Imitar corais auxilia no preenchimento do Censo marinho

Técnica moderna de estudo da vida recifal é reintroduzida no Brasil depois de uma década

Unidade de ARMS recém instalada em um recife de corais. Crédito: http://arms.biocodellc.com/

Há doze anos, no atol havaiano French Frigates Shoals, cientistas do projeto internacional Census of Coral Reefs (CReefs) estrearam uma ferramenta de pesquisa que tem aprimorado a oceanografia biológica. Os autonomous reef monitoring structures (ARMS) aparenta ser um cubo fatiado, de oito a dez placas de PVC empilhadas por parafusos que as conectam a uma base. Eles são utilizados para estudar a vida críptica coralina, ou seja, os seres cujo habitat é o interior dos corais.

Tito Lotufo, ainda professor da UFC, participou da expedição do CReefs na coleta e na análise das amostras de ascídias (uma das classes de cordados que não desenvolvem espinha dorsal). Na pesquisa em campo, a qual ocorreu entre 10 e 26 de outubro de 2006, coletou-se parcela da vida críptica da região por meio de diversos procedimentos. Dentre eles, o com uso de ARMS.  

Foi Rusty Brainard, coordenador da expedição, quem apresentou ao pesquisador brasileiro os ARMS. Mais de uma década depois, Lotufo, como pesquisador do Instituto Oceanográfico (IOUSP), tenta efetivar o uso do equipamento no Brasil.

O estudo da vida nos corais

Segundo o artigo Species Richness on Coral Reefs and the Pursuit of Convergent Global Estimates, de 2015, mais de 8% — até 1,3 milhões — de todas as espécies marinhas vive dentro dos corais.

Para se ter acesso a essa fauna, sempre foi necessário remover os corais e cuidadosamente quebrá-los em pequenos pedaços. O ecossistema coralíneo, entretanto, geralmente apresenta um crescimento lento, e tem sofrido com as ações antrópicas.

Os ARMS foram desenvolvidos pela National Oceanographic and Atmospheric Administration (NOAA) como uma variação dos métodos de monitoramento biológico por placas com o foco na fauna críptica. De fato, o surgimento dessas estruturas pode ser traçado desde 2004, quando os cientistas Todd Zimmerman e Joel Martin realizaram experiências nas Ilhas Virgens Britânicas.

 

Em seu protótipo, também chamado de ARMS, Zimmerman e Martin utilizaram placas feitas de concreto, além de acrescentar outras estruturas de captação. Crédito: Todd Zimmerman e Joel Martin

Como Lotufo explica em seu projeto de pesquisa financiado pela Fapesp, os ARMS “são parafusados a uma base robusta que permanece fixada ao substrato. A estrutura é recrutada por diversos organismos, e o interior da estrutura serve de abrigo a componentes da fauna críptica”. Isso acontece, pois o espaçamento reduzido entre as placas reproduz, de certo modo, a matriz recifal.

Porém, “como nem todos os organismos da matriz recifal recrutam nos ARMS, temos que continuar quebrando coral, mas em uma frequência bem menor”, destaca o pesquisador em entrevista.

Por volta de um ano instalada, uma unidade de ARMS pode conter até centenas de espécies diferentes. Crédito: http://arms.biocodellc.com/

Assim, torna-se possível estudar esse ecossistema sem agredir ao meio ambiente. Mas, as implicações científicas e ecológicas não se limitam às suas placas quadradas de 225mm x 225mm x 6,3mm.

Censo marinho

O CReefs faz parte da iniciativa científica internacional do Census of Marine Life (CoML), que foi iniciado em 2000. Seu objetivo era catalogar a vida nos diversos ecossistemas marinhos em um período de dez anos. Tal proposta aparenta ser pretensiosa ou utópica, mas há necessidade de uma grande investida na área da taxonomia.

Os artigos How many species are there on Earth and in the ocean?, de 2011, e The magnitude of global marine species diversity, de 2012, divergem quanto à porcentagem de espécies marinhas não nomeadas na incrível faixa entre 33% e 91%. Para Lotufo, se considerar apenas fauna críptica e microorganismos, o valor estaria provavelmente próximo aos 91%.  

O CoML aportou um grande volume de informações ao Ocean Biogeographic Information System, que contém informações sobre 120.000 espécies diferentes. O suporte de um banco de dados é importante para qualquer grupo de pesquisa, pois o DNA das espécies analisadas é armazenado como parâmetros para estudos posteriores.

