Arbitragem ganha espaço entre empresas, mas enfrenta dilemas éticos

Método de resolução de conflito fora do judiciário possui mesmo valor de sentença judicial, mas apresenta dificuldades na escolha do árbitro que julgará o caso

Arbitragem é solução fora do judiciário. Imagem: Reprodução

A arbitragem é um método de resolução de conflitos que tem ganhado cada vez mais espaço no Brasil. Instituído por lei em 1996, o mecanismo possui o mesmo valor de uma sentença judicial e a escolha do árbitro é feita pelas partes envolvidas no processo, usualmente compostas por empresas. Com a popularidade, o método virou alvo de um dilema ético: como a escolha do árbitro, que julgará o caso, deve ser feita.

De acordo com o pesquisador Ricardo Dalmaso Marques, da Faculdade de Direito (FD) da USP, a legislação brasileira impõe dois requisitos para a  definição de um árbitro: que ele tenha capacidade civil e a confiança de ambas as partes. A primeira especificação já é determinada no Código Civil e garante que o árbitro seja maior de 18 anos, tenha sanidade, entre outras características.

Já a segunda regra pode ser interpretada de forma mais subjetiva. “O árbitro deve ser equidistante das partes e pode ser indicado tanto por elas quanto por um juiz. Se um dos envolvidos duvidar da relação da pessoa indicada com o outro, pode impugná-lo. Só que esse recurso tem que ser fundado, ou seja, é preciso apresentar motivos que comprovem a falta de confiança nesse terceiro”, explicou Dalmaso.

A escolha

O processo de arbitragem é comum entre empresas e, muitas vezes, já é previsto nas cláusulas dos contratos. A solução fora do judiciário apresenta vantagens pela agilidade, além de possibilitar que a decisão seja tomada por um especialista no assunto discutido, o que dificilmente acontece com um juiz. Normalmente, a pessoa escolhida como árbitro já é conhecida por atuar no mercado em questão, por exemplo, sócios de advocacias e professores.

“Essa possibilidade de escolha do árbitro pode causar mais problemas do que soluções. Enquanto o juiz togado é juiz para todas as causas, o árbitro é uma pessoa conhecida e influente no mercado. E não dá para esconder, é uma função mercantil”, garante o pesquisador. Dessa forma, o árbitro possui preocupações como pela própria imagem no mercado e o empenho em ser chamado para futuras conciliações, o que pode causar um conflito de interesse na hora da decisão.

Para Dalmaso, esse obstáculo no sistema de arbitragem deve ser amplamente discutido, antes que ocorra uma crise de legitimidade do modelo. “A partir do momento em que começarem a questionar o procedimento e duvidarem da sua validade, as pessoas não irão querer utilizar mais a arbitragem, e todo mundo vai voltar para o judiciário, que vai continuar generalista e bastante lento”, defende.

Solução

Em sua dissertação de mestrado, defendida em 2017, o pesquisador procurou uma metodologia para garantir que a escolha do árbitro seja segura e não prejudique nenhuma parte envolvida no processo. “O juiz, à rigor, não tem o dever de revelar nada sobre a própria vida antes de ficar à frente de um caso. Mas se ele percebe que tem uma relação muito próxima ou com a causa, ou com as partes, pode declinar por suspeição ou impedimento”, explica Dalmaso.

No caso da arbitragem, a própria pessoa indicada tem o dever de revelar informações pessoais que podem interferir no caso. O pesquisador definiu perguntas objetivas para tentar assegurar que toda a informação pertinente será disponível para as duas partes.

A primeira pergunta que o árbitro deve se fazer para definir se revela uma informação ou não é se ela é pública ou privada, ou seja, se há a possibilidade das partes descobrirem o dado sem que ele seja contado diretamente. Além disso, é importante refletir se o fato tem relação com o tema envolvido no caso e se ambas as partes estão sendo informadas de forma adequada.

“Essas premissas não garantem uma resposta objetiva para todas as dúvidas na escolha do árbitro, mas pode trazer maior segurança aos envolvidos. Acredito que quem deseja  atuar como árbitro, que é financeiramente interessante e possui uma boa reputação legal, deve arcar com algumas obrigações. Minha intenção é colocar esses pontos para discussão”, garante Dalmaso.

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