Pesquisa aponta semelhanças entre processos de posse de escravos e terras no Brasil

Estudo se baseou na leitura de 88 processos jurídicos do século 19 para extrair conclusão

Quadro de Jean Baptiste Debret (1826)

A pesquisadora Mariana Armond Dias Paes é responsável pela análise de processos da segunda metade do século 19 envolvendo a posse de terras e escravos no Brasil. A junção dos dois “recursos”, considerados os maiores da época, é novidade no país. “Apesar de juridicamente, a regulamentação da propriedade escrava e da fundiária serem muito parecidas, a historiografia, ou trabalha só com a escravidão ou só com a terra. Achei que seria interessante analisar as duas juntas”, explica.

Mariana se baseou em processos da área entre 1835 e 1889 do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (TRRJ). “Os institutos jurídicos que regulavam essas ações eram praticamente os mesmos. Quando comecei a fazer a pesquisa de arquivo com processos judiciais, tive mais certeza disso”, explicou, se referindo às similaridades entre a forma como as propriedades de escravos e terras eram tratadas.

A tese da doutoranda tem por base a leitura de 88 processos, que mostram como a relação de posse desses recursos, na prática, era mais complexa do que costumam apontar estudos baseados exclusivamente na análise da letra da lei. A pesquisa demonstra como a legislação e os textos jurídicos eram constantemente ressignificados na prática cotidiana do judiciário. Nos casos analisados foram encontradas situações em que as partes tentavam comprovar que eram donas de terras ou escravos através de documentos de documentos cuja legitimidade probatória estava ainda em aberto, como escrituras ou comprovantes de compra e venda, abrindo espaço para diferentes disputas de interpretações no judiciário.

A dificuldade para regulamentar as propriedades ainda abria precedentes para a posse ilegal desses patrimônios. Ao longo do século 19, a situação passou a ser regularizada através da implementação do conceito de título de propriedade – formas que passaram a ser consideradas legítimas para comprovar a posse.

A doutoranda está realizando parte da pesquisa no Instituto Max-Planck para a História do Direito Europeu, na cidade de Frankfurt. A doutoranda, que está no último ano da pesquisa, já possui um passado com a temática. Mariana pesquisou sobre a relação entre direito e escravidão durante a graduação em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em uma iniciação científica. Já no mestrado na Faculdade de Direito (FD) da USP, estudou a personalidade jurídica do escravos enquanto sujeitos de direito perante o ordenamento e agora, partiu para a personalidade enquanto propriedade.

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