No caso de um estudo com ARMS, Lotufo explica: “o material genético é enviado para sequenciamento. Assim, tem-se o DNA de todos os organismos que incrustaram na estrutura. E, com técnicas de bioinformática, descobre-se quais os organismos identificados e quais as sequências de DNA ainda desconhecidas que foram encontradas nos ARMS”. Essa técnica é chamada de metabarcoding.

Facilitando a identificação de novas espécies ou de diversidade intraespecífica, é possível também perceber — em curto espaço de tempo — alterações nas comunidades recifais. Dessa forma, se pode monitorar a condição do ecossistema e gerar alertas caso mudanças importantes sejam detectadas.

Indicações da NOAA para o uso do equipamento

Os ARMS normalmente são instalados em conjuntos de três, distando poucos metros entre si. Costuma-se usar vergalhões (uma barra de aço com superfície nervurada) de aço inox para fixá-los aos corais. O período de submersão, ou seja, de coleta amostral deve ser por volta de um ano. Já há um protocolo bem estabelecido para a substituição dos ARMS e o processamento dos organismos incrustantes.

Os organismos móveis são removidos com pincéis, divididos por tamanho de maneira arbitrária com o uso de uma peneira e, depois, coletados individualmente. A fim de preservá-los para a retirada de seu DNA, eles podem ser enxaguados em água do mar filtrada, por exemplo, e posteriormente congelados ou preservados em álcool.

Crédito: https://www.youtube.com/watch?v=p7d9Iee0AQg

A vida séssil, ou imóvel, por outro lado, demanda diversos meios para retirá-la das placas. O mais efetivo e econômico é o indicado pela NOAA, o qual envolve apenas o uso de água do mar filtrada. Os outros meios implicam o emprego de etanol. A melhor solução para preservar o DNA dos organismos sésseis é composta por dimetilsulfóxido.

A fauna séssil incrustada é mais difícil de ser retirada das placas. Crédito: http://arms.biocodellc.com/

Esquecidos em Abrolhos

O recife cuja área compreende o sul da Bahia e o norte do Espírito Santo, em 2009, tornou-se o cenário da primeira e até então única instalação de um conjunto de ARMS no Atlântico Sul. Foi um projeto da Rede Abrolhos, que envolveu pesquisadores do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e de outras instituições. Os ARMS, entretanto, permaneceram submersos por mais de um ano, inviabilizando o monitoramento.

“Acredito que não conseguiram analisar de forma prevista por questões logísticas e de recursos”, opina Lotufo. O também pesquisador do IOUSP Arthur Guth fez parte do projeto. Ele explica que não havia recurso disponível para o processo de retirada do equipamento dentro do período adequado. “Os ARMS não constavam originalmente no projeto, o Pró-Abrolhos. Eles foram incluídos oportunamente, mas não surgiu um plano e nem recurso para recuperá-los em um ano depois de instalados”, revela Guth.

A retomada dos ARMS no Brasil

A Fapesp anunciou a aprovação da proposta de Lotufo em fevereiro deste ano. Os ARMS serão instalados na ilha de Alcatrazes (São Sebastião) e nas ilhas Anchieta e de Palmas (ambas em Ubatuba). Lotufo escolheu Unidades de Conservação, pois o acesso é restrito e os ARMS serviriam como sentinelas de impactos nessas áreas de preservação.

“Precisamos inicialmente construir uma base de dados para poder fazer o metabarcoding. Então, nessa primeira etapa, vamos colocar os ARMS pelo período de um ano. Nós vamos ter que identificar também morfologicamente todos os organismos incrustados para gerar uma base de referência”, explica o professor.

Os R$ 199.299,53 solicitados foram financiados pela Fapesp ao projeto, previsto para o período de dois anos (período máximo para um projeto de auxílio individual da Fapesp). Mas, Lotufo pensa para além de 2019: “A ideia é, nesses dois anos, implementar o método, verificar se ele é adequado para a realidade as ilhas costeiras. Daí para frente, é pensar no monitoramento de longo prazo”.

O pesquisador complementa: “uma vez com essas estruturas dos ARMS instaladas, a gente só vai precisar repô-las anualmente. Assim, o custo diminui. Ainda haveria os gastos com logística e com sequenciamento de material genético. A ideia é que as próprias Unidades de Conservação ou projetos mais abrangentes passem a cobrir esses gastos”.

Desde que voltou dos Estados Unidos (onde trabalhou com ARMS) em 2011, Lotufo tenta, como membro, implementar o uso da ferramenta no Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração e no Programa Pró-Arquipélago. Mas o montante destinado para esses projetos nunca permitiu sua implementação.

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