Os desafios para a implementação do Acordo de Paris

Pendências com metas anteriores e impasses para atingir novos objetivos marcam debate sobre o tema

Foto: Bruno Kelly/Folha de S.Paulo

Por Bárbara Reis, Diego Andrade, Igor Soares, Luna Bolina e Marcella Affonso

Desde setembro de 2016, após aprovação pelo Congresso Nacional, o Brasil é um dos países oficialmente comprometidos em colaborar com o chamado Acordo de Paris, primeiro tratado universal de combate ao aquecimento global, firmado em dezembro de 2015 na capital francesa. Até 17 de novembro de 2017, outras 168 nações também haviam ratificado sua participação no pacto.

Em linhas gerais, o acordo, que começa a ser aplicado em 2020, estabelece que o aumento da temperatura média mundial deve se manter abaixo dos 2 graus celsius até o final deste século isso, tomando como base os incertos “níveis pré-industriais”, relativos ao período de 1850 a 1900. Para atingir tal objetivo, o tratado determina que cada membro oficial implemente internamente, caso queira, metas individuais a serem atingidas, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas.

Quadro: Bárbara Reis

A meta brasileira é reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 37% até 2025, tomando como base os níveis de 2005, ano em que, de acordo com dados do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), foram emitidos 3,3 bilhões de toneladas  brutas de gás carbônico equivalente (CO2e) em território nacional. Para alcançar o marco, o governo pretende adotar medidas em diferentes áreas. Mas ao que tudo indica, nem todas elas mostram-se prováveis de serem, de fato, tomadas.

“Apesar de em termos absolutos não estar entre os cinco principais emissores, o Brasil é um país que ainda vai enriquecer e com isso o consumo aumentará”, pontua Sérgio Almeida Pacca, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Política e Regulação de Emissões de Carbono (Nupprec/NAP) da USP. Segundo ele, os brasileiros irão se tornar crescentemente mais responsáveis por emissões tanto no próprio país como fora dele, citando como exemplo a produção de bens na China para serem consumidos por brasileiros. “Além disso, as taxas de desmatamento são positivas, e, com isso, o carbono está deixando a biota e indo para a atmosfera. Não vejo políticas para inverter este fluxo e compensar as emissões do desmatamento”, aponta.

Fonte: UOL Educação. Quadro: Bárbara Reis

Impasses

Em relação ao uso da terra, a previsão é acabar com o desmatamento ilegal e reflorestar 12 milhões de hectares de vegetação até 2030. Nesse sentido, no dia 17 de novembro, foi anunciado pelo ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, o lançamento do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg). O anúncio foi feito em decorrência do encerramento da 23ª Conferência das Partes (COP 23) sobre mudança do clima, ocorrida em Bonn, na Alemanha. Na ocasião, também foram comunicados à comunidade internacional a redução de 16% do desmatamento na Amazônia Legal e de 28% em unidades de conservação federais, conforme dados divulgados pelo Prodes, projeto ligado ao governo federal que monitora a Floresta Amazônica brasileira por satélite.

Fonte: Prodes. Gráfico: Marcella Affonso

No entanto, de acordo com o Seeg, o desmatamento na Amazônia segue sendo o principal responsável pela elevação das emissões de gases do efeito estufa no Brasil, que, em 2016, emitiu 2,3 bilhões de toneladas brutas de CO2e, 9% a mais que o emitido em 2015 — a maior elevação em 13 anos — e o maior número desde 2008. Para Pedro Roberto Jacobi, coordenador do Grupo de Estudos Meio Ambiente e Sociedade do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, a questão central é se é possível ou não alcançar o desmatamento zero na Amazônia. Contudo, para ele, o cenário político atual do Brasil dificulta os avanços em relação ao tema. “Neste momento, num quadro de tanta incerteza política, inclusive de total indefinição de quem será presidente a partir de novembro de 2018, ficam muitas perguntas no ar.”  

Fonte: Seeg. Gráficos: Marcella Affonso

Considerando as atividades econômicas relacionadas às mudanças do uso do solo, cabe destacar o papel da agropecuária no entrave às metas do Acordo de Paris. Somando emissões diretas (22%) e indiretas (51%) provocadas, principalmente, pelos processos de digestão e de decomposição das fezes dos rebanhos bovinos e pela devastação de áreas florestadas para suas atividades —,  o setor é responsável por 73% dos gases do efeito estufa emitidos em território nacional, sendo o que mais contribui no país para o aquecimento global.

O entrave reside no fato do setor se mostrar central para o crescimento econômico do país. Apesar de ser o menor entre os três setores que compõem o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, representando apenas 7% de seu total, a agropecuária foi a principal responsável por fazer a economia nacional voltar a crescer no início deste ano, após oito trimestres seguidos de queda. Enquanto os dois outros componentes do indicador — serviços e indústria — estagnaram ou cresceram menos de 1% em relação ao trimestre anterior, o setor agropecuário teve alta de 13,4%. Vale destacar ainda que, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, dos dez principais produtos exportados, seis são relacionados ao setor — em março deste ano, as vendas relativas ao agronegócio representaram 43,5% do total das exportações do país.

Por outro lado, no que diz respeito a sua matriz energética, o Brasil está próximo de atingir sua meta. O país pretende assegurar 45% de fontes renováveis até 2030, incluindo as hidrelétricas. Nesse sentido, vale destacar que, atualmente, 43,5% da energia produzida em território nacional já provém dessas fontes, sendo a principal delas os derivados de cana-de-açúcar, parcela que representa 17,5% das fontes renováveis existentes.

