimento tem um CNPJ, enquanto o tráfego é responsabilidade do poder público, que é uma entidade abstrata”, afirma o especialista.

Juan Frias também contou que hoje não é possível saber se os problemas com a poluição sonora cresceram ou diminuíram: “Não temos como medir isso [os problemas] objetivamente, porque, para isso, deveríamos desenvolver um mapa de ruídos e a cada cinco anos revisá-lo para fazer as comparações”.

Poluição visual

A percepção que se tem de determinado espaço urbano é baseada nas suas características físicas e nos seus usos ‒ por isso, criam-se os estereótipos das cidades que contemplam os hábitos nela reunidos. Quando se pensa em São Paulo, provavelmente a imagem é de um lugar cheio de prédios, muito povoado, com trânsito caótico e visualmente poluído.

Como tentativa de transformar essa concepção, em 2006, na gestão do prefeito Gilberto Kassab, foi aprovada a Lei nº 14233, a qual ficou conhecida popularmente como a Lei Cidade Limpa. A proposta era reorganizar o espaço urbano e contribuir para um melhor projeto de anúncios espalhados pela capital paulista, além de ampliar a fluidez e o conforto no deslocamento do cidadão que vive nela.

O regulamento definiu medidas padrão para as propagandas de acordo com o tamanho do imóvel, bem como proibiu publicidade em áreas públicas externas. Ficou vetada também a distribuição de panfletos e a colocação de objetos, como cavaletes, nas calçadas.

Para alguns especialistas, as novas normas, no entanto, não são a solução do problema visual. Juliana Amaral, mestre em arquitetura e design pela Universidade de São Paulo, afirma: “É muito fácil aplicar uma lei dessas e não parar para analisar o uso dos lugares. Ela se encaixa em um bairro residencial, por exemplo, em que você tem uma padaria e o cara quer colocar uma bandeira em cima do calçamento. Mas em uma rua comercial, como a 25 de Março, não faz sentido.” Uma explicação possível para esse cenário, segundo Amaral, é a falta de planejamento das cidades brasileiras.

Rua 25 de Março em São Paulo. Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas

Além disso, Juliana explica que, entre os especialistas, não há consenso sobre o que é ou deixa de ser poluição visual. Logo, a regulamentação é falha ao limitar-se somente à publicidade. Outro fator que caracteriza a subjetividade do termo “poluição visual” está relacionado à dinâmica da paisagem urbana que, por ser complexa, dificulta a criação de parâmetros para identificar níveis de saturação visual.

Apesar da falta de definição, os efeitos da poluição visual são sentidos pela população paulistana. Karina Bedran, mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara, de Belo Horizonte, afirmou que esse tipo de poluição pode ter efeitos nocivos à saúde. Além do desconforto visual e do estresse, que podem levar à depressão, Karina apontou outro desdobramento do excesso de propagandas: “Um dano que merece ser citado é o prejuízo à visibilidade da sinalização e à segurança no trânsito, uma vez que a propaganda e a publicidade em excesso podem acabar desviando a atenção de motoristas e pedestres.” Uma cidade limpa, também em termos visuais, proporcionaria melhorias na saúde pública e no bem-estar da população.

Poluição da Avenida 23 de Maio no ano de 2004. Foto: Antônio Milena/Agência Brasil

Pesquisa feita pelo Datafolha em maio deste ano mostrou que 68% da população paulistana aprovam a Lei Cidade Limpa. Questionada sobre o porquê deste número não ser mais alto, a especialista conclui que muitos ainda não possuem ideia da dimensão dos impactos gerados pela poluição: “A humanidade é a grande responsável pela degradação ambiental e, ao mesmo tempo, vítima das próprias ações.”

 

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