Cobertura das Olimpíadas se assimila à de um Reality Show

Professor da USP analisa o comportamento da imprensa durante os Jogos Olímpicos de 2012 e 2016

Felipe Kitadai, medalhista de bronze nas Olimpíadas de 2012 (Créditos: AFP Photo/Franck Fife)

O fenômeno dos Jogos Olímpicos afetou a rotina de quase todos os brasileiros em 2016, sejam os moradores do Rio de Janeiro que conviviam diretamente com a competição ou aqueles que assistiam alguns esportes pela televisão. Para um evento de tamanha magnitude, uma cobertura midiática proporcional é esperada, e nela podem-se encontrar algumas peculiaridades. Ary Rocco, pesquisador da Escola de Educação Física e Esporte da USP (EEFE-USP) afirma que houve uma maior atenção a notícias que mesclavam esporte e política em comparação às Olimpíadas de 2012.

O trabalho realizado por Rocco, financiado pela Fapesp, consistia em classificar todas as notícias publicadas nos maiores meios impressos do país, três meses antes, durante e um mês depois dos Jogos, em cinco categorias: Comportamento, Econômico, Espetáculo, Esportivo e Político. O processo ainda não foi concluído, mas, segundo o professor, já se podem encontrar algumas tendências: “Nos Jogos Olímpicos 2016 já notamos, especificamente, que há um crescimento muito grande do que classificamos como Político, principalmente no Globo do Rio de Janeiro, que vai falar muito de legado e infraestrutura.”

A proximidade com as arenas e centros de competição certamente tem o seu papel no comportamento da imprensa, mas o desconhecimento de uma boa parcela das modalidades olímpicas também é decisiva para as abordagens. A pesquisa indica, por exemplo, que na Copa do Mundo de Futebol de 2014 falou-se muito mais do Esportivo: “Em Copa conseguimos notar que por ser de uma modalidade só, que todo mundo conhece, aumentam muito os relatos esportivos”, afirma Rocco, ao ressaltar que há pouco tempo para os repórteres se preparem e conhecerem tantos atletas e regras novas.

Quando um competidor em específico tem o perfil de um personagem, a aproximação dos meios de comunicação também é diferenciada. Em 2012, quando ocorreram os Jogos de Londres, a equipe de Rocco levantou que 29,37% das notícias catalogadas tratavam do âmbito de Comportamento, categoria que representava as matérias sobre a rotina dos atletas.

Um episódio singular envolvendo o judoca Felipe Kitadai assolava os jornais impressos no Brasil: “A mídia perdeu mais tempo falando que ele quebrou a medalha dele no banho do que coisas técnicas e estratégias que ele usou para conseguir ser medalha de bronze”, diz o pesquisador, afirmando que há uma grande tendência em tratar os esportistas como celebridades sua vida pessoal como fofoca.

Desde o início dos trabalhos do grupo de Rocco acima dos Jogos Olímpicos, em 2008, o Espetáculo se sobressaía ao Esportivo. A primeira competição de grande porte do jamaicano Usain Bolt foi marcada por extensas comparações ao nadador norte-americano Michael Phelps, mesmo que eles não fossem concorrentes diretos. De um lado, a irreverência de Bolt: um jovem negro, que se alimentava de nuggets e praticava em um país subdesenvolvido. Do outro, Michael Phelps, sua formação universitária e  seus treinos nos centros mais modernos do planeta.

“Reparamos que há um relato da mídia muito preconceituoso”, analisa Rocco. “É interessante ver como a mídia tratava o Phelps e como ela tinha preconceito na época com o Bolt, quando ele ainda não era o atleta que era hoje. Exaltava-se muito o seu aspecto físico, e com Bolt houve uma tentativa de desmerecê-lo”. Após suas três medalhas de ouro, no entanto, era impossível questionar a capacidade do maior velocista daquela geração.

Ainda há um certo número de matérias a serem catalogadas pelo professor Ary Rocco, mas os indicativos iniciais parecem ser condizentes com a premissa de sua pesquisa: mostrar como a imprensa esportiva é relapsa em relação ao esporte propriamente dito. Comparando os meios de comunicação brasileiros aos da Inglaterra, na opinião de Rocco, nota-se uma clara diferença: lá, os meios de comunicação são muito bem definidos editorialmente e separam-se entre tablóides sensacionalistas e veículos mais informativos. No Brasil, não haveria essa distinção: “Você pega os meios de comunicação ditos sérios e muitas vezes você vê muito mais matérias focadas em comportamento e celebridades porque se quer vender jornal. Aqui, no Brasil, vivemos uma lógica inversa à que deveria ser do jornalismo, não é o público que tem que pautar o jornal.”

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*