Torcedores brasileiros aprovam Padrão Fifa nas arenas da Copa

Projeto de pesquisa revela alta aprovação das novas instalações esportivas utilizadas na edição de 2014 do torneio

Na pesquisa, foi adotado o "olhar mais do ponto de vista da administração dos novos espaço, e de como gerencia-los para atender esse público torcedor", conforme Ary. Fotografia: Portal Vermelho/Reprodução

Infraestrutura, iluminação e energia, segurança, área de jogo, mídia, hospitalidade. Tudo isso e mais um pouco tem que estar dentro dos parâmetros de competência e qualidade requeridos pela Federação máxima de futebol. Isso, se quiser estar enquadrado e possuir o selo de “Padrão Fifa”.

Para a Copa do Mundo de 2014, o Brasil, sendo o país-sede, precisou adequar suas instalações esportivas para cumprir com os requisitos da Fifa. Assim, caminhões e caminhões, montantes e montantes de dinheiro foram investidos para atingir as conformidades obrigatórias pelo evento.

Os estádios precisavam passar pela transição para o conceito de “arena”. Em outras palavras, o Brasil precisou passar por uma modernização, a nível internacional, para sediar uma Copa do Mundo. Conforme, claro, exigido pela Fifa. Entretanto, tais melhorias se davam apenas neste âmbito, num país em que Saúde, Educação e Transportes são precários.

Sendo assim, a população brasileira se mobilizou para uma série de reivindicações a respeito desse tal padrão de excelência. Motes como “Queremos escolas Padrão Fifa” eram amplamente difundidos nas manifestações, que tiveram seu ápice no ano anterior à Copa.

Foi a partir de toda essa conjuntura que o docente da EEFE, Ary José Rocco Junior, deu início a um projeto de pesquisa para abordar a discussão do Padrão Fifa de qualidade. Financiado pelo CNPq, o projeto aconteceu concomitantemente à competição mundial.

“Vamos ver o que a Fifa exige que um estádio tenha que ter para o consumidor”, pensou Ary, à época. “E vamos levantar se o torcedor, efetivamente, percebe nas novas arenas aquilo que a Entidade diz que deve ter”, conta. Delineou-se, desta forma, o objetivo da pesquisa.

Instalações antigas e novas

Durante o ano de 2014, o projeto tinha o intuito de entrevistar torcedores nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo. Portanto, foi desenvolvido e aplicado um questionário em três momentos específicos: pré, “ao vivo” e pós.

No período que antecedeu a Copa, foi realizada a primeira fase. Nesta, a série de perguntas foi direcionada para os torcedores que frequentavam estádios que não seriam utilizados no mundial, mas que eram das cidades que sediariam a competição.

No decorrer do torneio, aconteceu o segundo momento, no qual se entrevistou pessoas depois da experiência de assistir a um jogo nas arenas. O terceiro e último se desenrolou no segundo semestre do mesmo ano. Consistiu na entrevista de torcedores que foram prestigiar competições nacionais nas arenas que tinham recebido jogos da Copa.

Essa configuração permitiu uma análise comparativa entre as ocasiões. “Com relação à gestão local, pudemos comparar as instalações antigas e as instalações novas, no primeiro e terceiro momentos, respectivamente”, conta Ary. “E pudemos comparar as mesmas instalações, as arenas novas, mas durante a gestão de qualidade da Fifa e a gestão de qualidade local”, acrescenta.

Mais de 10 mil entrevistas

Ao todo, entrevistaram-se aproximadamente 11 mil pessoas. A equipe que compunha o projeto era formada por 10 bolsistas, além do professor da Unicamp, Leandro Mazzei. Para realizar as entrevistas em todos os locais, contrataram 35 colaboradores, espalhados pelas cidades-sede.

O questionário elaborado demorava cerca de 4 a 5 minutos para ser respondido e era dividido, também, em partes. Possibilitando, desta maneira, uma visão abrangente e detalhada sobre a perspectiva do torcedor acerca da sua experiência naqueles espaços.

O instrumento adotado possuía quatro grupos de questões: sobre grau de relação com o futebol, avaliação de itens das arenas, perfis socioeconômicos e razões para não comparecer às partidas.

Algumas informações sobre a pesquisa já tinham sido divulgadas, anteriormente, em trabalhos e artigos, segundo o docente. Apesar disso, de forma a apresentar todos os resultados, Ary decidiu transformar o projeto em um livro.

Para não se ater aos dados coletados em 2014, resolveu acrescentar e ambientar outras discussões a respeito do tema. “Para ganhar atualidade”, segundo ele, e possibilitar um estudo detalhado sobre das 12 arenas da Copa.

