Fungos removem urânio de áreas contaminadas

O uso da biomassa tem se mostrado uma técnica barata e eficiente no processo de remediação

Após exploração, mina de urânio concentra resíduos em um lago ácido formado no local. Foto: Ednei Assunção

Um estudo feito na mina Osamu Otsumi, em Caldas – MG, constatou que fungos são uma ferramenta eficaz na biorremediação do urânio. Visando fazer essa biorremediação, ou seja, uma limpeza retirando metais pesados do solo e da água, a técnica desenvolvida pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP tem apresentado muitos resultados positivos. Além de não causar uma grande disposição de rejeitos, ela também se mostra uma excelente opção por ser mais barata que o tratamento químico.

A pesquisa tem utilizado o método de bioadsorção para remover o urânio. Nesse processo, o fungo é isolado do ambiente contaminado, cresce, e uma biomassa é formada com ele. Posteriormente, esse produto volta ao ambiente para ser utilizado como filtro. Ednei Assunção, pesquisador responsável pelo projeto, explica sobre o procedimento: “A biomassa vai ter o poder de puxar o urânio, absorver essa substância para ela. E ele vai grudar nessa biomassa, vai servir como um fungo, igual aquele carvão ativado que a gente usa como filtro”.

Contudo, esse não é o primeiro projeto com a utilização de fungos para biorremediar. O professor que tem orientado a pesquisa, Benedito Correa, que além desse projeto, já orientou vários outros estudos na área explica como os fungos funcionam em biorremediação: “O fungo funciona como uma esponja. Então esses metais pesados são eliminados no meio ambiente, principalmente através de fungo vivo ou morto, mas a biomassa morta é mais importante porque não traz nenhum prejuízo ecológico”.

A contaminação por toxicidade do urânio ocorre por ele ser muito solúvel no ambiente. Ao buscar uma solução, a pesquisa tem trabalhado controlando esse aspecto, conforme afirma Ednei: “O que queremos fazer com o urânio nessa biorremediação é deixar ele menos solúvel. Queremos que ele não se espalhe no ambiente, e que ele fique lá, quietinho no lugar dele. Ou então, que ele se transforme em outras formas de urânio menos reativo, porque assim, ele não causa essa contaminação nos seres vivos daquela região”.

É digno de nota lembrar que o urânio é nocivo ao ser humano. Sobre seus riscos, o pesquisador alerta: “Ele pode se acumular nos ossos, na medula óssea e no rim. Pode formar radicais livres e ser altamente carcinogênico [ou cancerígeno] para nós”. Quando está presente no solo, ele pode ser absorvido por tubérculos (como a batata, por exemplo) e, caso sejam consumidos, o urânio que há nesses tubérculos é consumido junto. Mas a contaminação pode ocorrer também através da ingestão de água.

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Nesse processo, é importante ressaltar que apenas os fungos que já estão acostumados com o ambiente contaminado e ácido podem ser utilizados para tais funções de biorremediação. “Coletamos no meio ambiente, identificamos esse fungo através de métodos moleculares clássicos e depois identificamos qual o melhor fungo, qual a melhor espécie, qual é o mais resistente” – explica o professor Correa. “Depois, na última etapa, você pode utilizar isso no local, fazendo com que esse fungo que tem capacidade de melhor remediar, retire esses metais pesados do meio ambiente”.

Após diversas análises, a pesquisa chegou a três espécies de fungos que seriam melhores opções para utilizar em tal ambiente. O pesquisador relatou: “Nos primeiros testes chegamos a três fungos que são os melhores, principalmente espécies de penicillium, a gente encontrou muita espécie de penicillium. Verificamos que essas espécies são muito boas para esse processo de remediação, elas são promissoras”. Ele completa dizendo que o momento agora é de otimizar e tentar potencializar esse processo. “A gente quer verificar em qual pH por exemplo ele é melhor, em qual ambiente ácido, e descobrir em qual tempo há uma melhor atuação”.

Ainda sobre o tempo necessário para que a biorremediação ocorra, a duração do processo é surpreendentemente curta. De acordo com o pesquisador, o processo todo pode demorar de dez minutos a uma hora, evidenciando enorme rapidez para atingir seus objetivos. Ednei pontua ainda que além de rápido, esse procedimento também pode ser realizado em grande escala, sendo uma solução muito viável e interessante nesses casos de contaminação.

Um histórico com muitos anos de contaminação

Situada na cidade de Caldas, no interior de Minas Gerais, a jazida da mina Osamu Otsumi foi descoberta após a 2ª Guerra Mundial, em 1948, em um contexto em que a busca por urânio era muito grande, em virtude da alta demanda e procura do metal pelo mundo. Contudo, a mina passou a ser explorada apenas em 1982, quando não havia uma legislação sobre exploração desse metal. Devido a isso, Ednei conta que fizeram a escavação sem qualquer protocolo de cautela.

