Escola de Treinadores contribui para o desenvolvimento do futebol

Estudo sobre a academia da Iugoslávia apresenta influências e vantagens da formação de técnicos para o esporte

Última partida de Pelé pela Seleção Brasileira, em 18 de janeiro de 1971. Cortez vê como emblemática a escolha da Iugoslávia como adversária na despedida do jogador. Imagem: Youtube/Reprodução

Dos 32 treinadores da Copa do Mundo de 2014, dez tinham origem sul-americana. Enquanto Argentina e Colômbia possuíam três, cada, nesta lista de profissionais, o Brasil tinha menos representatividade. Assim como o Uruguai, dispunha de somente um técnico à frente de uma seleção da competição. E este era Luiz Felipe Scolari, justamente o treinador da Seleção Brasileira.

Tal cenário foi emblemático para José Alberto Aguilar Cortez. Teve tanta significância que atuou como fator instigante. “Tudo começou porque percebemos na Copa do Mundo de 2014 que o Brasil só tinha um treinador na competição”, revela o docente da Escola de Educação Física e Esportes (EEFE) da USP.

A análise de Cortez era assertiva e um tanto quanto cética: “Aquilo revelava que nosso futebol estava em declínio, do ponto de vista do prestígio do treinador brasileiro”. Ele pondera que, diferentemente da última edição, o Brasil já tivera mais de um técnico treinando outras seleções em Copas passadas.

Assim, decidiu introduzir um estudo sobre a tradição de se formar técnicos no futebol. O objetivo da pesquisa era demonstrar a importância de ter uma Escola de Treinadores em um país. Tanto do ponto de vista da formação de profissionais, como da relevância para o sucesso e afirmação, no esporte, da nação.

Após um levantamento de todas as academias de treinadores ao redor do mundo, o docente precisava tomar uma decisão. Dentre as opções, precisava selecionar uma, em específico, para principiar o projeto.

A escolha, conforme conta, foi guiada pelo sentimento: “Uma Escola de Treinadores que apaixonou foi a da Iugoslávia, e eu escolhi começar por eles”.

O porquê da escolha

Segundo Cortez, a Iugoslávia tinha história em esporte coletivos e estava sempre em evidência na Europa. Participaram de nove edições do mundial entre 1930 e 1998. Bem como o futebol, basquete e polo aquático também eram bastante desenvolvidos e disseminados entre a população.

Apesar da estabilidade durante a “Era Tito” (de 1945 até sua morte, em 1980), períodos de conturbações marcaram a Iugoslávia. Principalmente depois da morte do General, inúmeras disputas étnicas e territoriais acometeram o país. Tais conflitos tiveram repercussões locais e internacionais.

Mesmo com o esporte sofrendo as consequências da conjuntura, assim como tudo na região, o futebol iugoslavo se manteve em alto nível. Técnicos, e também jogadores, da Iugoslávia eram figuras frequentes nas principais ligas e clubes europeus.

Em 1999, a Escola de Treinadores da Iugoslávia tinha 40 anos de existência. “O que mostra que eles tinham um patrimônio do ponto de vista de formação de técnicos”, reforça. Ele ressalta que a Escola foi se atualizando ao longo do tempo e que, com isso, foi melhorando o seu processo de formação.

Como precisava de um ponto de partida, estava decidido a iniciar com uma Escola “de peso”. Que tivesse uma herança esportiva e um conjunto de valores e princípios bem estabelecidos. “É por isso que escolhi por começar por ela”, revela. “Apesar de ser um país que não existe mais, a Iugoslávia tem uma tradição muito forte na formação de treinadores”, exprime.

Além disso, ele conta que o país era considerado o maior exportador de jogadores e técnicos da Europa. “Papel que, na América do Sul, cabia ao Brasil e à Argentina”, completa.

Treinadores de Copas do Mundo

Embasado em suas pesquisas, Cortez reuniu e organizou as informações em uma tese para concurso de livre-docência da EEFE e também na forma de livro (ainda sob revisão de editoras). Com o enfoque sendo a participação na competição mundial, o conteúdo contempla uma análise da últimas 20 edições do torneio.

