Pesquisa usa rede neural bioinspirada para melhorar o trânsito

Estimativas preveem 25% na redução de tempo no trânsito e um aumento do PIB na casa de bilhões

Fonte: Huffington Post

O trânsito urbano é um dos maiores problemas de toda cidade grande. Pensando nisso, o doutorando em engenharia de computação pela Poli-USP, Guilherme Barros Castro propõe, em sua tese, um controle por rede neural bioinspirada (RNB) – que leva esse nome por tomar algumas referências da biologia do cérebro (como os neurônios, as sinapses e suas formas de plasticidade) para melhor empreender o controle do trânsito. Num meio já repleto de técnicas de aprimoramento, Castro destaca que o que diferencia a RNB das demais é seu poder de adaptabilidade. “Esse modelo consegue monitorar e agir em relação a todas as variáveis do trânsito, a cada segundo”.

Ele explica que o trânsito é um sistema complexo, ou seja, que pelo grande número de variáveis a serem analisadas (fluxos de veículos, acidentes, eventos que fecham uma rua, entre outros), não é possível prever o estado do sistema, o que torna sua dinâmica caótica. Por conta disso, há uma grande perda quando os semáforos são controlados apenas por um tempo fixo. Não à toa, é comum que, mesmo num cruzamento vazio, o sinal esteja fechado para uma fila de carros. A partir disso, algumas técnicas de inteligência artificial, como a de controle adaptativo, sofisticaram esse processo. Nela, após cada ciclo semafórico (que é o tempo que o semáforo leva para completar a sequência de faróis), o sistema observa o trânsito e toma uma decisão, e assim sucessivamente. O problema é que o programador precisaria imaginar todas as possibilidades possíveis, o que reduzida a uma escala de análise de segundos, demandaria um alto processamento. “[Esses modelos] não conseguem estruturar o problema e tomar a decisão a cada um segundo, porque precisariam de uma capacidade de processamento enorme”.

A solução encontrada pelos processos de rede neural é o uso de recorrências – função que permite calcular qualquer termo tendo o antecessor imediato, e que por induções poderíamos formar toda uma série. Com base nesse processo, numa função matemática, por exemplo, seríamos capazes de recuperar números passados. Na problemática do trânsito, cada entrada diria respeito a uma ou mais intersecções vizinhas, que no total, formariam a malha viária completa. Nessa analogia, os neurônios seriam então as intersecções; as sinapses, as ruas que ligam duas intersecções vizinhas; a plasticidade, o formato dessas ruas; e as redes, a junção de tudo isso.

Estrutura da rede neural bioinspirada para o controle de uma intersecção. Fonte: Guilherme Barros Castro

Uma vez tendo a estrutura arquitetada, sensores captam a quantidade de veículos em cada uma das vias e as envia aos seus respectivos neurônios. Para decidir se o seu semáforo estará ou não ativo, toma-se como base não só a entrada do próprio neurônio, como também a dos das intersecções vizinhas. “Depende da quantidade de veículos na via para qual o fluxo está se deslocando. Se ela está vazia, o tempo [que o semáforo fica ligado] é maior, se está cheia, o tempo é menor. Isso tudo para otimizar o fluxo de veículos na cidade”. Isso também vale serve para saber o momento de ativação dos semáforos. Como o pesquisador comenta, “se uma intersecção estiver cheia, é melhor avisar o quanto antes para a seguinte que está vindo mais veículos, porque aí ela tem tempo de liberar esses parados, para que o trânsito não se acumule. [Assim,] quando os veículos chegarem, já não tem mais uma fila esperando”.

É claro que, na prática, nada é tão previsível assim. Mas é aqui que entra o detalhe da adaptabilidade. Como o sensoriamento é constante, a rede monitora todas as variáveis do trânsito, como um veículo ou bloqueio no meio da via, e responde para corrigir isso. Mas ele alerta que, diferentemente de outras técnicas em que tudo precisa ser ditado, para um eventual ajuste na RNB, “não é tão óbvio identificar o que cada neurônio faz, só quem pensou em como estruturar a rede sabe. Tem que ter uma descrição completa do que cada um é responsável”. Por outro lado, ele ressalta que justamente por isso também, depois que a rede neural é montada, de acordo com a quantidade de semáforos e vias, tudo fica automático.

