Cooperativismo: uma importante faceta do agronegócio brasileiro

As cooperativas representam cerca de 50% do mercado agrícola e são importantes estratégias de mercado para o país

Foto: Pedro Graminha

Na minha cabeça um leilão de flores nada mais era do que um enorme barracão cheio de vasos: quando alguém dava um lance, levantava uma plaquinha, do mesmo jeito que se vê nos filmes. Para minha surpresa, não era nada disso. Não havia um barracão, muito menos plaquinhas. Era uma sala ampla, bem iluminada, com várias fileiras de cadeiras dispostas na forma de um anfiteatro grego. Quando alguém dava um lance, apertava um botão inserido em um painel fixo em sua mesinha. Tudo milimetricamente sincronizado, até o vai e vem dos carrinhos que traziam as prateleiras de flores atracadas umas nas outras, como verdadeiros vagões de trem. Em um ciclo ininterrupto, tulipas, antúrios e orquídeas iam sendo expostos, avaliados em qualidade e preço pelo enorme painel acima delas. Porém, o que mais me chamou atenção – além da minha ignorância quanto à  dimensão do mercado de flores – foi entender que estava dentro de uma cooperativa. Até então julgava ser esse um modelo de negócios menor dentro da estrutura do agronegócio; jamais associaria àquele nível de sofisticação.

Explicando tudo, ia um holandês – já um brasileiro, após quase 60 anos morando no país. Seu nome é Kees Schoenmaker, antigo presidente daquela cooperativa, a Veiling Holambra, por oito anos. Apontando tudo com o dedo, professava as vantagens e as regras do sistema utilizado: inadimplência praticamente zero, relacionamento transparente e direto com os clientes.

Nem bem podia absorver os pormenores de tudo que ia sendo dito e nós, o grupo de estudantes de jornalismo, íamos sendo arrastados pelos corredores da instalação, sempre a passos largos e rápidos. Assim que percebia ter se afastado muito, esse homem esguio voltava, também em passos longos, apressava-nos em nossa admiração com a quantidade de flores contidas nos vários galpões.

O leilão de flores na cooperativa Veiling.   Foto: Pedro Graminha

O cooperativismo é uma doutrina baseada em sete princípios responsáveis por regulamentar suas práticas e nortear o funcionamento das cooperativas em todo o mundo, sendo adaptados para cada país em suas legislações. O Brasil possui cinco artigos na constituição federal destinados a organizar esse funcionamento.

Formadas através da união de pessoas e empresas com objetivos comuns, as cooperativas são modelos de negócios que empregam capital com o intuito de buscar vantagens que beneficiem todos os seus membros. Nessa lógica, os associados são, ao mesmo tempo, funcionários e donos do sistema; há muitos tipos de cooperativas e cada uma delas está mais relacionada a alguma área do processo produtivo.

As cooperativas de produção são as responsáveis pela comercialização dos bens que são produzidos por seus associados. Outras delas, as chamadas de cooperativas de consumo, possuem a finalidade de comprar bens de consumo e revendê-los a seus associados à preços mais baratos, tornando suas produções mais competitivas. Há, também, as cooperativas de crédito que, conforme o nome, têm a finalidade de oferecer recursos financeiros a seus associados.

Segundo o ex-ministro da Agricultura e embaixador especial da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), Roberto Rodrigues, as cooperativas têm um peso muito relevante dentro do agronegócio brasileiro, representando cerca de 50% do valor total da safra agrícola do país e empregando cerca de 1 milhão de pessoas. Estima-se que 48% de tudo que é produzido no campo brasileiro passa pelas cooperativas. Além do mais, são especialmente importantes para a estrutura produtiva do agronegócio nacional, composta predominantemente por grandes produtores. Neste contexto, não fossem as cooperativas, praticamente os pequenos produtores não teriam chances reais competir no mercado.

Em Holambra, na cooperativa Veiling, isso fica muito claro: disputando espaço no salão onde se realizam os leilões, estão as flores produzidas tanto por grandes produtores, cujas áreas produtivas ultrapassam muitos hectares, quanto por pequenos grupos familiares cujo cultivo de flores se faz em uma escala muito menor.

“É interessante perceber que não faz diferença entre ser grande ou pequeno desde que se tenha qualidade no produto”, explicava Kees Schoenmaker enquanto o grupo passava por um amplo galpão onde as flores esperam para ser apresentadas a seus compradores. Ao fundo, por uma janela, podia se ver as baias onde os caminhões – pequenos ou grandes – deixaram suas mercadorias para o leilão daquela manhã.

