Crise no ensino jurídico tem sintomas desde Brasil Império

Ensino de Direito passou por reformas durante a Primeira República, mas foram poucas as mudanças estruturais efetivas

Biblioteca na Faculdade de Direito (FD) da USP (Foto: Marcos Santos/USP Imagens)

Quem entra no curso de Direito hoje pode encontrar dificuldades no aprendizado, por conta do formato das aulas ou do conteúdo do currículo. A “crise do ensino jurídico” é um tema amplamente debatido nos meios acadêmicos atuais, mas a sua origem provém já da fase imperial do Brasil.

O mestrando da Faculdade de Direito (FD) da USP, Ariel Engel Pesso, analisou as diversas reformas que aconteceram no ensino durante o período da Primeira República (entre 1889 e 1930). As transformações na legislação, no entanto, contribuíram para poucas mudanças em termos estruturais. “Durante a graduação, temos uma noção de que o ensino do direito sempre esteve em crise. O professor San Tiago Dantas escreveu sobre a crise do ensino jurídico em um texto de 1955, em que relata exatamente os mesmos problemas e desafios que encontramos na universidade hoje em dia. Isso me chamou atenção para o tema”, conta.

Pesso conseguiu elencar alguns problemas já identificados no ensino durante o período imperial. “O corpo docente era pequeno e muitos deles não só davam aulas, mas também atuavam em outras áreas. Eram promotores, presidentes de províncias ou parlamentares, por exemplo.” Essa característica é vista até hoje nas faculdades de Direito, em que é comum um professor também trabalhar como advogado ou juiz.

“Por conta dessas questões, substitutos precisavam ocupar cadeiras da faculdade, lecionando em diversas disciplinas”, explica. Além disso, naquele período, o formato de aula expositiva já apresentava queixas e era visto como “desinteressante, repetitivo e desestimulante”, garante o pesquisador.

Reformas

O período da Primeira República foi marcado por diversas reformas na legislação do ensino jurídico. “Sempre que um novo presidente entrava no poder, existia a necessidade de reformar o ensino, na tentativa de aperfeiçoar a legislação anterior. No entanto, poucas mudanças ocorreram efetivamente”, explica o pesquisador.

A maior delas ocorreu em 1931, com a reforma que ficou conhecida pelo nome do seu criador, Francisco Campos. “Essa foi a primeira vez em que o ensino secundário foi pensado de forma desmembrada do superior. Além disso, o curso passa a ser visto dentro de um corpo universitário, com a articulação entre faculdades de Medicina e Direito, por exemplo.” É nesse contexto que a USP é formada em 1934.

Apesar das mudanças, o bacharelado em Direito teve mudanças essencialmente na grade curricular, mas questões como método de ensino e formas de avaliação não foram alteradas.

O começo da crise

De acordo com Pesso, alguns autores apontam o começo da crise do ensino jurídico na implementação do Ensino Livre, que ocorreu em 1879. Nesse modelo, os docentes tinham a liberdade para lecionar sobre o conteúdo que achassem de maior relevância, com exceção daqueles contrários à doutrina católica, enquanto os alunos poderiam frequentar as aulas que preferissem, sem frequência obrigatória.

“O resultado disso foi que as faculdades ficaram esvaziadas e muitas pessoas começaram a fazer o curso somente em busca do título, indo apenas para fazer as avaliações”, afirma o pesquisador.Apesar das problemáticas, o modelo ainda representou benefícios para a população: “O Ensino Livre criou uma abertura para todos os tipos de conteúdo nas faculdades e também para uma parte da população, que não tinha acesso por conta dos locais em que moravam.”

A reforma na legislação realizada em 1915 foi o termo final do Ensino Livre. No entanto, ele ainda foi um tema recorrente para os parlamentares até meados da década de 1920.

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