Cenário de análise. Fonte: Guilherme Barros Castro

Por se tratar de um sistema dinâmico complexo, Castro ainda destaca a importância de se atentar à convergência e estabilidade do processo. “Se aquele modelo não converge para um ponto de estabilidade, cada momento pode operar de maneira diferente, e o comportamento [será] imprevisível. Aí não faz sentido usá-lo na prática”. No entanto, na contramão da maioria dos casos, o que se busca aqui não é que o sistema convirja para um ponto de estabilidade único – no contexto do trânsito, isso se traduziria em um semáforo verde, e outro vermelho, para sempre –, mas, sim, num tipo de estabilidade chamada ciclo-limite, em que num momento o semáforo fica ativo, no outro, inativo, com esse ciclo se repetindo. “O formato desse ciclo pode mudar de acordo com as variáveis do trânsito. Ele pode ficar mais tempo ativo, mais tempo inativo. Mas ele nunca vai sair desse ciclo”.

Por mais transformadora que seja, a RNB ainda não foi posta em prática nem no exterior. Lá, pelo menos, outros modelos de controle adaptativo já são aplicados. No Brasil, onde sequer há controle algum, o problema é também operacional. Para ele, seria preciso um sistema robusto já pronto para que a preocupação se restringisse ao projeto em si, não a implementação. “A maior parte dos semáforos desliga sozinho quando chove, ou para de funcionar, porque é muito antigo. Estão colocando equipamentos novos e começando a construir um sistema de monitoração para ver o estado de cada semáforo”. Ele ainda garante que uma vez tendo a infraestrutura, a RNB poderia ser implementada, sem que precisássemos passar pelos métodos de controle mais simples, uma vez que ela só mudaria a lógica utilizada pelos controladores. Desse modo, como pensa, o próximo passo seria “viabilizar o projeto no setor público, entender como e quando se poderia aplicar um projeto desses na prática”.

Para isso, várias são as vantagens que podem ser apontadas. Sem contar a redução da quantidade de gases estufa emitidos à atmosfera, ocasionando portanto, uma melhora na nossa saúde, há também benefícios à qualidade de vida, já que por passando menos tempo no trânsito, os índices de estresse diminuiriam. Mas o maior impacto seria, na verdade, econômico. Além de um menor custo com combustível e associado à emissão dos gases, o tempo poupado nos congestionamentos, poderia ser empregado gerando renda. Segundo estudos de Eduardo Haddad, professor da FEA-USP, e Renato Vieira, com uma melhora de viagem de 27% no tempo de viagem, o aumento no PIB seria na casa dos bilhões. Castro ressalta que esse número muito provavelmente pode ser ainda maior, uma vez que, em comparação ao controle adaptativo, a RNB melhorou o tempo de viagem em 25%. Num cenário sem controle nenhum, que é o caso do Brasil, a implementação do RNB poderia melhorar o tempo de viagem em até 50%, gerando um impacto muito maior. “Mas como é uma fonte de renda indireta, talvez a administração pública não enxergue tanto como um benefício imediato de implementação. Porque se fosse direta, do tipo, você implementa e recebe o dinheiro, não iria demorar dois dias para todas as cidades estarem com semáforos inteligentes”.

Tempo médio de viagem dos veículos para vários níveis de demanda. Fonte: Guilherme Barros Castro
Número de veículos na intersecção ao longo do tempo (demanda balanceada). Fonte: Guilherme Barros Castro

Por fim, o doutorando levanta alguns pontos que sua tese não se preocupou em investigar, mas que podem ser alguns caminhos para pesquisas futuras. Um deles é que a determinação dos parâmetros é empírica. Assim, se fosse aplicado um algoritmo de aprendizado de máquina, o desempenho poderia ser ainda melhor, uma vez que qualquer erro do sistema já seria reconfigurado, assim que fosse constatado, para a próxima vez. Outro é que a RNB só consegue verificar o que está acontecendo naquele momento, ela não tem uma capacidade preditiva. Em outras palavras, dois avanços que poderiam otimizar ainda mais o sistema. De qualquer forma, a pesquisa de Castro, pioneira em sua abordagem na área de sistemas dinâmicos, apresenta novas possibilidades para a discussão da mobilidade urbana – que embora saturada, vem a cada dia se tornando mais necessária frente ao inchaço das capitais.

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