Pesquisa aponta que promover educação em prisões deve ser uma responsabilidade da universidade pública

De acordo com a tese, o Brasil apresenta um déficit em iniciativas práticas de atuação universitária em complexos prisionais

A Penitenciária Federal de Devoto, na Argentina, abriga o mais antigo e eficiente projeto de educação em prisões, em parceria com a Universidade de Buenos Aires. Foto: Carolina Bessa

Para a pesquisadora Carolina Bessa Ferreira de Oliveira é dever da universidade pública, enquanto instituição do Estado, manter um comprometimento efetivo com as demandas públicas, dialogando e problematizando, a todo momento, as temáticas e necessidades levantadas do lado de fora dos muros acadêmicos.Entre os inúmeros assuntos que emergem na sociedade, a questão dos sistemas prisionais é, segundo a estudiosa, uma das mais afastadas, historicamente, das reflexões do ensino público. Na sua tese de doutorado, em fase final de escrita na Faculdade de Educação da USP, Carolina inseriu-se nessa problemática ao pensar sobre a responsabilidade da universidade em desenvolver políticas educacionais dentro de prisões, a partir, principalmente, de seu tripé constituinte, formado por ensino, pesquisa e extensão.

Para começar a pensar o seu tema, a doutoranda realizou uma pesquisa de campo em três prisões em que existem experiências de atuação direta da universidade pública. Dos locais estudados, em dois existem campi de universidades argentinas: o Complexo Prisional de Devoto, onde há mais de 30 anos a Universidade de Buenos Aires oferece cursos superiores em diversas áreas do conhecimento, e a penitenciária provincial de Córdoba, onde a Universidade Nacional de Córdoba desenvolve, há 15 anos, o Programa Universidad en la Cárcel, que promove cursos de graduação para os detentos. “Ambos começaram como atividades de extensão e depois foram instituindo o ensino superior” conta a pesquisadora. “São projetos institucionalizados, com termos de convênio com as reitorias”.

Já o terceiro programa que Carolina analisou é uma iniciativa da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), que atua no complexo prisional de Campina Grande desde 2011, oferecendo atividades de extensão dentro da própria prisão, tais como oficinas de educação física e música e atendimentos de odontologia.

Campus avançado da UEPB é iniciativa única do gênero no Brasil. Foto: Carolina Bessa.

A partir das percepções retiradas do estudo de campo, Carolina começou a problematizar o tema, no sentido de pensar o papel da universidade pública dentro das penitenciárias. Em um primeiro momento, ela notou que “o eixo pesquisa está bastante contemplado em relação às prisões”. Porém, “o ensino e a extensão ainda não estão sendo implementados”, o que acaba transformando os complexos prisionais em laboratórios para a produção acadêmica, sem que haja, assim, algum tipo de retorno para a população prisional e para a própria sociedade. Neste sentido, a pesquisadora defendeu, em sua tese, uma radicalização da extensão, já que esta “não tem pré-requisito” e é de extrema importância para que a universidade possa dialogar com as “demandas das populações minorizadas ou oprimidas da sociedade, dentre elas os presos”. Além disso, ela identificou um grande desafio na promoção do ensino nas prisões brasileiras, devido à exigência de um processo seletivo de ingresso para o nível superior, algo que não acontece, por exemplo, nas universidades argentinas.

De todo esse processo, a pesquisadora percebeu que a oferta de políticas educacionais em prisões por parte das universidades públicas deve ser estimulada por três razões: primeiro, por uma perspectiva garantista, já que “a população prisional está privada de liberdade, mas não de outros direitos”; segundo, porque é uma responsabilidade do Estado ofertar acesso ao ensino superior para todos aqueles que tiverem interesse em cursar esse nível, ainda que adentrar uma graduação não seja obrigatório e, por fim, porque a universidade deve dialogar com a sociedade, difundindo o conhecimento produzido, problematizando questões determinantes e, sobretudo, se ocupando, em termos práticos, de dificuldades históricas, como os ciclos de exclusão ao qual pessoas com baixa escolaridade estão sujeitas, perfil em que boa parte da população prisional se enquadra. Trata-se, portanto, de um papel político a ser desenvolvido pela universidade pública.

Com suas conclusões, Carolina levantou algumas possibilidades de resolução, desenvolvendo, por exemplo, um mapa em que cruzou as localidades de todos os campi das seis universidades públicas do estado de São Paulo com as de todas as unidades prisionais no território paulista, método com o qual encontrou diversos possíveis pontos de encontro e formação de pontes entre cárcere e comunidade universitária.

De todo modo, restam ainda, na visão de Carolina, muitos desafios a serem ultrapassados, como a falta de interesse de grupos de pesquisa, professores e alunos e o consequente déficit de iniciativas e propostas de atuação prática, mesmo entre pessoas que já estudam o sistema prisional. “A universidade precisa começar a pensar em intervenções e em estabelecer canais de comunicação com esse lugar,” ressalta. “E nós precisamos refletir um pouco mais sobre esse papel da universidade, porque ela é muito potente”.

1 Comentário

  1. Sou professor a mais de 35 anos de forma constante, e sempre em escolas públicas, a nível médio e fundamental 2. Acredito totalmente na matéria em questão. Trabalhei com o CARESAMI durante 2 anos ou mais, sempre com esta ideia como prática de ensino. Contudo, é necessário “seriedade” naqueles que realmente comandam nossas leis e logicamente em nossos alunos que, de certo modo são especiais e precisam de uma autoconfiança para conviverem novamente na sociedade como cidadãos.

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