Mesmo com melhorias, Fundação Casa ainda não tem projeto pedagógico bem definido

Professor aponta que taxas de reincidência e falta de uma rede de políticas públicas geram desvios na instituição

Corredor da unidade de internação feminina Chiquinha Gonzaga, em São Paulo. Jovens transitam em espaços delimitados em horários estabelecidos. Foto: Caio Nascimento

Ao longo dos cinquenta anos de existência, a Fundação Casa ainda não atingiu o objetivo de devolver o jovem infrator à sociedade com responsabilidade. A partir de 2005, com a gestão da procuradora Berenice Giannella, o número de rebeliões caiu de 53 naquele ano para seis em 2017. Segundo o professor e especialista em medidas socioeducativas da Faculdade de Educação da USP, Roberto da Silva, a descentralização das unidades colaborou muito nesse processo. No entanto, ainda há desvios.

O pesquisador acompanha a atuação de educadores no sistema de internação e representa a USP no Conselho Curador da Fundação Casa. Ele aponta que apesar da organização seguir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ela ainda não possui um projeto pedagógico de orientação do trabalho dos funcionários que atuam lá dentro. Silva afirma que, atualmente, o foco é apenas na assistência ao interno, sem construir uma rede de trabalho com as famílias e as comunidades locais. Além disso, não há um acompanhamento do jovem após o período de internação.

O pedagogo explica que a falta dessas políticas de inclusão na sociedade é um dos fatores que contribuem para a reincidência. O ECA não prevê cuidados àqueles que saíram do sistema socioeducativo, o que leva a Fundação a entender que não é dela a responsabilidade após o adolescente cumprir as medidas que lhe foram impostas. Nos últimos sete anos, o número de regressos ao sistema aumenta progressivamente. Em relatório exclusivo concedido pela entidade, cerca de um em cada cinco internos reingressa ao sistema. “O jovem fica relegado ao abandono e sem orientação após o cumprimento das medidas. Assim, o risco de ele voltar a ser internado é relativamente alto”, aponta.

Unidade Chiquinha Gonzaga, em São Paulo. Foto: Caio Nascimento

Silva destaca que a falta de políticas públicas nos diversos setores que trazem dignidade aos jovens, como a cultura e a educação, faz com que eles voltem aos mesmos ambientes vulneráveis de onde vieram, o que estimula o retorno à delinquência. “Enquanto não for possível oferecer alternativas adequadas que constituam opções de escolha para esses adolescentes, as taxas de reincidência vão se repetir. E não só isso, mas também a passagem deles para o sistema penitenciário quando alcançarem a maioridade. Essa realidade é um problema histórico”, explica o educador.

Mudanças acompanhadas das falhas

Para reverter esse cenário, a Fundação possui diversas parcerias esportivas, profissionalizantes, educativas e culturais com o objetivo de ressocializar os infratores. Segundo a Superintendência Pedagógica da entidade, cerca de 5 mil adolescentes internos concluíram 31 cursos de educação profissional básica ministrados pelo Senac de São Paulo no primeiro semestre deste ano.

A juventude conta, também, com trabalhos de organizações não governamentais, como a Pastoral do Menor, que oferece apoio socioeducativo em meio aberto. As ONGs são responsáveis pela saúde, educação e a administração dos recursos técnicos e financeiros necessários ao atendimento, entregues pela prefeitura no modelo de gestão participativa com a Casa. No entanto, Silva afirma que quem acaba recebendo os adolescentes são os Creas (Centros de Referência Especializada de Assistência Social). “Os profissionais dos Creas reclamam dessa inconveniência. Os centros não têm informações a respeito dos processos e procedimentos a que a juventude foi submetida antes de entrarem em liberdade assistida”, explica.

Jovens durante aula de informática em regime de internação na unidade Chiquinha Gonzaga. Foto: Caio Nascimento

Silva analisa que houve boas experiências com este modelo integrado. Contudo, o conhecimento das instituições parceiras e as propostas pedagógicas não são utilizadas para treinar os funcionários e sistematizar as práticas adotadas por elas. “As conquistas dessas vivências acabam se perdendo. A proposta de descentralizar o serviço das unidades é boa, mas as formas de trabalho não são modificadas”, explica.

Educação como salvação

As aulas da Fundação Casa são dadas, muitas vezes, em espaços apertados e com pouca ventilação. Roberto da Silva aponta que o ambiente não tem impacto negativo no ensino. “Os docentes conseguem conduzir uma boa aula, estabelecem diálogos com os adolescentes, escutam sua falas e os envolvem em atividades lúdicas e produtivas”, relata. “A sala de aula é onde o adolescente se sente livre, porque sabe que os educadores não fazem parte do sistema de justiça. Eles não estão ali para vigiá-los ou fazer relatórios que determinam, ou não, a liberdade dos internos.”

O especialista afirma que a maioria dos professores se sente motivado ao lidar com os internos. De acordo com ele, há estudantes que frequentam a aula por obrigação, mas muitos aproveitam a oportunidade para tomar gosto pelos estudos, principalmente por não presenciarem bagunças comuns em salas de aula. “Diferente das escolas públicas por aí afora, eles não sofrem com a ausência de professores e estudam em classes pequenas com poucos alunos”.

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