Mapeamento identifica presença de vírus emergente no Brasil

Pesquisadores encontraram resultados sorológicos positivos para vírus Nipah

Transmitido por morcegos, o vírus Nipah é considerado uma ameaça, que necessita de muita pesquisa para ser controlado - Ilustração: Gabriel Bastos

Após anos de estudo mapeando o vírus do Oeste do Nilo — pouco comentado no Brasil — , uma pesquisa do Instituto de Ciências Biomédicas da USP detectou um outro vírus emergente no mundo todo e que já estaria presente no País. As amostras colhidas em 2010 apontaram um resultado positivo para a presença de um vírus similar ao Nipah, considerado novo, e que está na linha de frente na prioridade das pesquisas científicas mundiais.

A pesquisadora Tatiana Ometto, que faz parte do grupo de pesquisa desde sua iniciação científica, e é agora responsável pelo estudo, comentou sobre seus resultados: “A gente conseguiu fazer um achado surpreendente de sorologia. Vimos que alguns morcegos brasileiros estavam com anticorpos para um vírus similar ao Nipah”.

Com amostras sorológicas de diversos animais de todos os biomas brasileiros, o grupo de pesquisa detectou que o “Nipah-like” — como tem sido chamado — teria entrado em contato com morcegos de uma região do estado de Minas Gerais. De acordo com Tatiana, não há uma preocupação imediata no Brasil, mas ainda assim, é uma descoberta surpreendente.

“Não estávamos encontrando resultados satisfatórios com os flavivírus (até então, a linha de pesquisa principal, com o Oeste do Nilo), mas após esse resultado surpreendente, mudamos o foco do estudo para analisar esses outros vírus emergentes e encontrar alguma coisa”, afirmou a pesquisadora. Agora, por questões de segurança envolvendo a tecnologia laboratorial, a pesquisa vem sendo realizada num laboratório de altíssima segurança, numa parceria com o CDC – Center for Disease Control and Prevention (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), em Atlanta, EUA, e com o apoio financeiro para pesquisas no exterior da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Sobre uma possível circulação do vírus pelo País, a pesquisadora declarou que ainda é muito cedo para tirar conclusões: “Ainda não conseguimos afirmar que o Nipah tá circulando no Brasil. A gente só consegue afirmar que tivemos sorologia positiva e temos que estudar para entender o que está acontecendo”. Resta a necessidade de compreender melhor o que está acontecendo no Brasil e ter um parâmetro maior da doença, que ainda é pouco discutida.

Uma das características que já se tem conhecimento do Nipah, é que a contaminação pode ocorrer de forma rápida, com um simples contato próximo, e que no corpo humano ele provoca febre hemorrágica, encefalites e problemas respiratórios. Para além disso, pouco se sabe sobre o assunto, e é por isso que a Organização Mundial da Saúde (OMS) determinou que ele é uma das prioridades na pesquisa científica mundial para 2018. “Meu trabalho aqui está sendo justamente aprofundar essa pesquisa para a gente tentar entender o que está acontecendo. Se vamos ter outros resultados positivos ou não, não sabemos, porque a pesquisa ainda está muito no início”, declarou Tatiana.

O projeto de pesquisa em Atlanta se estende até o final do ano. Ainda não é possível concretizar resultados, por ser um estudo muito recente, mas a expectativa é que até dezembro seja possível fechar um quadro de análise sobre as amostras brasileiras, conforme conclui Tatiana: “Ainda estamos começando. Mas é uma caminhada longa, de um ano. Temos esse período para conseguir entender mais sobre esses vírus emergentes e como que está a situação brasileira”.

Como tudo começou?

O caminho até o “Nipah-like” foi mais um acaso do que algo intencional, afinal, os pesquisadores não imaginavam que poderiam se deparar com algo do tipo. Isso porque a pesquisa original, que coletou as diversas amostras provindas da fauna brasileira, era destinada a mapear o vírus do Oeste do Nilo, flavivírus que motivou anos de muita pesquisa, desde 2005, quando tudo começou.

O desejo do grupo era mapear a possível chegada do vírus ao Brasil, principalmente após um surto da doença em Nova York, EUA, em 1999. Depois disso, o vírus se alastrou por todo o País, e havia um receio de que ele viesse ao Brasil através de aves migratórias, pelo fato de serem reservatórios do vírus.

Contudo, após a chegada do vírus na América do Sul, foram poucos os resultados que apontaram para a presença do Oeste do Nilo no Brasil. Além disso, com outros flavivírus pelo país (como Zika, Dengue e Febre Amarela), há a crença de que o vírus possa estar circulando nacionalmente, mas que seja mascarado pelos outros, com sintomas parecidos.

O primeiro caso humano de Oeste do Nilo registrado no Brasil foi em 2014, quando um senhor foi diagnosticado com a doença — mas apenas devido a uma pesquisa pessoal do médico responsável, caso contrário, poderia ter passado despercebido. O paciente sobreviveu, porém, ainda guarda sequelas neurológicas da doença, que o deixou com uma paralisia facial. Após isso, uma constatação sorológica foi feita, confirmando a presença do vírus na região.

Para além de efeitos negativos como um problema de saúde pública, Tatiana costuma dizer que o Oeste do Nilo também causa problemas de saúde econômica. O vírus, quando hospedado em equinos, acaba provocando uma mortalidade muito maior que nos casos humanos, de aproximadamente um a cada três cavalos. É como se os cavalos fossem os hospedeiros acidentais e finais da doença.

“Se um cavalo tiver a doença, ‘tudo bem’. Mas se parar para pensar no Brasil como segundo maior exportador de carne de cavalo do mundo, com muitos rebanhos de equinos, e também considerando que vários equinos vão para competições internacionais, eles valem muito. Por conta disso, nesse caso entra muito a saúde econômica”, ressalta a pesquisadora. Assim, além de ser um risco para a saúde pública, os casos de Oeste do Nilo também podem causar grandes perdas econômicas.

Apesar da inesperada descoberta de um outro vírus emergente no Brasil, a pesquisa com os flavivírus não foi interrompida. O grupo de pesquisa de virologia ainda trabalha estudando essa classe de vírus. Quanto ao Oeste do Nilo, resta a vigilância para monitorar sua chegada ao país, já que são poucos os brasileiros que estudam esse vírus aqui. Sua importância também não é negligenciada, pois o clima quente e úmido, bem comum no Brasil, é um cenário ideal para a eclosão dos ovos de mosquitos, tornando assim favorável a presença da doença no País.

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