Pesquisa analisa a representação do autismo nos meios de comunicação

Segundo dissertação de mestrado, o discurso veiculado na mídia considera o corpo do autista apenas enquanto organismo

Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2014, haviam 2 milhões de autistas no Brasil. Fonte: O Globo

“Hoje, a mídia se constitui como uma espécie de ágora da sociedade, ou seja, aquilo que se diz, diz-se nos meios de comunicação,” afirma a mestre Vanessa Ferraresi. De fato, ela aparece, atualmente, como o “espaço de conversa”, sendo jornais, programas de televisão e redes sociais os responsáveis por, cada vez mais, difundir as informações e opiniões que atingem diretamente as pessoas. Neste contexto, enquanto canal que “não se forma no vácuo”, a mídia tem a capacidade de expressar discursos e colocar determinados vieses sobre assuntos diversos.

É precisamente nesta problemática em que se insere a dissertação de Vanessa, defendida em 2017 pela Faculdade de Educação da USP: mergulhando no modo como o autismo é representado nos meios de comunicação, a pesquisadora analisou 17 matérias que tratavam do “corpo do autista”, veiculadas ou na Folha de S. Paulo ou na revista Exame, em um período de 18 meses, entre fevereiro de 2014 e agosto de 2015, de modo a perceber o tipo de discurso que estava sendo transmitido pela mídia a respeito desta condição e dos sujeitos a ela relacionados, bem como a maneira como os autistas estavam sendo retratados nestes textos.

A opção pela Folha de S. Paulo partiu da vontade de analisar jornais que tivessem, primeiramente, grande veiculação e versões tanto impressas como digitais. No caso da revista Exame, além de considerar os fatores já citados, Vanessa percebeu que, apesar de este veículo ser caracterizado como “de negócios”, haviam muitas matérias que diziam respeito ao autismo, sempre classificadas na editoria de tecnologia, o que intrigou-a.

Para analisar as matérias selecionadas, Vanessa optou por seguir uma proposta hermenêutica, onde partia de uma leitura superficial e, a partir disso, realizava uma observação das camadas do texto, de modo a revelar aos poucos aquilo que estava por trás da escrita. Desta maneira, neste processo, levantou alguns questionamentos acerca das reportagens, desde o modo como estas “apresentavam o autista” e como “o corpo era designado” até os tipos de tratamento que eram colocados, os lugares discursivos onde as matérias se posicionavam e o “papel da mídia na difusão e manutenção daquilo que se veicula em relação ao autismo”.

Neste processo, Vanessa percebeu que, nos veículos analisados, o corpo autista era encarado exclusivamente em uma perspectiva organicista, ou seja, apenas enquanto organismo, sem considerá-lo “também atravessado pela linguagem”, noção que a psicanálise, sustentáculo principal da pesquisa, leva em conta. Desta maneira, nas matérias estudadas, o autista era reduzido “àquilo que acontece no organismo e, mais especificamente, no cérebro”. Neste sentido, como uma pessoa que, por ser puro corpo, não apresenta possibilidade de alteração: o diagnóstico se torna, assim, um destino.

Além disso, de acordo com Vanessa, devido à essa noção de corpo como pleno organismo, quando havia a apresentação de uma possibilidade de tratamento, estes acabavam sendo reduzidos à duas vertentes: ou algo químico, ou seja, atrelado à medicamentos, ou algo relacionado à perspectiva da análise comportamental, um método de reeducação do comportamento através de estímulos e respostas que pretende “treinar” o sujeito para determinada atuação.

Por fim, à respeito do discurso veiculado, a pesquisadora aponta que surge uma ideia do autismo como “uma doença, uma anomalia e que esses sujeitos assim diagnosticados tem algum problema”, o que acaba por definir o modo como estes são vistos dentro da sociedade.

Segundo Vanessa, a mídia difunde um discurso calcado na noção de eficácia e solução, ou seja, “de tornar normal, dentro dos padrões da sociedade contemporânea”, perspectiva que surge principalmente no cenário capitalista em que, para além do pessoal, “as pessoas são atravessadas por questões mercadológicas”.

Neste sentido, a pesquisadora espera que sua dissertação “crie furos nesse discurso que se pretende detentor da verdade”. Contudo, ainda que esteja levantando um olhar psicanalítico sobre a questão do autismo, tentando colocar em pauta “um tratamento do sujeito a partir da linguagem”, Vanessa afirma que seria reducionista atacar a visão organicista e priorizar apenas o seu oposto, a dimensão subjetiva ou psíquica. “A intenção é trazê-las para o debate e mostrar que não é algo polarizado,” revela. “Não é um nem outro, existe um caminho do meio e muitas interconexões entre as duas coisas”.  

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*