Estereótipos influenciavam leitoras da Vogue Kids

Imagem: Reprodução.

Desde 2006, a revista de moda Vogue Brasil, voltada a mulheres de 18 a 45 anos das classes A e B, publicava duas vezes ao ano, como um suplemento gratuito, a Vogue Kids. Seu sucesso permitiu que a revista, com conteúdo sobre moda infantil voltado às mães que já consomem a Vogue, passasse a ser publicada trimestralmente a partir de 2012. Sua última edição, a 22, foi em setembro de 2014. No dia 12 desse mês, o Juízo Auxiliar da Infância e Juventude do Tribunal Regional do Trabalho, em função de uma ação cautelar do Ministério Público do Trabalho (MPT) de São Paulo, determinou a suspensão da distribuição e o recolhimento dessa edição da revista. Sem explicações, a publicação foi descontinuada.

De acordo com denúncias apresentadas ao Ministério Público Federal e Estadual e à Polícia Federal, parte do conteúdo dessa edição da revista violava direitos básicos garantidos às crianças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Especificamente, o MPT acatou os pedidos por entender que havia uma transgressão do princípio de proteção integral à criança garantido no artigo 17 do ECA. Em seu ensaio “Sombra e Água Fresca”, presente nessa edição, a Vogue Kids publicou fotos de meninas menores de idade, crianças, em poses sensuais, deitadas e com pernas abertas, trajando biquíni. Na época, entidades da sociedade civil e milhares de pessoas em redes sociais afirmavam que o ensaio sensualizava, erotizava, adultizava e até mesmo sexualizava as crianças.

Vogue Kids: estudo sobre o consumo de moda infantil a partir do discurso da revista e das propagandas veiculadas é o título da dissertação de mestrado de Larissa Maria Ribeiro da Silva pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, defendida em 2016. Apesar de não tratar especificamente do caso que encerrou as atividades do suplemento, o trabalho lança bases para se entender como ele chegou a esse ponto. Fazendo uma revisão bibliográfica sobre o tema, um estudo imagético de algumas edições e entrevistas com as leitoras da revista, a dissertação mostra como ela, por meio de estereótipos reforçados nos ensaios, editoriais, matérias e anúncios, fomenta um tipo de comportamento específico, identificado com o público a quem ela se destina.

“Quando a pessoa lê uma revista, ela busca atitudes, indicações, preferências que façam ela estar cada vez mais inserida naquilo. Aquela narrativa que a revista está apresentando influencia na vida dela, porque ela vai considerar seus os padrões e as tendências de moda”, diz Silva. “A narrativa proposta pela Vogue Kids era trazer esse lado da inserção da criança nesse grupo social da mãe”, completa. Além de toda a influência externa, explica Silva, recebida por meio das mídias, como músicas, filmes, novelas, programas de televisão, e dos meios de comunicação, a criança sofre também influência por meio da criação familiar.

Foto de editorial de moda da edição de abril de 2011 da revista Vogue Kids. Reprodução.

A Vogue Kids apresentava em seu conteúdo editoriais de moda, matérias sobre comportamento, decoração, dicas de viagens, música, cinema, livros, entre outros assuntos – tudo isso, é claro, voltado ao universo infantil. “Ela não era só uma revista de moda, era um revista de estilo de vida, de como educar e o que fazer com os filhos”, afirma Silva. A partir da análise imagética desse conteúdo Silva traçou alguns estereótipos presentes na narrativa da revista.

“Existe uma grande diferenciação de gênero. O menino é aventureiro, independente. A menina é doce, graciosa, delicada, feminina, comportada. Infelizmente, também tem a erotização, o estereótipo que a brasileira consome e passa, às vezes até sem perceber, para os seus filhos, principalmente para as meninas”. Há também uma diferenciação nas habilidades de cada gênero. Os meninos, por exemplo, tocam piano ou praticam uma luta, enquanto a menina dança balé. “Aquela criança afetuosa, carinhosa, que aparece na fotos beijando e abraçando, também é um lado que eles exploram bastante na revista.”

Foto de editorial de moda da edição de janeiro de 2014 da revista Vogue Kids. Reprodução.

Diversos elementos na imagem – em editoriais, matérias e anúncios – em são constituídos de forma a compor uma atmosfera imagética geralmente associada aos estereótipos. O vestuário, a pose, o cenário, a descrição da foto, a técnica da construção da imagem entre outros, são cuidadosamente pensados de acordo com uma expectativa já criada na leitora. Os anúncios publicitários, que também se utilizam dos estereótipos, se mesclam com as matérias e editoriais, confirmando o discurso da revista.

A leitora da Vogue Kids acaba transmitindo aos filhos os estereótipos com os quais se identifica na revista. “É mais ou menos assim que a Vogue influencia tanto na educação quanto na formação da criança, porque ela acaba sendo [também] a soma do direcionamento dos pais e da cultura de publicidade e de marketing que ela é bombardeada”, explica Silva.

As conclusões de Silva revelaram uma efetividade no uso de estereótipos. “Realmente, os mecanismo de marketing utilizados dão resultado. Pelos questionários, eu percebi que as leitoras compram esses estereótipos e identificam os filhos com esses estereótipos”, constata. No entanto, Silva se surpreendeu ao descobrir que a maioria reproduz os estereótipos positivos para os filhos, como da inteligência e das habilidades. Além disso, ela revelou no questionário que  há uma parcela crescente de leitoras da Vogue Kids pertencentes à classe C, que não é representada na narrativa da revista. “Você precisa inserir essa classe, que está consumindo e quer novidades – quer ser atingida de maneira mais eficaz”.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*