Futebol e greve de elétrons prendem atenção de alunos na aula de Física

Para especialista, enquanto educadores ficarem focados em transmitir informações, turmas continuarão frustradas e desmotivadas

Aulas focadas em transmitir fórmulas e resolver exercícios podem ser substituídas por ideias criativas que engajam mais o estudante. Foto: reprodução

O baixo aproveitamento das salas de aula quando o assunto é Física e matemática é uma realidade. O ensino ainda é muito focado na resolução de exercícios e, segundo os últimos dados do Ministério da Educação (MEC), metade dos professores do nono ano do ensino fundamental e do ensino médio das escolas públicas e privadas de todo o País não têm licenciatura na área que lecionam.

O cenário é mais grave nas exatas. Somente 27% dos docentes de física são formados na disciplina e há mais licenciados em matemática dando a matéria (29,8%).

Segundo o pesquisador de Física Escolar da USP, Ivan Gurgel, há muitos professores capacitados para reformular as aulas de ciência nas escolas. Entretanto, faltam condições trabalhistas para eles concretizarem novas ideias pedagógicas no Brasil. “Para conseguir sobreviver no Brasil, o educador precisa lecionar cerca de 50 aulas por semana. Ele não tem tempo para preparar um conjunto de materiais para levar às turmas”, explica. “Isso demanda um trabalho que vai além da sua disponibilidade de tempo e, portanto, ele acaba apelando para materiais apostilados com aulas fracas e pré-prontas fornecidas pelos colégios. Até eu, que pesquiso inovações para o tema todos os dias, faria isso em uma situação precária como essa que predomina no País.”

Estudante enquanto autor

Gurgel defende que as escolas precisam situar o aluno numa postura autoral. A partir de um debate com grupos da sala, o professor consegue levantar questões da ciência que despertam a curiosidade dos estudantes e, por meio disso, torna-se possível planejar aulas a partir do interesse geral. “É necessário fazer uma lista de experimentos que os próprios alunos podem desenvolver. Pode haver, por exemplo, experimentos sobre eletromagnetismo medindo corrente elétrica de um dispositivo, elaboração de maquetes que simulem uma instalação hidrelétrica”, orienta. “As turmas ficam numa postura muito mais ativa diante do conhecimento.”

Em seu livro A orientação das narrativas em aulas de Física, o pesquisador analisa que é comum as escolas reforçarem o estereótipo de separação entre humanas e exatas, mas é possível apresentar a física por meio das humanidades. Na obra, ele relata situações em sala de aula. “Pedi para os alunos escreverem uma história sobre como seria o dia em que a gravidade fosse alterada. Eles imaginaram situações diversas sobretudo nos esportes, como o salto à distância e o jogo de futebol”, sublinha. Outra proposta apresentada por Gurgel foi intitulada “O que aconteceria se os elétrons entrassem em greve?”. De acordo com o professor, essas iniciativas instigam a imaginação dos estudantes. “Percebi que os alunos mais próximos às humanidades estavam aproveitando e se sentindo mais incluídos nas aulas de Física, porque estavam fazendo reflexões mais próximas da realidade”, relata.

Professor como versão ‘chata’ da internet

O especialista alerta que, diferente de algumas décadas atrás, o acesso à diversos dados passou a fazer parte do cotidiano dos jovens, mas as aulas de ciências não acompanharam a mudança e continuam assumindo a função de difusoras de informação. Para Gurgel, isso não faz mais o menor sentido. “O professor se coloca no papel de transmissor de informações, tornando-se uma versão chata dos vídeos de internet e dos videogames, que são muito mais interessantes para a juventude”, assinala. “Enquanto o educador continuar insistindo nessa postura”, diz o pesquisador, “ele vai perder para o entretenimento. É uma realidade. Por isso, os alunos precisam ser desafiados a construir peças, a ter ideias e criar projetos.”

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