Além disso, Roberto Rodrigues salienta outro ponto muito importante: “A economia globalizada gerou uma concorrência muito alta, de forma que o lucro por unidade de produto é cada vez menor. O que significa que a renda do produtor se faz na escala, volume de produção. O pequeno produtor, por definição, não têm escala. Na cooperativa ele pode fazer isso com os seus iguais,  participando do mercado da mesma forma.”

Além dos aspectos relacionados às práticas comerciais e de financiamento, as cooperativas também realizam importantes atividades voltadas ao aumento da eficiência produtiva de seus cooperados: ao contrário de empresas privadas, realizam um trabalho de assistência aos produtores, possuindo equipes de técnicos como veterinários e agrônomos, aumentando, assim, sua produtividade em quantidade e qualidade.

“Uma multinacional que faz adubo, por exemplo, vai oferecer para o produtor não aquilo que ele precisa, mas o que ela quer vender”, explica Roberto Rodrigues. “Já a cooperativa sempre vai oferecer o insumo, a matéria prima que o cooperado efetivamente necessita”

Outro ponto vantajoso para os pequenos produtores refere-se ao fato de que, no mercado atual, produtos com um valor agregado maior são muito mais rentáveis do que produtos “crus”. Com a exceção de produtores muito grandes, esse processo só é possível de ser realizado dentro das cooperativas. “Isso gera uma renda adicional ao produtor em um mercado em que, sozinho, ele não teria chances”, conta Rodrigues.

Um pouco mais tarde, fomos levados a sede de um dos principais associados da cooperativa Veiling Holambra, a Terra Viva. Sua estrutura produtiva contava com impressionantes estufas abarrotadas de antúrios, todos devidamente organizados pela época em que estariam prontos para a comercialização. Kees foi explicando que até mesmo produtores grandes como a Terra Viva, que teriam perfeitas condições de competir sozinhos no mercado, encontram vantagens ao estarem associados à cooperativa, sobretudo pelas oportunidades oferecidas quanto à comercialização. “A cooperativa faz um papel entre quem vende e quem compra, uma intermediação. A grande vantagem é garantir o pagamento. Nunca faltou nem atrasou um dia para os sócios. Inadimplentes são bloqueados pelo sistema”, se orgulha Kees. Até mesmo as grandes corporações, que compram toneladas de flores, têm de se submeter às regras da cooperativa. Em Holambra são eles que mandam.

A produção de antúrios da Terra Viva. Foto: Pedro Graminha

Questionado sobre como as cooperativas eram vistas dentro do Brasil, país com uma estrutura agropecuária nitidamente marcada pela presença de grandes propriedade, Roberto Rodrigues disse que esse modelo de negócios reflete as necessidades culturais das comunidades em que estão inseridas, ou seja, dependem muito do grau de educação comportamental das pessoas que a compõem. No Brasil, regiões que receberam grandes quantidades de imigrantes europeus, como o sul do país, têm o espírito do cooperativismo muito enraizado, devido ao fato do continente conservar uma grande tradição relacionada a essa prática de negócios. Muito mais do que uma questão cultural, é fundamental que os cooperados entendam a importância de estarem associados para que possam definir melhor seus objetivos comuns.

“Existem condições básicas para se fazer uma cooperativa com sucesso: a primeira é que ela seja necessária e as pessoas que estejam sob pressão do mercado compreendam essa necessidade. A segunda condição é ser viável economicamente, pois é uma empresa, então precisa de recursos próprios, capital, estratégias, liderança”, explica.

Em uma país tão díspar como o Brasil, composto por diferentes culturas em suas variadas regiões, as cooperativas têm graus de aceitação variados. Na região Sul, um grande exemplo é a cooperativa de aves e suínos Aurora, forte o suficiente para disputar mercado até com as grandes empresas do setor, como a BRF foods.

O agronegócio brasileiro é um setor multimilionário, muito importante para o Produto Interno Bruto (PIB), com estimativas de ser o setor que mais vai crescer no ano de 2017. Com inúmeros investimentos feitos com o intuito de modernizar a produção, tornando-a mais eficiente, o setor conta com inúmeras pesquisas de ponta relacionadas ao desenvolvimento de tecnologias que permitam a melhoria desse processo. Nesse contexto, com o mercado tornando-se cada vez mais competitivo, a tendência para que pequenos produtores sejam engolidos pelos maiores é enorme – e a sociedade não sairia ilesa desse processo: além de deflagrar um acentuado êxodo rural e subsequente marginalização destes, os impactos reverberariam até mesmo no bolso dos consumidores, destinados a conviver com um mercado muito menos variado. Assim, as cooperativas se firmam como estruturas econômicas necessárias e democráticas, que muito têm a oferecer para o futuro do agronegócio brasileiro.

 

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