Pesquisador analisa como políticas de imigração interferem no relacionamento entre sociedade de acolhida e imigrantes

Augusto Veloso Leão aborda impacto das políticas nos relacionamentos sociais e faz análise comparativa entre São Paulo e Bruxelas

Imagem de capa de cartilha divulgada pela Prefeitura de São Paulo em 2016. Disponível em sete idiomas, é um guia que auxilia os imigrantes no acesso a serviços públicos e associações, além de exemplo do esforço a nível municipal no avanço da pauta (Fonte: Site da Prefeitura de São Paulo)
Imagem de capa de cartilha divulgada pela Prefeitura de São Paulo em 2016. Disponível em sete idiomas, é um guia que auxilia os imigrantes no acesso a serviços públicos e associações, além de exemplo do esforço a nível municipal no avanço da pauta (Fonte: Site da Prefeitura de São Paulo)

A maneira pela qual uma sociedade de acolhida se relaciona com uma população de imigrantes está relacionada com as políticas públicas a esses destinadas pelos governantes e também influencia nas políticas que podem ser futuramente construídas. Analisar essa relação entre o reconhecimento legal dos direitos imigrantes e a estima social deles na sociedade, isto é, a maneira pela qual são vistos e acolhidos, especialmente no caso da cidade de São Paulo, foi tema de tese de doutorado de Augusto Veloso Leão no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI/USP). Ele realizou também uma análise comparativa entre as políticas migratórias de São Paulo e Bruxelas.

Augusto, além de pesquisador do tema, atua politicamente no debate das políticas migratórias, tendo já participado de conferências municipais e de movimentos sociais sobre o tema: ele se autodefine como quem passou de pesquisador observador para a posição de pesquisador atuante. Se interessou sobre o tema ao observar a demanda de políticas públicas por parte desses grupos. Sua motivação foi enxergar a relação entre o debate público e o político: “queria analisar se, por exemplo, uma lei mudasse, se isso mudaria a forma com a qual as pessoas se comunicavam em relação aos migrantes”, diz, acrescentando que sua hipótese inicial era de que as políticas públicas teriam impacto na forma desses relacionamentos na medida em que elas poderiam garantir ou deixar de garantir direitos.

Um dos principais pontos que  cita é o grau de dependência que a população imigrante teria de instituições brasileiras. Até a recente Lei de Migração, de maio de 2017, os imigrantes não tinham direitos políticos — portanto, se tinham alguma demanda, era necessário que algum órgão ou representante político brasileiro se interessasse pelo assunto para que ela fosse resolvida. “É muito complicado você esperar que alguém dê voz a essas pessoas ao invés de dar essa voz para elas mesmas”, diz. Reitera a importância da possibilidade da atividade política: “Se os imigrantes tivessem uma atividade política maior, muitas demandas seriam mais facilmente resolvidas. É essencial ter consciência de que o que você determina em lei vai ter aplicações práticas muito significativas para os imigrantes e a sociedade de acolhida”, diz.

São Paulo versus Bruxelas

A fim de comparar tanto a estima social quanto às políticas imigratórias de São Paulo, o pesquisador escolheu Bruxelas, capital da Bélgica. Ele explica os motivos: “São Paulo era uma cidade que, na época da minha análise (2010-2017), ainda estava formando sua política. Bruxelas já estava mais consolidada”, diz, ressaltando, porém, que a Bélgica possui vários níveis diferentes e autônomos de poder que refletiam em diferentes políticas ao longo do território. “Bruxelas e a Bélgica se tornam também uma escolha interessante porque na região Norte, de Flandres, já havia uma política mais consolidada, enquanto no Sul, ainda estava em formação”.

Sobre essa comparação, ele conclui: “Fazer essa comparação era uma boa forma de mostrar que, tendo diferentes casos e realidades, a forma de relação entre o imigrante e a sociedade era definida por causa da política e ajudava a defini-la. Uma vez que eram duas sociedades, duas culturas diferentes que se relacionam com os imigrantes de maneira distintas, a expressão disso eram políticas públicas diferentes”.

São Paulo e Brasil — e o que a cidade tem feito de mais concreto

Ao fazer uma comparação entre as políticas públicas a nível local e nacional, Augusto percebeu que o panorama da mudança de São Paulo estava sendo muito mais rápido e promissor. “Discutiam-se mudanças na política nacional há mais de 20 anos, mas só se conseguiu modificar a legislação a partir do interesse maior que a cidade de São Paulo demonstrou. Isso está aliado ao fato de ela receber um grupo grande de imigrantes haitianos”. Sobre as políticas mais concretas já realizadas por São Paulo, ele cita políticas de enfrentamento a condições precárias de trabalho — como aquelas que podem ser observadas na indústria têxtil —, a realização de conferências municipais abertura de vagas para os imigrantes nos Conselhos da Cidade, bem como aprovação e sanção de uma lei (Lei 16.478 de 8 de julho de 2016) que define quais são os princípios de atendimento à população imigrante no município. “São Paulo tem uma atuação especial não só porque apresenta uma grande população imigrante, mas também por uma compreensão de que eles fazem parte da história da cidade”, acrescenta Augusto, citando as imigrações italianas, japonesas, dentre outras. Isso se refletiria em uma percepção diferenciada do relacionamento e, portanto, em mais políticas públicas.

O pesquisador analisa, ainda, em entrevista à AUN, a estima social que São Paulo tem com a população imigrante. Este termo que usa em sua tese define como “o reconhecimento da sociedade de acolhida sobre as contribuições que a população imigrante tem ou pode ter para essa sociedade”. Uma estima positiva reconheceria que os imigrantes são, por exemplo, uma oportunidade de potencialização da economia e de aprendizado com a diversidade. Uma negativa os enxergaria como ameaça. “São Paulo é uma cidade muito grande e diversa. De certa maneira, faz parte do imaginário coletivo da cidade que os imigrantes tenham uma contribuição muito grande, muitas vezes historicamente reconhecida.”, explica, embora ressalte o fato de que contribuições de migrações mais recentes, como a bolivariana e a haitiana, não têm o devido reconhecimento.

“Para pensarmos em uma política pública que sirva efetivamente para que os imigrantes se integrem na sociedade e tenham boas condições de vida e direitos garantidos, não podemos pensar somente nas leis e em sua descrição. Temos que pensar em como elas irão refletir no relacionamento entre a sociedade de acolhida e os imigrantes”, conclui Augusto.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*