Relação entre o digital e as indústrias criativas é apontada como um caminho sustentável para as instituições culturais

Socióloga destaca o papel dos parques de ciência e tecnologia para o desenvolvimento artístico

Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto (Crédito: página oficial do Facebook)

As implicações do digital para os aspectos tecnológico, informacional e comunicacional de Portugal no contexto da União Europeia foram os eixos centrais da palestra ministrada pela socióloga Helena dos Santos, docente da Faculdade de Economia da Universidade do Porto e pesquisadora do CIC.Digital, unidade que tem como objetivo investigar o impacto do digital em relação ao campo das Humanidades, na sede do Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP).

Graças aos aspectos observados no decorrer de sua trajetória, Helena constatou que, na atualidade, é necessário o rompimento das barreiras entre cultura e mercado para que os polos culturais tenham autonomia e se desenvolvam. Nesse processo, destacam-se, dentre outros fatores, as atuações dos parques de ciência e tecnologia.

O evento, intitulado de “Culturas, Políticas e o Digital: Contextos e Interrogações a partir de Portugal”, ocorrido em setembro, foi organizado pelo Grupo de Estudo Humanidades Computacionais, coordenado pelo professor emérito da Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP), José Teixeira Coelho Netto.

No decorrer da exposição, a pesquisadora elencou os processos históricos que retardaram a inserção do país em rede, o momento em que assumiu um papel importante durante a década de 90, a importância cada vez maior das indústrias criativas e a situação atual que Portugal se encontra.

Indústrias criativas

Em decorrência da grave crise econômica que assolou o mundo a partir de 2008, o Ministério da Cultura local, cujo orçamento não chegava nem próximo do 1% defendido pelos estudiosos, sofreu cortes gigantescos e perdeu sua autonomia durante um tempo. Em 2011, chegou a ser extinto e só foi restaurado em 2015.

Os centros e companhias culturais sofreram em demasia com a inconstância do incentivo à pasta. Mesmo com o retorno do Ministério, a verba destinada pelo governo, por volta de 0,1% do orçamento, não chega a ser suficiente para a manutenção das boas condições de desenvolvimento e infraestrutura no presente. Sem contar que a autonomia desses espaços se tornou menor.

Helena dos Santos (Crédito: Leonor Calasans/IEA-USP)

Não é à toa que, de acordo com Helena dos Santos, muitos museus, os quais já foram referências outrora, passam por uma crise financeira e estrutural graves, a ponto de terem que solicitar algum técnico de Lisboa para resolver determinados problemas ou terem que fazer uma requisição para comprarem elementos como uma caneta.

O digital teria um envolvimento amplo na ponte entre as esferas culturais e artísticas com as indústrias criativas por, assim como estas, combinar as diversas tecnologias. De um modo sucinto, entende-se que essas indústrias, as quais visam um desenvolvimento baseado na utilização da propriedade intelectual, poderiam auxiliar, por exemplo, a questão dos direitos de autor em relação aos trabalhos performativos mais “puristas” nas palavras da palestrante cada vez mais complexos no aspecto das redes.   

É nesse sentido que os papéis desempenhados pelos parques de ciência e tecnologia são fundamentais. Helena dos Santos destacou as atividades desempenhadas pelo Parque da Universidade do Porto, estrutura desenvolvida para ser autônoma, em que, com uma tecnologia estruturada por institutos internos, entre outras coisas, os alunos têm a possibilidade de refletir a relação do desenvolvimento acadêmico com o mundo exterior e, dessa maneira, desenvolver empresas com modelos inovadores (startups). Graças a essas iniciativas, para ela, é que ocorre, o já mencionado, rompimento de barreiras entre cultura e mercado, os quais precisam ser pensados de forma mais integrada.

CIC.Digital

Com exclusividade à AUN, Helena dos Santos falou sobre a criação do Centro de Investigação em Comunicação, Informação e Cultura Digital (CIC.Digital): “É um Centro que nasceu da agregação de vários outros, porque houve uma política e uma prática de trabalharmos em conjunto, ao mesmo tempo em que ganhávamos escala em termos designadamente nacionais e para projeção”.

Essa iniciativa é composta por quatro polos, cada qual em um instituto distinto: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Universidade de Aveiro e Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia.

Ao ser questionada se o CIC.Digital recebeu influências de outros Centros, Helena foi enfática: “Foi basicamente o resultado de uma política interna, isto é, da área da educação do ensino superior para diversificar e aumentar as áreas de pesquisa e ganhar escala”.

Contexto histórico

Após conviver com um regime autoritário entre 1933 e 1974, conhecido como Estado Novo e marcado pela figura de Salazar (1889-1970), Portugal teve que lidar com as drásticas consequências nos anos subsequentes.

Em sua explanação, Helena fez questão de deixar claro a situação ao relatar sobre o “fechamento extremo do país” naquela circunstância, que ocasionou retrocessos nos âmbitos cultural e, sobretudo, educacional. No momento em que a Revolução dos Cravos pôs fim ao regime, no dia 25 de abril de 1974, por exemplo, a taxa de analfabetismo era enorme e a porcentagem de pessoas formadas não passava dos 6%, fatos que levaram a pesquisadora a enfatizar a “ausência de massa crítica”.

O atraso das universidades portuguesas ficou evidente, mais de uma década depois, com a entrada do país na União Europeia em 1986. Essas instituições não tinham a infraestrutura adequada, em termos tecnológicos, como as maiores da região. De acordo com a pesquisadora, Portugal enxergava a participação no bloco como uma forma de se modernizar. Fato é que, com a admissão, houve um aumento nos programas de financiamento à cultura no país e um aumento na internacionalização educacional.

Ministério da Cultura e a Europeana

Em 1995, a Secretaria de Estado da Cultura (SEC) foi transformada em Ministério da Cultura, durante o XIII Governo Constitucional, constituído pelo Partido Socialista (PS), sob o discurso de que o “estado deveria preencher as lacunas do mercado”.

Do ponto de vista de Helena dos Santos, essa elevação, aliada ao fato do interesse da Comissão Europeia pelo digital e da influência da obra de Manuel Castells, permitiu uma infraestruturação digital na cultura institucionalizada, isto é, que o conceito de sociedade da informação passasse a ser trabalhado e um mercado digital único passasse a surgir nos documentos oficiais portugueses.

Sob esses aspectos, determinados museus e bibliotecas tornaram-se casos de sucesso ao desenvolverem portais e ao permitirem que seus frequentadores pudessem ler jornais e ver vídeos em equipamentos locais. Sem contar que Portugal foi um dos pioneiros na criação da Europeana, uma biblioteca virtual desenvolvida pelos países da UE que fornece acesso a mais de 50 milhões de itens, tais quais livros, obras de arte, entre outras produções. “Começamos tarde, mas nos inserimos nesses casos [estruturação tecnológica e digital] rapidamente”.

 

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