Extremos de precipitação marcaram Pequena Idade do Gelo

Com foco na região sudeste do Brasil, pesquisa teve como objetivo verificar os regimes de chuva durante o Último Milênio

Gráfico que demonstra as mudanças de temperatura nos períodos do Último Milênio. Imagem: Reprodução

A definição de começo e fim do período conhecido como Último Milênio é incerta. Os cientistas e pesquisadores divergem sobre a exatidão dos números, chegando a uma aproximação do ano 850 ao ano 1850. Com foco nesse período, a dissertação de mestrado do pesquisador Igor Custódio, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP), verificou maiores ocorrências de eventos extremos de precipitação durante a Pequena Idade do Gelo, em comparação com a Anomalia Medieval do Clima.

Dentro do Último Milênio, é possível identificar duas eras bem definidas quanto à variabilidade climática: a Anomalia Medieval do Clima (AMC), e a Pequena Idade do Gelo (LIA, em inglês). A primeira, que durou de 900 a 1100, se trata de um período mais quente, enquanto a segunda, de 1400 a 1800, de um período mais frio.

A região escolhida como recorte para o trabalho foi o sudeste brasileiro, e o objetivo inicial era analisar os regimes de precipitação durante o Último Milênio, e suas possíveis padronagens.

Proxys e os modelos

Os dados que guiaram os processos da pesquisa foram os proxys, que inferem algo indiretamente através de outras variáveis. Neste caso, as medições foram feitas por datação de carbono. Através deles, recolhidos pelo Instituto de Geologia (IG-USP) utilizando isótopos de oxigênio, em especial vindos de estalagmites, foi possível fazer comparações com os dados dos modelos do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, da sigla em inglês) e verificar se estes últimos cumprem seu papel de prover uma simulação realista do clima passado.

A metodologia da pesquisa consistiu em reunir seis destes modelos e trabalhar com todos ao mesmo tempo, com base no erro médio. A justificativa é de que tais instrumentos apresentam resultados diferentes entre si. “Alguns modelos do IPCC tendem a superestimar ou subestimar a precipitação. Então, ao invés de usar um modelo só para as análises, usamos um conjunto de todos os modelos que tínhamos disponíveis. E isso melhorou substancialmente nossos resultados”, afirma o pesquisador.

Ao final do processo, concluiu-se que os modelos são eficazes na determinação dos extremos durantes os dois períodos em questão, mas não demonstram as quantidades de precipitação com tanta exatidão quanto os dados de proxys, até mesmo por se tratarem, nas palavras do pesquisador, de “aproximações de equações atmosféricas”.

No Sudeste, a agricultura

Os quatro estados da região sudeste foram escolhidos para o estudo devido à sua importância e impacto no país, segundo o pesquisador. O expressivo contingente populacional atual e a agricultura, em especial as plantações de café, são diretamente afetados pela precipitação. Ocorrência de chuvas fora da estação chuvosa, por exemplo, pode destruir toda uma safra.

A análise partiu de uma divisão da região em seis partes, que possuíam regimes de precipitação parecidos. “A gente poderia ter feito uma só média para toda a região sudeste, mas não seria representativa. Não seria realista”, afirma o pesquisador.

Efeito dos oceanos

“[Intuitivamente] você espera que no período quente chova mais”, comenta Igor, revelando que ele mesmo se surpreendeu com os resultados de sua pesquisa.

Ele explica que o comportamento dos oceanos afeta fortemente os padrões de precipitação, assim como fenômenos como o El Niño e os padrões de monções, que se acrescentam ao fato de o sudeste ser uma região de transição climática. A teoria sobre o período do Último Milênio é a de que houve um grande degelo no Ártico devido às temperaturas mais altas do AMC, o que diminuiu a densidade das águas do Atlântico Norte e, por consequência, baixou a velocidade das correntes marítimas. Deste modo, já no período LIA, as águas mais quentes do Atlântico Sul demoravam a se dissipar, provocando mais chuvas na região do sudeste brasileiro.

Estudando o passado para entender o futuro

A área de paleoclima, na qual está inserida a pesquisa, se dedica a observar os eventos do passado para construir uma base de previsões para o futuro. Entre os dados disponíveis do período do Último Milênio para serem analisados, só constam informações de variabilidade natural, desconsiderando os efeitos da ação do homem na natureza.

Assim, ao comparar tais dados com as previsões do IPCC para o futuro, é possível diferenciar forçantes naturais de forçantes antropogênicas. “O que podemos fazer é observar o passado para tentarmos nos preparar para o futuro, caso seja um cenário parecido”, avalia o pesquisador.

Atualmente, há um novo período de aquecimento, desta vez impulsionado pela ação humana, mas não se pode afirmar que os padrões da AMC se repetirão. Hoje, diferentemente dos períodos estudados, têm sido observados padrões de temperatura do Atlântico Sul mais elevadas junto ao clima também mais quente, o que potencializa as precipitações e cria espaço para a ocorrência de extremos.

Para que seja possível estabelecer projeções significativas para o futuro, Igor reitera a importância de uma instrumentalização eficiente e precisa: “não tem como fazer projeções para o futuro se os modelos não estão simulando bem o passado”.

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