Fonte: Ministério de Minas e Energia. Gráfico: Marcella Affonso

De acordo com o Seeg, as emissões vindas do setor caíram 7,3% no ano passado. Junto com ele, também apresentaram queda os setores de resíduos (- 0,7%) e de processos industriais (- 5,9%).

Dienice Ana Bini, pesquisadora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, diz que a questão da sustentabilidade na agricultura tem adquirido importância para uma parcela crescente da população. “O Brasil exporta um percentual elevado de sua produção agropecuária, então é necessário atender as demandas da clientela.” explica. “Além disso, a cobrança no caso dessa atividade é ainda mais forte devido as grandes extensões de terra ocupada e à diversidade de fauna e flora envolvida.”

Pendências

Desde 2009, vigora no Brasil a chamada Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), lei que estabelece a meta de redução de emissões de gases de efeito estufa entre 36% e 39% até 2020, tomando como base as emissões projetadas para o período, de 3,2 bilhões de toneladas de CO2e. Em outras palavras, pela lei, o país deve chegar até 2020 com emissões de, no máximo, 2,1 bilhões de toneladas de CO² equivalente, quase o valor atingido em 2016. De acordo com publicação do Observatório do Clima, entidade civil que incorpora o Seeg em sua estrutura, o país pode não conseguir atingir a meta caso o desmatamento não seja revertido.

Fonte: Ministério de Minas e Energia. Gráfico: Marcella Affonso

Crises ambientais e transparência na comunicação

Em um cenário de informações abundantes e complexas, repassar informações científicas de forma clara e explicativa, a chamada comunicação de riscos — por parte de pesquisadores e da mídia —, se torna essencial. Segundo Gabriela Marques di Giulio, pesquisadora associada ao Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, as estratégias tradicionais precisam ser repensadas para que o aprendizado seja efetivo. Ela se refere ao modelo de ação comunicacional atual como déficit de conhecimento. “Ele parte do pressuposto de que nós [experts] precisamos levar uma certa verdade para o público leigo, para tirá-lo daquela irracionalidade e permitir que ele tome decisões mais informadas”, explica Giulio. “Mas a ideia de que o público não tem conhecimento é uma mentira.”

Apesar de frequentemente não possuírem dados exatos, os indivíduos acumulam conhecimentos de outras esferas, como suas experiências pessoais e uma série de informações absorvidas dos meios de comunicação ao longo da vida.

O essencial, de acordo com a pesquisadora, é ter uma boa noção do perfil do público — seus medos e conhecimentos iniciais — para conseguir estabelecer um diálogo. “Não é possível elaborar um plano de comunicação sem ir a campo e conhecer de fato quem é esse público e, principalmente, que conexões ele faz entre aquele assunto e seu cotidiano. Como é que as pessoas estão materializando no seu dia a dia questões relacionadas às mudanças climáticas?”, questiona.

Ela aponta que, nos últimos anos, órgãos públicos fizeram esforços para serem mais transparentes acerca de protocolos relativos à mudança climática, disponibilizando online materiais como a PNMC e a Política Nacional de Adaptação à Mudança do Clima. No entanto, tais escolhas explicitam outro problema da estratégia de déficit de informação: a pressuposição de que a informação será compreendida exatamente do modo que é passada. “O público não é uma categoria única, não segue um padrão. É um grupo de pessoas com diferentes perspectivas, contextos e vivências, e esses fatores vão influenciar na interpretação das mensagens”, fala Gabriela.

Entre 2013 e 2015, a especialista investigou a percepção de gestores e tomadores de decisão de cinco grandes cidades do país (São Paulo, Natal, Manaus, Vitória e Porto Alegre) acerca das mudanças climáticas. “O que observei é que ainda há uma certa dificuldade em usar as informações obtidas na academia na tomada de decisões. É quase como se a gente observasse uma desconexão entre aquilo que estamos produzindo como informação científica e o que realmente vem sendo usado como base para políticas públicas.” Giulio acredita que a chave está em uma produção conjunta de conhecimento que possibilite que a pesquisa acadêmica esteja diretamente voltada às necessidades da sociedade e do Estado.

A cobertura jornalística também deve ser repensada. Uma análise das matérias sobre mudança climática da Folha de S. Paulo publicadas entre 2000 e 2014 evidenciou uma tendência a reportar eventos pontuais, sem que haja uma tentativa de conectá-lo ao cenário mais amplo. Ao longo dos 15 anos estudados, ela também notou uma alteração na abordagem do assunto: “Se num primeiro momento a comunicação era mais baseada no que chamamos de abordagem de risco, enfatizando o que eram as mudanças climáticas, atualmente a cobertura é mais atenta às estratégias de enfrentamento e adota um certo caráter preventivo, em consonância com o que acontece também na mídia internacional”, conta Gabriela. Acabam ganhando maior cobertura grandes eventos de discussão, como a COP, e a publicação de novas resoluções mundiais.

A pesquisadora Dienice diz que o repasse de informação clara e confiável aos produtores também é importante. Para que se atinja um cenário no qual a maior parte adota estratégias mais sustentáveis, seria necessária uma disseminação mais efetiva dos resultados positivos da adoção de práticas menos danosas, de modo que eles possam concluir sozinhos que tal esquema é melhor. “Ter a percepção que isso trará vantagem é um ponto crítico. O problema é que muitas vezes eles esperam que essa vantagem venha em maior preço de venda do produto. Quando isso não acontece, eles podem entender que não vale a pena. Por isso a importância de conhecer todos os pontos de melhoria” defende Bini.

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