Escolher onde publicar um artigo científico também envolve pesquisa

Busca por visibilidade no meio acadêmico demanda conhecimento de métricas, cuja importância é tema de disputa

Com a crescente quantidade e especialização dos periódicos científicos, decidir para onde mandar um artigo torna-se uma escolha complexa na produção e divulgação de ciência. (Pintura "Um Astrônomo", de Ferdinand Bol - The National Gallery, London)

A necessidade e a pressão para publicação de artigos científicos é uma realidade nas diferentes áreas do mundo acadêmico. Professores, pós-graduandos e até mesmo estudantes de graduação já se deparam com a cobrança por produtividade. Porém, nem sempre a cobrança vem junto com as ferramentas e caminhos para tal objetivo.

Como o pesquisador não tarda a descobrir, para se fazer notar no mundo da ciência é preciso conhecer aspectos do universo das publicações, como a existência de bases de dados que abrigam revistas científicas, assim como saber adaptar o uso do inglês para a escrita científica. Algumas iniciativas como o Portal de Escrita Científica da USP de São Carlos procuram reunir materiais à respeito e divulgar cursos.

Entretanto, se é preciso compreender certas regras do jogo científico, a própria comunidade científica também levanta a necessidade de se questioná-las.

Bases de dados e fator de impacto

Diante do imenso número de revistas científicas disponíveis pelo mundo, a escolha da publicação adequada para enviar um artigo é um passo importante da produção. Para tanto, um caminho é observar se uma revista está presente em bases de dados de alto reconhecimento pela comunidade acadêmica.

Estas bases de dados como a Scopus ou Web of Science, dentre outras, funcionam como um tipo especial de biblioteca científica. Elas não dão acesso direto às revistas e artigos que agregam, mas permitem que se veja qual a bibliografia citada por cada texto publicado e quantas vezes ele foi citado em outras publicações. Para serem integrados a elas, os periódicos devem respeitar determinados critérios, que podem variar a depender da coleção. Entre eles pode-se considerar, por exemplo: se a revista submete os artigos a avaliação de pareceristas da área; a diversidade de instituições que publicam na revista; a composição do corpo editorial; a pontualidade na publicação, entre outros.

A integração – ou indexação, como se diz no meio – de uma revista a uma base de dados de renome acaba servindo como um ganho de prestígio nas regras da comunidade acadêmica. E neste jogo, algumas coleções acabam adquirindo protagonismo. É o caso da plataforma Web of  Science, que reúne algumas das principais coleções de periódicos do mundo, submetidas a rigorosos critérios de seleção. Há formas diversas de se valer da ferramenta para escolher onde publicar um artigo, explica Deborah Dias, da Clarivate Analytics, empresa que gerencia a Web of Science.

A apresentação se deu inclusive num ciclo de palestras Promovidas por estudantes de pós-graduação  do departamento de Engenharia de Minas e petróleo da USP na 20ª Semana do Livro e da Biblioteca, evento organizado Divisão de Biblioteca da Escola Politécnica.

Embora o fator de impacto se calcule da mesma forma para todas as áreas, os valores diferem muito entre áreas. (Detalhe de ilustração da árvore do conhecmento por Frederic Guillaume Roth na edição de 1780 da Enciclopéda – Wikimedia Commons)

É na Web of Science que se reúnem os periódicos listados no Journal Citations Report (JCR), relatório de avaliação anual que classifica as revistas a partir do índice conhecido como fator de impacto. Este é uma das mais reconhecidas métricas de relevância do mundo científico – protagonismo que produz, inclusive, críticas e controvérsias.

Basicamente, o fator de impacto se calcula pela soma das citações que os artigos publicados em uma revista receberam num período de tempo dividida pelo número de artigos que a revista publicou nesse mesmo período. Em sua versão mais tradicional, o índice leva em conta os dois anos anteriores ao atual. Mas é possível visualizá-lo de outras formas, como no agregado de cinco anos.

