Estudo sobre gêneros literários valoriza obras de Fernando Sabino

Análise comparativa entre duas produções do autor apresenta a transitoriedade entre a crônica e o conto

Frase criada por Fernando Sabino para o seu epitáfio. Montagem: Larissa Fernandes

No dia 11 de outubro, completam-se 13 anos desde a morte de Fernando Sabino, escritor reconhecido por sua contribuição à literatura brasileira por meio de sua produção como cronista. Para além das crônicas, o autor também se dedicou aos contos, novelas e romances, se consagrando com a publicação de O encontro marcado, de 1956. As obras de Sabino se tornaram fonte de pesquisa do jornalista Henrique Balbi, em seu mestrado realizado no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP.

Os textos “O Homem Nu” e “A Nudez da Verdade” são os objetos de estudo do pesquisador. O segundo, é uma novela desenvolvida a partir da narrativa do primeiro. Em ambos, os personagens principais, em diferentes circunstâncias, têm a sua nudez exposta para multidões. Diante da semelhança temática, Balbi se propôs a analisar as obras com foco na questão dos gêneros literários, sem visar a categorização dos textos, pois acredita que estejam em um “espaço entre” diferentes características.

“O primeiro “O Homem Nu” foi publicado como crônica na revista Manchete. Depois, Sabino junta vários textos escritos para a revista e transforma em um livro, lançado em 1960. Já em 1993, ele publica a obra Aqui estamos todos nus, composta por três histórias, incluindo “A Nudez da Verdade”. Em 1994, essas novelas são lançadas separadamente”, explica o jornalista.

Ainda que tenha sido classificado como crônica, “O Homem Nu” também está presente na coletânea de melhores contos de Sabino. “Ele consegue aproveitar recursos da crônica: linguagem direta, ambientação cotidiana, agilidade, palavras do vocabulário comum e ainda utiliza recursos do conto: uma trama bem definida, concentrada em uma situação específica e dramática. O texto de Fernando Sabino fica no meio do caminho, entre uma coisa e outra, e é a partir disso que ele tira essa potência de significação”, afirma Balbi sobre a transitoriedade da obra.

Para o jornalista, os gêneros literários estão sob o signo do nó ou do fio. Através dessa analogia, ele explica que no caso do nó é como se o escritor marcasse um ponto específico da história em que a amarra ou desamarra. Por conta disso, segundo o pesquisador, a crônica e o conto estariam inseridos nesse signo, pois possuem a brevidade como uma de suas características, ou seja, o autor destaca um “nó” na narrativa. Enquanto a novela desenvolve uma ação dramática e, por isso, estaria sob o signo do fio, no qual uma trama é “desenrolada”.

O pesquisador também utiliza a ideia de fluido e fixo. O primeiro, remete à instabilidade e renovação e o segundo, à estabilidade e institucionalização. Os conceitos são normalmente relacionados ao suporte material: a crônica é associada ao jornal, já o conto, o romance e a novela estão mais próximos do livro.

Para além dos suportes, o fluido e o fixo se manifestam nas obras por meio do próprio enredo, com os protagonistas nus sendo um fator de instabilidade e a busca por estabilidade pela convenção social, representada pela multidão indignada. Também estão presentes do ponto de vista construtivo dos textos. “Fernando Sabino é interessante porque a prosa dele é muito fixa, é direta, mais objetiva. Nesse sentido, ele continua uma tradição. Mas, ao mesmo tempo, quando trabalha com esses gêneros, faz isso de uma forma mais fluída, cria um texto fixo que pode se encaixar na crônica e no conto”, aponta Balbi. Por isso, o jornalista afirma que as obras estariam no “espaço entre” o fluido e o fixo, com várias possibilidades de significação.

Uma das referências bibliográficas do mestrando é o semiólogo francês Roland Barthes. Apesar de não aparecer tanto no decorrer da pesquisa, Barthes apresenta uma visão importante para o trabalho, a de que a arte não precisa dar uma resposta para o mundo. Balbi reconhece isso ao comparar as duas obras de Sabino, nas quais o escritor “recomenda” finais diferentes, deixando os textos em aberto.

Na construção de seu trabalho, orientado pelo professor Fernando Paixão, o jornalista aborda a trajetória de Sabino nos diferentes momentos em que os textos foram escritos. Após alcançar o auge com O encontro marcado, o escritor abre a Editora do Autor, junto com Rubem Braga e Walter Acosta. O primeiro livro a ser publicado foi justamente O Homem Nu, revelando a importância da obra. Ainda que esteja focado apenas no texto, Balbi não desconsidera o fato dele ter dado nome ao livro, além de ter sido inspiração para a produção de dois filmes. O primeiro, é de 1968 e conta com a participação de Sabino no roteiro, enquanto o segundo, foi produzido em 1997.

Cena do filme “O Homem Nu”, de 1968 – Foto: Reprodução

Já o Aqui estamos nus e, depois, A Nudez da Verdade surgem em um contexto conturbado  da carreira de Sabino. Em 1991, o escritor publicou Zélia, uma paixão, um romance-biografia da economista Zélia Cardoso de Mello, que fora ministra da Fazenda no governo de Fernando Collor. Pouco antes do livro ser lançado, a ministra havia confiscado a poupança da população.

Devido a esse fato, Sabino foi alvo de severas críticas, a ponto de ter a sua trajetória manchada. O livro foi escrito em apenas 40 dias, o que se difere dos trabalhos anteriores do autor, reconhecido por desenvolver suas obras por um longo período. O episódio gerou dúvidas quanto o real interesse do escritor na história. Sendo assim, os dois textos analisados por Balbi foram produzidos em momentos cruciais e opostos da carreira de Fernando Sabino.

 

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