A Copa em cada sede

Analisando cidade-sede em cidade-sede, a obra é estruturada de forma a apresentar a evolução das instalações esportivas em cada centro urbano. Descreve as etapas de desenvolvimento e transformações dos estádios, desde quando o futebol chegou àqueles locais até os dias atuais.

“Obviamente, demos destaque para as arenas da Copa”, afirma Ary. O livro retrata como se deu o processo de construção e indica o que os responsáveis alegavam que as novas instalações tinham de benefícios. “Como questões de sustentabilidade, de atendimento ao público, de utilidade do espaço, por exemplo”, exemplifica.

Além disso, o volume oferece um panorama sobre como foi a Copa em cada sede. Também registra e examina os resultados da pesquisa, inclusive procurando atualizar sobre a utilização e viabilização das novas instalações até o final de 2017.

A vez do entretenimento?

Com o estudo, Ary conta que verificou, nos três momentos de entrevista, que o perfil do torcedor de Copa do Mundo é singular. Difere completamente do torcedor assíduo de futebol, devido ao maior poder aquisitivo e menor envolvimento emocional com o esporte.

“É um público muito mais voltado para o entretenimento. Não é um torcedor que acompanha o seu time de fato”, comenta o docente. Um dado simbólico, para ele, e que representa bem essa constatação de contraste, foi observado após uma partida na Arena Pantanal, em Cuiabá.

Bósnia e Nigéria se enfrentavam pela fase de grupos. Após o término do jogo, que acabou com vitória dos nigerianos pelo placar mínimo, um terço dos espectadores entrevistados não lembravam as duas seleções que tinham jogado. Isso, 10 minutos após o apito final e cerca de 200 pessoas abordadas.

“Ou seja”, explica, “os indivíduos estavam ali para estarem no evento Copa do Mundo, da mesma forma como vão ao teatro, ao cinema”. “Para aquelas pessoas, a experiência de estar naquela arena só se completava com a publicação de uma selfie nas redes sociais”, evidencia Ary.

“Não bastava ir aos jogos da Copa, tinha que contar para os amigos e para a comunidade que esteve lá. Vimos que essas coisas são importantes hoje”, conta o docente. Imagem: Comercial Nike/Reprodução

Índice de quase 100%

Com relação à aprovação e impressão do torcedor quanto às instalações, a conclusão é positiva. Especificamente nas arenas privadas, o índice de aceitação, no segundo semestre de 2014, beirava a totalidade.

No que diz respeito às públicas, Ary comenta que as pessoas também gostaram dos espaços. No entanto, esclarece que não chega no nível contundente de aprovação das privadas. E a alta avaliação é resultante da maneira como as arenas são geridas.

“Percebemos que a gestão desses novos espaços, feita de forma particular, tem tido uma eficiência melhor do que quando pública”, revela. Ele explica que, especificamente nas arenas privadas, houve uma vinculação muito forte do torcedor, criando uma identidade para com aquele espaço.

Tanto que, quando questionados se retornariam, a afirmação positiva dos torcedores era praticamente unânime. “Enquanto modelo de negócio, hoje, a Arena Itaquera, por exemplo, é um negócio muito eficiente”, pondera Ary.

“O torcedor do Corinthians enxergou a Arena como a nova casa, e não quer mais saber de Pacaembu, comenta. Fotografia: Folha de S.Paulo/ Reprodução

Diferencial administrativo

“Do ponto de vista de gestão, as novas arenas têm uma possibilidade de exploração comercial muito grande”, insinua o docente. Isso explica o porquê das novas instalações públicas não estarem, atualmente, sendo tão bem aproveitadas, quando comparadas às privadas.

Quem administra, por exemplo, a arena do Corinthians, direciona os pacotes de benefícios diretamente para o seu torcedor. E a definição e delimitação do perfil de consumidor é um dos grandes diferenciais. “Quando se trabalha com um perfil que é o seu de consumidor, fica muito mais fácil para criar um laço de identidade”, relata.

E o resultado se reflete nos jogos. “Na maior parte dos jogos a Arena Corinthians está lotada, o que torna o empreendimento viável e interessante”, acrescenta.

“Evidentemente, existem reclamações”

As principais queixas dos torcedores giram em torno do aumento do custo e da falta de segurança. O problema da violência no entorno, ainda não resolvido, é o maior responsável por evitar que algumas pessoas retornem aos estádios. “Afasta muito mais do que a elevação do preço do ingresso”, revela.

