Estudos com peptídeos podem oferecer alternativas para os antibióticos

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Através de estudos com peptídeos – classe de biomoléculas de grande diversidade estrutural e funcional – o grupo de pesquisas da professora Maria Terêsa Machini, do Instituto de Química da USP (IQ), abre possibilidades quanto a aplicação desses compostos em diversas áreas do conhecimento, sobretudo a da sáude.

Todos os organismos vivos produzem peptídeos biologicamente ativos, envolvidos  em funções vitais que variam do controle metabólico à defesa contra microorganismos nocivos. São constituídos por aminoácidos, os mesmos blocos construtivos das proteínas. Em tese, a distinção entre um e outro se dá pela quantidade de aminoácidos presentes em suas estruturas: de dois a 50 aminoácidos, tem-se um peptídeo; acima  dessa quantidade temos as proteínas.

Os estudos desenvolvidos no laboratório da professora Maria Terêsa focam-se em entender aspectos diretamente relacionados à química, à estrutura e ao modo de ação dos peptídeos bioativos. No corpo humano, por exemplo,  existem alguns peptídeos envolvidos no processo de defesa, como aqueles presentes na saliva e na epiderme.

“Não buscamos apenas fazer um trabalho científico relacionado ao melhor entendimento da química, da estrutura ou do modo de ação antimicrobiana, por exemplo, mas também estabelecer as relações entre eles, o que nos permitirá desenvolver novos compostos mais ativos e estáveis que possam ter uma aplicação prática, principalmente na área da medicina”, explica a professora. “Aqui no laboratório, uma vez sabida a sequência de aminoácidos desses peptídeos, pode-se sintetizá-los nas quantidades e qualidades desejadas. É um processo difícil e caro, que demanda uma grande quantidade de reagentes e materiais importados para ser feito, mas que vale a pena sob os pontos de vista científico e de muitas aplicações”.

O uso de peptídeos antimicrobianos sintéticos, como alternativa aos antibióticos tradicionais, garante uma série de vantagens. Em primeiro lugar, por serem compostos por aminoácidos, são solúveis em água e muito menos tóxicos, sendo facilmente metabolizáveis pelo organismo. Além disso, eventuais tratamentos baseados nesses compostos, têm a vantagem de contornar o problema decorrente do uso indiscriminado de antibióticos, responsável pela indução de espécies bacterianas mais fortes e resistentes aos tratamentos empregados.

“Esses peptídeos atuam por um modo de ação diferenciado, podendo ser usados diretamente ou inspirar o desenho de drogas que possam ser aplicadas para essas atividades antimicrobianas”, explica.

Porém, mesmo após descobrir algum peptídeo que exiba  uma atividade interessante de ser explorada, é necessário realizar uma série de testes para garantir sua estabilidade e baixa toxicidade.

Além dos estudos referentes à aplicação na área médica, outras possibilidades relacionadas ao uso dos peptídeos referem-se a sua aplicação no transporte de substâncias – como drogas, outros peptídeos, antibióticos, fragmentos de DNA ou RNA – para dentro de células, sem afetar a estrutura de suas membranas plasmáticas. Isso se dá pelo fato de que certos peptídeos são lidos pelas membranas celulares, permitindo sua internalização.

Um dos peptídeos estudados no laboratório da professora é extraído da raiz de uma planta sul-coreana chamada “bolsa de pastor”, usada para se fazer uma pasta com atividade cicatrizante e antimicrobiana. A partir desse composto foi isolado um peptídeo de nome cheferina I. Os estudos demonstram que ele possui a capacidade de inibir o crescimento e até matar os fungos responsáveis pela candidíase, doença infecciosa que acomete homens e  mulheres no mundo todo.

Outro peptídeo estudado pelo grupo, também eficiente contra esses fungos, chama-se hemocidina, um pequeno fragmento modificado quimicamente da hemoglobina bovina, a proteína do sangue responsável pelo transporte de oxigênio inalado durante a respiração. O interessante, nesse caso específico, é perceber que por mais que a hemoglobina não possua atividade antimicrobiana, os fragmentos de peptídeos que as compõe podem ter essa função.

O grupo também vem trabalhando com o complexo MazF/MazE (toxina/anti-toxina) de bactérias envolvidas na formação de biofilmes – comunidades bacterianas envoltas por substâncias produzidas por essas próprias bactérias –  com vistas a estudar peptídeos que exibam atividade microbicida por interferir na interação entre essas proteínas. A partir deles, buscarão desenhar novos agentes antimicrobianos. 

Além disso, eles investem na concepção e estudo da possibilidade de transporte de substâncias – como drogas antimicrobianas – para dentro de células, sem afetar a estrutura de suas membranas plasmáticas.

Porém, o maior problema relacionado ao uso terapêutico dos peptídeos antimicrobianos refere-se aos altos custos envolvidos em sua produção. Extraí-los de fontes naturais é processo inviável devido à pouca quantidade conseguida. Sintetizá-los também é um procedimento caro e complicado. “Quando o peptídeo é muito bom e pouco tóxico, é interessante utilizá-lo, pois para uso terapêutico, peptídeos têm a vantagem adicional da fácil metabolização”, explica Maria Terêsa. “Por isso, também temos investido em estudos da melhoria da síntese de peptídeos buscando alternativas mais seletivas, ágeis e limpas”.

Serpentes peruanas

É sabido que os venenos de certas espécies de serpentes apresentam atividade antimicrobiana. Em parceria com pesquisadores peruanos, o grupo de Maria Terêsa estudou o veneno da serpente Bothrops oligolepis, fracionando-o na tentativa de encontrar quais dos seus componentes estavam relacionados com a atividade antibacteriana apresentada. O grupo encontrou três tipos de proteínas: metalo-proteases, serino-proteases e lectinas do tipo C, também presentes nos venenos de outras serpentes, que se mostraram diretamente relacionadas ao efeito do veneno em combater bactérias da espécie Staphylococcus aureus, muito visada na área médica por ser causadora de um grande número de infecções e por desenvolver resistência aos antibióticos. “Nós usamos o veneno como uma fonte de proteínas com atividade antimicrobiana, o que foi bom para ajudar a explicar a existência desse tipo de propriedade nelas”, explica a professora. “Além disso, nos inspiramos nessas estruturas para desenhar compostos menores com atividade microbicida, que agora estão sendo estudados”.

 

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