Na prática, a medida produz um ranqueamento das revistas em cada área do conhecimento. É curioso observar, porém, como sua medida varia entre áreas. Como ressalta Deborah Dias, embora o índice seja o mesmo, não quer dizer que signifique a mesma coisa para cada área do saber.

Em 2016 o periódico com maior fator de impacto nos diferentes ramos da medicina em toda Web of Science foi o New England Journal of Medicine, publicação estadunidense. Os 695 artigos publicados pela revista em 2014 e 2015 receberam mais de 50 mil citações, gerando um fator de impacto de 72.4.

A medida é bastante diferente para outros campos. Na área de história e filosofia da ciência, o periódico líder em 2016 é o inglês Public Understanding of Science. Seus 134 artigos publicados nos dois anos anteriores receberam 342 citações, gerando um fator de impacto de  pouco mais de 2.5, valor minguado perto da revista de oncologia. A diferença ilustra, sobretudo, dinâmicas bastante diferentes de publicação entre campos do conhecimento.

Pesquisando publicações

O acesso a bases de periódicos, seja para descobrir onde publicar ou para encontrar material de pesquisa, nem sempre é gratuito. No Brasil, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) disponibiliza a assinatura de mais de 250 coleções  que reúnem cerca de 38 mil periódicos para as chamadas instituições parceiras.

A USP é uma delas. Além das publicações fornecidas pelo portal da Capes, a própria USP também investe na assinatura de bases de dados e periódicos. De acordo com a proposta de distribuição orçamentária de 2017, a Universidade dispunha de R$10 milhões para assinaturas de periódicos científicos e mais R$2,75 milhões para acesso online à informação.

Qualquer pessoa que desejar, mesmo que não tenha vínculo com a instituição, pode utilizar tais ferramentas a partir de computadores de qualquer biblioteca da universidade. Já para a comunidade universitária, o acesso é mais flexível. Basta conectar um dispositivo pessoal à rede da universidade, seja dentro de seus campi ou mesmo de fora, por via do acesso remoto. Uma vez na rede, há estratégias que podem ser usadas para se buscar uma revista a depender da situação do pesquisador, explica Deborah Dias.

Busca por onde publicar um artigo pode também ser feita para encontrar novas fontes de material de pesquisa (“Cientista” por Ben Shahn, 1957 – Acervo do Metropolitan Museum of Art, NT)

Se o pesquisador tiver interesse em publicar seu texto considerando o fator de impacto do periódico, é preciso consultar se a revista está ranqueada no JCR e qual sua posição. Basta acessar a página do relatório e digitar o nome do periódico. Se ele lá estiver, aparecerá como resultado, permitindo que se consulte todo o histórico do fator de impacto da publicação e que ela seja comparada com outras da mesma área. Vale lembrar que uma revista multidisciplinar pode estar categorizada em mais de uma área e obter classificações distintas em cada uma.

Do mesmo modo, é possível buscar dentro de uma área do conhecimento qual o ranking das revistas de acordo com o fator de impacto. O recurso é útil para quem conhece o tema e áreas de seu artigo, mas não sabe onde publicar. Uma busca considerando, por exemplo, as diferentes áreas da agricultura retornará 144 publicações ranqueadas. Pode-se ainda filtrar a pesquisa por país de origem da publicação, o que permitirá ver que há 13 revistas brasileiras no grupo – o que pode servir ao pesquisador que prefira publicações nacionais ou que aceitem textos em português.

De modo similar, ensina Deborah Dias, o pesquisador o pesquisador tem a opção de usar a plataforma Web of Science para procurar por tema ou palavra chave e avaliar as publicações mais relevantes e mais citadas sobre os assuntos. Deste modo é possível também encontrar o que está sendo produzido sobre determinados assunto, seja por período ou pelo número de citações recebidas por um artigo.

Impacto profundo  

O poder alcançado pelo fator de impacto não deixa de ser objeto de crítica e questionamento por parte da própria comunidade científica. O critério presta um papel muito maior do que simplesmente ranquear revistas Como mostram Paula Stephan, da Universidade da Georgia (EUA), Reinhilde Veugelers e Jian Wang, ambos da Universidade de Leuven (Bélgica), na revista Nature.

