Manuscrito sobre pintura de 1696 tem edição modernizada em português atual

Primeiro fólio do tratado original. Disponível em: https://brbl-dl.library.yale.edu/pdfgen/exportPDF.php?bibid=10075634&solrid=3590734

Um documento de extrema importância para a história da arte agora está disponível para ajudar nos estudos de história da arte e de pintura. A transcrição feita em uma pesquisa no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) transcreveu o documento para o português atual. Um tratado de 1696 que pedia pela criação de uma academia de artes em Portugal e uma maior valorização da pintura como forma de arte agora está acessível a qualquer leitor da língua.

Existe um mundo relativamente escondido de nós por causa de sua linguagem. Manuscritos não são fáceis de entender e de se transcrever, mas guardam, cada um com sua particularidade, um universo de informações. Podem também contar histórias incríveis e nos ajudar no dia a dia.

Félix da Costa escreveu um tratado — documento que estuda e discute um assunto — que fala sobre a arte da pintura. O intitulado “Antiguidade da Arte da Pintura” foi escrito com o objetivo de valorizar essa arte no qual cita pintores portugueses importantes da época. Mas foi redigido, principalmente, para chamar atenção para o fato de que Portugal, no século XVII, era um dos únicos países da Península Ibérica que ainda não tinha uma academia de artes que possibilitasse o estudo dos artistas.

O documento é valioso, pois permite uma avaliação do cenário português da época, que tinha uma grande tradição em literatura mas não dava tanta atenção à pintura e outras formas de arte. “Daí veio a decisão na qualificação do meu mestrado: fazer uma edição modernizada e publicá-la para que os estudantes de artes plásticas, história da arte e demais interessados tenham acesso a esse documento”. Monica Messias Silva, formada em Letras pela FFLCH, fez um trabalho minucioso que durou três anos para transformar o manuscrito de Félix da Costa — escrito originalmente em português seiscentista — em português moderno. Com isso, permite que qualquer estudante seja capaz de ler e entender o contexto do país que tanto influenciou o mundo em suas tradições artísticas.

Nada se cria, tudo é um padrão

Silva se especializou na área de filologia, que, segundo ela, pode ser rasamente descrita como o estudo da história da língua. Ela não se limitou a transcrever o documento para uma linguagem que todos os falantes de português pudessem entender. Seu estudo foi mais a fundo e encontrou uma estrutura maior por trás do texto de Félix da Costa.

Hoje, quando se é pensado em uma forma clichê de escrever um texto, pode-se pensar no argumentativo. Introdução, desenvolvimento com argumentos e uma conclusão. É um formato esperado e que tem um reconhecimento no mundo das redações de vestibular.

Os antigos tratadistas também seguem uma forma chamada lugar-comum, “um modus operandi discursivo em que a gente não fala de inspiração, falamos de escolhas elocutivas baseadas na retórica antiga”, segundo Monica. O formato, usado por grandes tratadistas como Félix da Costa, Francisco de Holanda e Leon Battista Alberti, vem de Cícero (um dos maiores oradores e escritores em prosa da Roma Antiga), que, do mesmo modo, retoma a retórica de Aristóteles em 400 a.C.

Nessa volta à história, também se chega a Quintiliano, orador e professor de retórica que escreveu a “Instituição Oratória”, uma série de 12 livros que descrevem e ensinam como deve ser um bom orador.

Quando Félix da Costa, no começo de seu tratado, fala que Deus foi o primeiro pintor no mundo e, dentro de seu texto, lembra como os nobres apreciam a pintura, ele opera um lugar-comum da oratória e faz com que seu tratado ganhe mais credibilidade. Com isso, tem mais chances de que o tratado alcance mais pessoas e os políticos influentes possam criar uma academia de artes em Portugal.

Esses argumentos eram muito presentes e importantes para se fazer um discurso convincente na época: “Não podemos esquecer que estamos numa Europa contrarreformada. O poder da graça da igreja é o que rege um argumento de poder na Península Ibérica no séc XVII”. A pesquisadora completa, “não necessariamente só o lugar-comum dos nobres serem adoradores da arte vai ser suficiente para elogiar a pintura e mostrar o quanto ela é importante”.

Monica, depois de analisar meticulosamente cada um dos 300 fólios (páginas, quando se fala em manuscritos), produziu um texto que não altera, na medida do possível, o tom do tratado original. Em seu doutorado, pretende analisar os elementos sintáticos do mesmo texto.

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