Ela foi explorada de 1982 a 1995, fornecendo urânio para a usina nuclear Angra 1, em Angra dos Reis, RJ. No entanto, acabaram percebendo que a quantidade extraída de urânio foi muito pequena, se comparada aos danos que a degradação causou no ambiente. Assim, após o esgotamento da mina de Caldas, e a descoberta de uma nova jazida na Bahia, a exploração da jazida mineira foi interrompida.

Após tratamento químico, uma lama alcalina é despejada novamente no próprio local. Foto: Ednei Assunção

Ednei explicou que, a partir de então, um plano de recuperação da área foi necessário: “Desde 1995 eles têm que seguir um plano que foi feito pelo CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) e pelo Ibama, um plano de recuperação de área degradada. Ou seja, depois que começaram a existir as legislações e regulamentações no País, eles foram perceber que tinha um problema ambiental muito grande nesse local. E começaram a seguir esse protocolo para tentar recuperar essa área que foi degradada com as escavações”.

Hoje, no local da mina restam os rejeitos que eram retirados na época da escavação e acumulados em enormes montes, chamados de bota-foras, que mais se assemelham a grandes montanhas, para quem não está habituado e nem observa de perto os rejeitos. No ponto mais profundo da cava da mina, com 20 metros de profundidade, um lago de água contaminada acabou se formando, em decorrência da atividade das chuvas, com essa água estando completamente ácida, com seu pH 3,0.

Ainda que insalubre por sua acidez, o lago promove uma bela paisagem na cava da mina. Foto: Ednei Assunção

Espera-se que esse lago e as outras bacias menores (construídas para coletar a água) não transbordem na época das chuvas, justamente para não contaminar ainda mais a região. Para que isso não ocorra, foram instaladas algumas bombas, que retiram essa água do local e a levam para estações de tratamento.

A seguir, é feito um tratamento químico dessa água com a ajuda de floculantes. “No tratamento ocorre uma precipitação: os metais pesados e os sedimentos vão todos para o fundo desse tanque e a água que não é mais contaminada, que fica limpa, vamos dizer assim, eles acabam despejando na Represa das Antas” – explica Ednei, sobre os processos do tratamento.

Entretanto, o problema parece não ter fim. Isso porque após a precipitação, o metal pesado forma uma lama alcalina escura no fundo disso, não eliminando completamente esses rejeitos. Sobre essa situação, Ednei aponta que “é um problema que não acaba nunca. A ideia deles foi de bombear a lama de volta para a cava da mina. Então, desde 1995, eles pegam esses rejeitos que são formados lá no tratamento e despejam novamente para a cava da mina”.

Além da eficácia incompleta no tratamento da água e nos cuidados de recuperação dessa área degradada, o governo federal (através das Indústrias Nucleares do Brasil) tem desembolsado muito dinheiro para manter a preservação do local. E, por conta disso, também vem de lá um grande interesse no projeto, conforme enfatiza o pesquisador: “Conversamos com os responsáveis pela mina quando fomos fazer a coleta, e eles são super abertos porque ainda não sabem o que fazer. Eles têm o maior dos interesses, devido ao prejuízo que estão tendo lá, como o gasto de mais de um milhão por ano com floculantes – valor que a gente viu em 2015, ainda não sabemos se chegou a aumentar”.

Seria possível usar a técnica em outros ambientes?

Questionados se havia uma possibilidade desse modelo de biorremediação ser utilizado também em outras situações e ambientes, como no caso do Rio Doce, após a tragédia de Mariana, não houve hesitação na resposta: “Pode, claro! Coletamos esse fungo e o isolamos de lá, mas podemos usar em qualquer lugar com contaminação. Como lá [Mariana] está contaminado com vários outros materiais, devido a atividade de mineração, podemos verificar com o cobre, por exemplo, se algum fungo é bom para remediação do cobre. Então podemos pegá-lo para utilizar no local” – defendeu o pesquisador.

Essa técnica seria muito útil para situações como a de Mariana, pois como já visto, pode ser utilizada em larga escala, além de funcionar de forma rápida e de ser relativamente barata, se comparada a alguns outros tratamentos químicos utilizados. Mas o ponto mais importante nessa questão é a utilização de recursos naturais do próprio ambiente, para assim, remediá-lo, sem qualquer prejuízo ambiental.

Algumas conclusões já foram apresentadas no final de 2017, em um congresso em Atlanta, EUA. Todavia, a previsão é de que a pesquisa esteja finalizada até o início de 2019, quando todos os resultados serão divulgados para a comunidade científica, dentro do prazo estabelecido pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que tem contribuído com o projeto, e também pelo departamento do próprio Instituto.

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