Nas Copas abordadas, a Iugoslávia teve 24 representantes ao todo. Alguns treinadores participaram de mais de uma edição, como é o caso de Bora Milutinović. Apesar de nunca ter comandado sua própria seleção, Milutinović detém o recorde de participar de cinco Copas do Mundo treinando 5 seleções diferentes.

O docente reescreveu a história de cada um desses 24 profissionais. Englobou desde os técnicos que comandaram a Iugoslávia, enquanto país, até os que treinaram as repúblicas que se formaram após o desmembramento da nação.

Além desses, também incluiu os técnicos que eram iugoslavos, mas que, como Milutinović, não tiveram vínculo profissional com a seleção iugoslava. Na condição, claro, de terem participado da competição mundial.

O fator Tito

“Consegui uma amostra bem legal analisando as 20 últimas Copas do Mundo”, comenta o docente. Ele acrescenta que a obra “tem uma lógica dos fatos, uma sequência que vai mostrando o que foi acontecendo”.

Separado em três capítulos que estudam os treinadores, o volume inclusive abrange um panorama histórico da Iugoslávia. Cortez abordou a Escola mesmo considerando que, a partir de 1991, teve início o desmembramento da antiga República Socialista localizada nos Bálcãs.

No lugar da antiga nação, agora existem sete repúblicas (e, consequentemente, sete seleções): Bósnia, Croácia, Eslovênia, Kosovo, Macedônia, Montenegro e Sérvia. Este último país foi reconhecido, pela Fifa, como o legítimo sucessor da Iugoslávia.

“O grande segredo de Josip Broz Tito, na manutenção da organização de um país com diferente etnias, foi o fato dele dar autonomia para cada uma delas”, conta Cortez. Imagem: Kupindo/Reprodução

Os acontecimentos históricos são centralizados em torno de um personagem principal. Apesar da semelhança de nomes com o atual “herói” da Seleção Brasileira, o antigo presidente da Iugoslávia foi quem determinou a narratividade dos acontecimentos. O docente salienta o papel determinante de Tito na manutenção da organização de um país de diferentes etnias.

“Dividi o período em ‘antes do Tito’, ‘durante Tito’ e ‘pós-Tito’, as três etapas da Iugoslávia”, conta. “E como isso influenciou o futebol”, acrescenta. Segundo Cortez, é um estudo “para quem gosta de futebol e acompanhou a história do esporte”.

Os brasileiros do leste europeu

A semelhança do modo de jogar fez com que os iugoslavos ficassem conhecidos como “os brasileiros do leste europeu”, conforme destaca. Ele evidencia o caráter inovador dos treinadores da Iugoslávia, que tiveram alto grau de proeminência e de contribuição no universo esportivo.

O técnico campeão do mundo com a Espanha em 2010, Vicente del Bosque, se deparou e aprendeu muito com o trabalho de um treinador iugoslavo, conforme comenta Cortez. Miljan Miljanić, no caso, comandou o Real Madrid em meados da década de 70 e foi quem introduziu na equipe madrilenha o treinador de goleiros e preparador físico.

Desta forma, além de aplicar novos conceitos de futebol, ele modernizou a estrutura do time. Com uma preparação física especializada, o número de jogadores que se machucavam era menor e o clube como um todo ganhava com isso. Nos esportes, qualquer vantagem se torna uma imensa contribuição.

Miljanić, que participou das Copas de 1974 e 1982 com a Iugoslávia, valorizava a posse de bola e organização de jogo. Segundo o docente, o sistema ‘tiki-taka’ que “o Pep Guardiola tanto fala” era apregoado pelo iugoslavo, que defendia ‘no máximo dois toques na bola’. Com isso, conferia-se mais dinâmica ao jogo, priorizando a velocidade e a premeditação das jogadas, “para receber a bola e já saber o que fazer”, conta.

Outro exemplo é o único treinador estrangeiro a vencer um título da Libertadores da América. E ele era iugoslavo. Mirko Jozic, que foi técnico da Croácia na Copa de 2002, foi campeão do torneio sul-americano em 1991, comandando o Colo-Colo. Além de ter sido a única vez que a equipe venceu a competição e que um time chileno foi campeão da Libertadores, o título foi diante do São Paulo.

