Ayahuasca pode auxiliar no tratamento da depressão, indica estudo

Mais que um alucinógeno, a bebida possui também potencial como antidepressivo. Ilustração: Gabriela Teixeira

O líquido é marrom, denso e de sabor amargo, o que pode tornar sua ingestão um tanto dificultosa. Nada disso, porém, impediu a popularização da ayahuasca, também conhecida como chá de Santo Daime. Produzida a partir da mistura do cipó-mariri (Banisteriopsis caapi) com as folhas do arbusto chacrona (Psychotria viridis), a bebida de origem indígena é célebre entre algumas comunidades religiosas, mas vem atraindo atenções também do meio científico por causa de sua possível eficácia terapêutica no âmbito da saúde mental.

Em uma pesquisa inédita realizada pelo Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), sob a coordenação do professor Jaime Hallak, foram estudados os efeitos da bebida em pacientes que sofriam de depressão recorrente. Utilizando uma única dose oral variável entre 120 a 200 ml (o equivalente a um copo americano) para cada um dos 17 voluntários, os pesquisadores analisaram de que maneira o cérebro de cada paciente respondia à ayahuasca e também como ela alterava os sintomas da depressão. Para isso foram feitas tomografias antes e após a ingestão da bebida, além de constantes verificações dos batimentos cardíacos e da pressão arterial. Um psiquiatra também acompanhou o desenvolvimento da experiência fazendo uso das chamadas Escalas de Depressão. Em formato de questionários, “estas escalas descrevem sintomas relacionados à depressão, ansiedade, e possuem determinadas pontuações que sugerem certos estados subjetivos, como, por exemplo, efeitos antidepressivos”, explica o professor Rafael Guimarães dos Santos, integrante do grupo de pesquisa.

Os resultados obtidos a partir das avaliações das escalas demonstraram reduções significativas nos sintomas da depressão após intervalos de 40 a 180 minutos do consumo da ayahuasca. Também se notou um aumento no fluxo sanguíneo em áreas do cérebro comprometidas com o controle das emoções, o que teria sido causado pela dimetiltriptamina (DMT). Presente na folhas da chacrona, esse princípio ativo não apenas é o responsável pelos efeitos psicodélicos da infusão, mas também atua nos receptores de serotonina, um neurotransmissor ligado a regulação do emocional humano. “Tratamentos com antidepressivos tradicionais produzem alterações nestas áreas cerebrais, e a ayahuasca parece atuar de maneira semelhante”, esclarece Guimarães. Quanto a impactos negativos, o principal efeito adverso observado foi o vômito, que, apesar de ter ocorrido em 47% dos pacientes, não comprometeu o andamento do experimento.

Contudo, apesar de benéficos, os efeitos da ayahuasca não duraram mais que três semanas. Ainda assim, como demonstrado em um acompanhamento realizado entre janeiro e maio de 2017, e publicado na revista Archives of Clinical Psychiatry, mesmo após os quatro anos passados desde a experiência, os voluntários ainda a consideram extremamente positiva, manifestando também o desejo de experimentar a ayahuasca outra vez. Questionado sobre a possibilidade de um prolongamento dos efeitos, o professor Guimarães explica que, para tanto, seria preciso a realização de novos testes, variando as dosagens e tendo também a presença de um segundo grupo, que faria uso de um placebo.

Já no que diz respeito à incorporação das substâncias da ayahuasca em medicamentos antidepressivos, ele se mostra um tanto incerto: “Como uma medicação comum acho difícil, porque são substâncias delicadas, que não devem ser administradas de qualquer maneira e sem um mínimo de segurança. Os efeitos subjetivos podem ser intensos em alguns casos, portanto é necessário um contexto seguro”. A hipótese, entretanto, não é totalmente descartada: “O fato é que a ayahuasca já está sendo usada de forma terapêutica há décadas, estamos apenas tentando entender melhor quais são estes efeitos. Talvez a ayahuasca um dia seja reconhecida e integrada formalmente e oficialmente entre nossas plantas medicinais, quem sabe?”, completa.

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