Ary considera esse aumento do valor dos ingressos como “natural”. Isto, levando em conta que o “serviço que está sendo oferecido é melhor, e que o custo de manutenção das novas arenas é maior do que o dos estádios antigos”, conforme alega.

E analisando, também, sob o ponto de vista da administração. “Quando você pensa como um negócio, a arena tem que ser rentável”, defende. “Ela tem um custo para abrir, um custo de manutenção. Então, inegavelmente, tem que cobrar mais caro por isso”, avalia. “E alguém tem que pagar esses custos”, conclui.

Arena como negócio

Após a Copa do Mundo, houve uma elevação do nível de renda de quem ia assistir aos jogos. Isso se deu porque, além dos torcedores fiéis que sempre vão nas partidas, um número maior de pessoas começou a frequentar as arenas.

Atraídos, majoritariamente, pela série de melhorias e de confortos implantados pelo novo conceito de palco futebolístico. “É inegável que houve uma elitização do público, nessa migração do estádio tradicional para uma nova arena”, declara Ary.

Do ponto de vista sociológico, ele afirma que a elitização é ruim devido à não inclusão de grande parcela de torcedores. Com a elevação dos custos, muitos não têm como arcar com as despesas. “Quando se pensa nas arenas como negócio, a elitização é um caminho sem volta”, admite.

“Na conta do Governo”

As arenas utilizadas na competição foram classificadas na pesquisa. De acordo com o potencial de gestão, dividiram-se em 3 grupos. O primeiro é formado pela Arena da Baixada (do Atlético Paranaense), Beira-Rio (do Internacional) e Arena Itaquera (do Corinthians), que são os exemplos de boa gestão. Este último, conforme o docente, é o maior expoente no Brasil.

No segundo grupo se enquadram cinco instalações, que são administradas por parcerias público-privadas. São elas: Mineirão, Maracanã, Castelão, Arena Fonte Nova e Arena Pernambuco. Estão são caracterizadas como arenas que ainda não se viabilizaram, mas que possuem o potencial para tal.

O terceiro grupo, segundo Ary, “nem com mágica”. Arena da Amazônia (em Manaus), Arena das Dunas (em Natal), Arena Pantanal (em Cuiabá) e Estádio Municipal Mané Garrincha (em Brasília) são, para o docente, “elefantes brancos”.

“O público total do Campeonato Amazonense caberia na Arena da Amazônia”, expõe Ary. O público pagante total do torneio, dos 59 jogos, foi de 41.450 torcedores. A arena em questão tem capacidade para 44 mil espectadores. Foto: Pequeno Grande Mundo/Reprodução

Dados revelam que a Fifa exigia ao país-sede da competição de 8 a 10 arenas. “Quem quis aumentar para 12 foi o Governo brasileiro. Então, essas 4 arenas, para mim, estão na conta do Governo da época”, critica Ary. Além de erros de planejamento estratégico, ele revela que as escolhas das arenas do último grupo foram decisões políticas.

A construção das arenas da Copa de 2014 custou muito mais do que em outros lugares pelo mundo. O estudo possui índices apontando o custo por assento das arenas brasileiras como um dos mais altos de todos os tempos. Atualmente, tais valores estão sendo superados pelos da Rússia, mas isso não é motivo algum de orgulho.

Viabilização dos espaços

Ary conclui que um dos problemas do Brasil, no âmbito da administração esportiva, é “de gestão desses espaços”. “O futebol brasileiro, hoje, tem instalações de nível mundial e altamente profissional”, avalia.

“No entanto”, prossegue, “tem uma gestão extremamente amadora e que não conseguiu entender que essas instalações podem elevar o futebol nacional a um outro patamar”.

O docente diz que as arenas gerenciadas pelas parcerias público-privadas precisam definir melhor seus objetivos, além de quais times vão utilizar aquele espaço. Ele menciona o caso do Maracanã, em que a alta e aleatória rotatividade dos clubes que utilizam o estádio dificulta uma gestão mais eficiente.

Ary critica: “Acho inconcebível não conseguir viabilizar uma Arena como o Maracanã, numa cidade como o Rio de Janeiro, onde se tem quatro equipes na primeira divisão do futebol brasileiro. Então aí tem um problema de gestão”.

“E não é uma questão de falta de competência, porque a Arena do Corinthians é um exemplo e mostra exatamente como tem que fazer”, completa. O docente frisa que sua análise leva em consideração a arena como modelo de negócio, e não o modo com que foi financiada.

Das 12 arenas construídas para a Copa do Mundo no Brasil, apenas um quarto se viabilizou, segundo o estudo. E somente as que são administradas privativamente.

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