Um lugar para se estudar futebol

“A Escola Iugoslava inovou em muitos países. Eles levaram coisas novas e muitos conseguiram evoluir no futebol graças à presença deles”. Cortez aponta a grande influência, para além do território europeu, dos treinadores iugoslavos na África e na Ásia, tanto em times quanto nas seleções nacionais.

O legado da Escola de Treinadores da Iugoslávia se apresenta pela influência no futebol e na presença dos seus valores, espalhados pelo mundo todo. Em 1999, uma matéria do jornal colombiano El Tiempo dizia que cerca de 2.200 jogadores e 128 técnicos iugoslavos estavam repartidos pelos continentes.

A Iugoslávia foi duas vezes vice-campeã da Eurocopa. Também acumulou três medalhas de prata e uma de ouro na modalidade Olímpica. Imagem: Xadrez Verbal/Reprodução

“Como eles desenvolveram um lugar para se estudar o futebol, deram uma característica diferenciada para quem trabalhava com o esporte”, ressoa Cortez. Ele também faz referência à diferença na comparência e no protagonismo de profissionais iugoslavos e brasileiros.

Em países que começaram a desenvolver o esporte em seus territórios com auxílio de profissionais estrangeiros, o impacto é nítido ao observar a permanência de treinadores de ambas nações: enquanto os brasileiros foram esporádicos, os iugoslavos ainda “estão lá”, conforme Cortez.

Visão de futuro

Reconhecimento e retribuição faziam parte da mentalidade futebolística na Iugoslávia. Quando um profissional iugoslavo recebia uma proposta para ser treinador em outro país, tinha que cumprir alguns requisitos para poder sair. Cortez comenta que eles tinham que, inclusive, ajudar financeiramente a Escola em que se formaram.

“Eles, de certa forma, devolviam para o país um pouco da evolução e do conhecimento que eles adquiriram”, afirma. “E acho que isso também ajudava muito a evoluir, porque não se perdia os talentos tão rapidamente”.

“Eles tinham essa visão de futuro de retribuir um pouco daquilo que receberam”, comenta Cortez. “E não vemos muito isso aqui”, acrescenta. “Toda a motivação que tive para estudar as Escola de Treinadores de todos os países foi exatamente para ver que aqui não se dá valor nenhum para isso”.

“Porque nunca se exigiu o diploma de técnico no Brasil”, critica. “A CBF só passou a dar valor quando viu que era um filão importante para ganhar dinheiro”, acusa o docente sobre a recente atenção da entidade com a “profissionalização” do cargo.

“É como se fosse um roteiro que tem começo, meio e fim”, comenta sobre a Escola. Ele sublinha a importância de tal projeto, quando estabelecido, de possibilitar a prosperidade na formação de treinadores e o aproveitamento dos potenciais futebolísticos de um país. Além de trazer retorno ao esporte como um todo.

Daqui para frente

No dia 3 de junho o Brasil enfrentou a Croácia no penúltimo amistoso antes da Copa do Mundo de 2018. Mesmo com a vitória brasileira, ficou evidente a qualidade e a organização da equipe croata, heranças futebolísticas da antiga Iugoslávia.

A Iugoslávia teria, na Copa de 2014, três treinadores na competição — dois bósnios e um croata. Na edição de 2018, um bósnio, um croata e um sérvio serão técnicos de equipes da competição — novamente, três representantes.

Argentina, por sua vez, é quem detém o maior número de profissionais no torneio, quatro, ao passo que o Brasil continua com apenas um — e novamente no comando da Seleção nacional. O cenário de treinadores brasileiros precisa passar por modificações, para que esse padrão não se repita em 2022.

Na fase de grupos do torneio, a Seleção ainda enfrentará a outra equipe “ex-Iugoslávia”: a Sérvia. Em jogo, o Brasil buscará manter o triunfo. Porém, no resultado do prestígio de treinadores, está ficando para trás.

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