Brincadeira funciona como espaço potente de encontro na Educação Infantil

Pesquisadora da USP avalia a importância da atividade na formação do professor e discute questões de gênero que envolvem a profissão

A brincadeira potencializa a formação cognitiva e social da criança - Fonte: Viviane Anselmo (Arquivo Pessoal)

A importância das linguagens corporais e da brincadeira na Educação Infantil é o tema de dissertação feita pela pesquisadora Viviane Anselmo para a Faculdade de Educação da USP. O estudo também aborda o aprendizado dos professores e professoras no encontro com as crianças e discute abertamente as questões de gênero e o impacto que elas impõem nessa relação.

Viviane Anselmo apresenta a brincadeira para as crianças até os seis anos como “um modo de vivenciar a infância, descobrir o mundo e explorar suas possibilidades”. Ela destaca a necessidade dos pequenos de brincar para que eles possam viver papéis sociais, criar narrativas e interagir com pessoas fora do seu núcleo familiar.

A pesquisadora afirma que a Educação Infantil deveria acolher o brincar como ponto principal da educação e, dessa maneira, dissociar-se do modelo convencional que reduz essa etapa como preparatória do Ensino Fundamental. Essa característica torna a Educação Infantil limitadora das possibilidades criadoras e expressivas das crianças pequenas, que vivenciam o mundo tão intensamente com seus corpos. “As crianças transgridem mesmo que cerceadas. Mas, elas deixam de usufruir de todo o valor que a brincadeira tem”, afirma Viviane.

Muitas vezes, a brincadeira é percebida pelo professor como uma atividade extra e vivenciada apenas em momentos de descanso dentro da rotina. Essa concepção é reforçada pelos espaços físicos da sala que são excessivamente mobiliadas, priorizando a atividade pensante e não brincante como se fosse possível dissociá-las. Cabe ao educador transgredir o espaço e o tempo de aula. Para que isso ocorra, também é necessário que ele equalize a dimensão brincalhona em si mesmo.

A especialista aponta essa dimensão como humana. Ela está presente também no adulto e a sua reconstrução viria com o convívio e observação. “Como retomar essa dimensão brincalhona? Não é voltar a ser criança, mas tomá-la como referencial para retomar essa dimensão lúdica, brincante. Assim, seria preciso tomar posse por meio da observação e da escuta do que são as crianças e trazer isso de volta para os planejamentos no dia a dia da instituição”.

Mas, a proposta de retomar a dimensão brincalhona no contato com as crianças tange pontos mais complexos e é aí que entra a questão de gênero. A pesquisadora afirma que a ação de professoras e professores é distinta dentro do brincar e isso, para ela, denotaria claramente as marcas da socialização e cerceamento de corpos que as mulheres sofrem.

Marca-se, assim, um desafio para as educadoras de superar o controle de seus corpos feito no passado, quando eram crianças, e aceitar o convite feito pelas meninas e meninos de se disponibilizar corporalmente diante deles.

Viviane Anselmo também aborda a questão de gênero dentro das próprias brincadeiras. Em sua pesquisa, ela destaca uma instituição em que os estereótipos de gênero não eram reforçados pelo discurso do professor ou da professora, mas mesmo assim tal questão surgiu sutilmente na ação brincante das crianças. Ela dá como exemplo uma atividade em que brinquedos eram disponibilizados e grupos de meninos e meninas se separaram automaticamente para explorar atividades com teor sexista. “Isso não são escolhas, mas pseudo-escolhas feitas anteriormente por elas. E as crianças já entendem (socialmente) com o que podem brincar”.

A pesquisadora aponta o afinamento do olhar do professor e da professora para esses aspectos a fim de que a desconstrução do estereótipo sexista seja feita. É papel deles oferecerem materiais para que os pequenos ampliem suas possibilidades de escolha. Dessa maneira, o brincar se potencializaria como mecanismo transgressor das convenções sociais normativas, sexistas e padronizadoras.

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