Pesquisa pioneira caracteriza águas do Atlântico Sul

Financiado pela Marinha, estudo partiu da primeira expedição dedicada exclusivamente ao tema

Navio da Marinha em expedição. Foto: Reprodução

Todo ano, por volta de novembro, um imenso corpo d’água submerge para as camadas mais profundas do oceano, e leva consigo a baixa temperatura que o inverno deixou para trás — logo quando os mares de todo o sul do planeta recebem irradiação abundante de calor.

Esse fenômeno tem nome e idade: chama-se “águas modais” e existe desde que há atmosfera, ainda que sua descoberta seja relativamente recente. Foi da primeira expedição oceanográfica inteiramente dedicada a coletar dados sobre elas, no Brasil, que Márcio Borges gestou sua tese de doutorado, defendida em março deste ano.

Seu trabalho determinou características básicas dessas águas, como variações de profundidade, salinidade, temperatura e espessura das camadas. Também produziu uma primeira estimativa do volume médio das águas modais do Atlântico Sul, que está entre 3,4 e 3,6 quatrilhões de metros cúbicos.

No ano em que as mudanças climáticas tornaram-se o segundo maior risco na lista do Fórum Econômico Mundial, essa massa d’água pode ajudar a medir o nível do problema. “Quando você tem mais formação de água modal, [é porque] teve invernos mais intensos. E quando você tem menos formação, ela pode ocorrer devido ao um aquecimento no oceano fora do comum”, explica.

Estratégia em alto-mar

Oficial da Marinha, Márcio aproveitou a parceria do Instituto Oceanográfico (IO) da USP com a entidade militar para formular as características básicas dessas águas na região da confluência Brasil-Malvinas, a cerca de 1000 km da costa do Rio Grande do Sul. Não à toa, a pesquisa teve objetivos estratégicos.

“[A água modal] tem impacto direto na acústica submarina, assunto de muito interesse para a Marinha”, conta Márcio. “Temos uma preocupação muito grande em produção de tecnologia de conhecimento, não só para melhorar o monitoramento das nossas águas jurisdicionais, [como] também no conhecimento do ambiente em que ocorrerá a operação futura do nosso submarino nuclear.” Ele ainda cita a construção de sonares como desdobramento possível da coleta de dados em águas profundas.

No outro lado, segundo ele, o estudo seria de interesse da USP por se tratar de um fenômeno ainda pouco pesquisado.

O programa de cooperação com a Marinha financia parte significativa da produção científica no IO, instituto que passou por cortes de orçamento ao longo da gestão Zago — somente o museu oceanográfico dispôs de R$1 milhão a menos em 2017.

Modo de fazer

Só para chegar ao local de formação das águas modais, foram cinco dias de viagem em alto-mar. Uma vez lá, Márcio — auxiliado por uma equipe oceanográfica da Marinha — lançou perfiladores em 45 pontos do oceano, painéis que ficam à deriva, colhendo dados de temperatura e salinidade ao sabor das ondas.

Isso não foi nada fácil, dado que o mar forte danificou muitos dos equipamentos no processo. “Pegamos frentes frias que geraram um mar de até 10 metros de altura, e ventos da ordem de 150 km/h”, conta o pesquisador.

Márcio também utilizou dados de satélites para incluir nas contas as trocas de calor com a atmosfera, e modelagem computacional para demonstrar que o fenômeno era passível de se repetir anualmente. Quando conversou com a AUN, afirmou estar trabalhando para adaptar a tese ao formato de artigo científico, a fim de publicar suas descobertas em revista internacional.

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