Física quântica aplicada em cristal possibilita maior eficiência no transporte de energia

Resultados encontrados em estudo permitiram sua publicação em uma das mais renomadas revistas científicas da área

Cristal (titanato de estrôncio) utilizado na pesquisa. Foto: professor Júlio Jiménez

Uma pesquisa que aborda o transporte de energia térmica em um cristal pode ser um inovador passo para a utilização da física quântica na tentativa de obtenção de materiais mais eficientes na condução de energia e menos prejudiciais ao meio ambiente. O artigo da pesquisa, realizada por um docente do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), Júlio Larrea Jiménez, em conjunto com outros profissionais da área, foi publicado no dia 22 de março na Physical Review Letters. A revista, fundada pela Sociedade Americana de Física (APS), é uma das mais renomadas revistas científicas e visa avançar e difundir descobertas de impacto nas ciências físicas.

O estudo utiliza o titanato de estrôncio (SrTiO3), um composto em formato de cristal conhecido justamente por sua estrutura atômica organizada. O composto foi estudado medindo propriedades físicas, como a condutividade térmica e o transporte elétrico, em uma ampla faixa de temperatura, e passou por dopagens, ou seja, foram introduzidas pequenas quantidades de outros átomos que forneciam elétrons a ele. “Cristais puros não têm elétrons disponíveis, não conduzem corrente. A adição de elétrons permitiu descobrir que esse sistema pode ser um supercondutor em temperaturas baixíssimas, como 2K, que equivale a -271°C”, explica o professor Larrea.

A principal descoberta do artigo científico foi a presença do efeito Poiseuille no cristal puro (sem dopagem), fenômeno raro de ser encontrado em sólidos. “O efeito Poiseuille se manifesta basicamente como o transporte de fônons, que são vibrações coletivas dos átomos, conservando sua quantidade de movimento. Isto sugere um transporte de pulsos de calor dentro do material sem perda significativa de energia”, esclarece Larrea.

Normalmente, é preciso uma diferença de temperatura para que haja fluxo de calor, por isso, a peculiaridade do titanato de estrôncio abre novas possibilidades de estudo. “Imagine poder produzir no futuro um material que, somente com uma pequeníssima mudança de temperatura, seja capaz de gerar corrente elétrica”, exemplifica o professor.

A pesquisa busca compreender o que ocorre no nível quântico desses materiais, ou seja, em dimensões próximas da escala atômica. No entanto, Larrea afirma que é o primeiro passo para ser possível alterar a configuração dos materiais visando a obter eficiência no transporte de carga elétrica, seja ela como calor ou como corrente elétrica. “Quando temos um fio condutor, por exemplo, sabemos que uma grande quantidade de corrente se dissipa por meio do calor. Seria ótimo existir um fio que transporte essa corrente sem perda de calor e com máxima eficiência”.

A melhora no rendimento elétrico também poderia implicar em um menor impacto ambiental. “Podemos trabalhar com condução de corrente em grande escala”, conta o professor. “Grandes usinas hidrelétricas e reatores nucleares seriam menos necessários, pois se transportaria energia de modo mais eficiente. Poderíamos produzir materiais mais duradouros e menos poluentes”. Usar fenômenos quânticos em aplicações futuras, como o efeito Poiseuille em fônons, traz motivações aos pesquisadores que vão além do entender a física quântica, e a possibilidade de progresso com as pesquisas é otimista.

Larrea ainda ressalta a enorme contribuição dos outros autores do artigo, Valentina Martelli e de Kamran Behnia. A pesquisa teve início no Rio de Janeiro, com o apoio do grupo da professora Elisa Baggio-Saitovitch do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), e continuará sendo realizada no IF-USP, em São Paulo. “É importante salientar que conseguimos fazer o estudo com condições que não eram de ponta, já que existe, atualmente, um problema sério de infraestrutura e financiamento no Rio de Janeiro”.

Assim como em qualquer método científico, a pesquisa exige muita precisão e dedicação, mas a repercussão positiva recompensa grande parte do esforço: “Sabíamos que era um tema interessante, mas não sabíamos o impacto que isso viria a ter. Foi muito inesperado que o artigo fosse publicado como sugestão do próprio editor da Physical Review Letters”.

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