A avaliação bibliométrica serve como parâmetro de contratação e promoção de professores e pesquisadores em diversos países da Europa assim como nos Estados Unidos e China. Também pode ser usado como um dos indicadores qualidade dos cursos de pós-graduação, o que interfere na alocação de recursos públicos a universidades e centros de pesquisa. É o caso do Brasil, cuja avaliação dos cursos de pós é feita pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

 

Considerar exclusivamente o fator de impacto deixando de lado o contexto local da produção científica é um dos pontos de debate sobre a medida. (Detalhe do frontispício da edição de 1780 da Enciclopédia – Wikimedia Commons)

Entretanto, de acordo com os pesquisadores, parâmetros avaliativos baseados em curto prazo comprometem o financiamento a pesquisas de maior risco, cujo potencial de inovação é mais alto. Pesquisas inovadoras tendem a se valer de uma integração pouco usual de outros artigos, citando num mesmo trabalho periódicos raramente vistos juntos. Além disso, trabalhos que promovem revoluções ou trazem novas formas de se abordar ou resolver questões demoram cerca de três anos para alcançar um alto índice de citações. Passados 15 anos de sua publicação, tendem a permanecer mais citados. E não raro são publicados em revistas com baixo fator de impacto.

Observar apenas este índice é também problemático em termos da produção regional de ciência. Revistas com alto fator de impacto costumam ter seus artigos em inglês, o que pode invisibilizar produções relevantes em outras línguas. Torna-se assim possível um cenário em que pesquisadores brasileiros desconheçam produções relevantes em suas áreas feitas no país, mas fora do circuito das revistas de alto escalão. Do mesmo modo, pesquisas de caráter local tendem a ser menos citadas se não produzirem resultados que possam ser generalizados.

Dentre as propostas levantadas pelos debates da comunidade científica a respeito de tais questões, o manifesto de Leiden surge como tentativa de estabelecer certos mandamentos em prol de melhores práticas de avaliação. Seus 10 princípios não defendem o fim das métricas quantitativas, mas sim um uso do instrumento que seja mais aberto e sensível a contextos.

The paper is on the table

Como os principais períodos científicos do mundo estão em inglês, publicar nessa língua torna-se imprescindível para ampliar a visibilidade de um trabalho. Mas mesmo para quem domina a língua, a tarefa não deixa de ser um desafio.

Com humor, Maria Cristina Vidal Borba, especialista em escrita e apresentação acadêmica da Escola Politécnica da USP, comenta que um artigo bem redigido é importante não só pela clareza das ideias, mas para não irritar os pareceristas. As exigências de produtividade científica levam a um grande número de submissões de artigos, o que leva os avaliadores a terem de ler com rapidez, avalia a professora: “o pessoal acha que tem de encher de palavra para ficar bonito. É isso que pode irritar seu revisor”.

Por isso é importante enxugar o texto, ainda mais nas áreas mais técnicas onde a apresentação de dados e processos de laboratório tem mais peso do que a elaboração discursiva e narrativa, mais próprias às humanidades.

Ao atender alunos que buscam auxílio na redação acadêmica, Borba conta também notar um alto grau de informalidade na redação dos textos e escolhas inadequadas de palavras, o que pode comprometer o valor da argumentação e a coerência.

Um bom dicionário é fundamental no processo de escrita não só para encontrar palavras com significados adequados, mas para se atentar a outros aspectos que podem ser confusos, como a escolha da preposição mais adequada a um verbo.

Ferramentas como os dicionários online de Oxford e Cambridge podem ajudar, inclusive pelo recurso de se buscar sinônimos (o chamado thesaurus). Já outras, como o Just the Word  mostram quais combinações de palavras são mais recorrentes e usuais na língua inglesa. Assim é possível evitar os ruídos e construções que a tradução literal de uma sentença do português para o inglês pode causar.

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