Exposição e pesquisa andam de mãos dadas no MAC-USP

Arte da América Latina é investigada por pesquisadores e curadores do museu

"O Artista Está a Serviço da Comunidade", Clemente Padin (1974) (Imagem: Reprodução/MAC-USP)

“Acabei de voltar da Tate [galeria do Reino Unido] na semana passada, e vi artistas que nunca havia visto lá, como Horacio Zabala, Marta Minujín”, conta a professora Maria Cristina Freire, do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP). Também viu uma exposição argentina, chamada Uma Vista de Buenos Aires: Sistemas e Comunicação. A presença dessas obras e artistas do outro lado do Atlântico se relaciona ao tema que ela tem investigado desde a década de 90: a importância da arte conceitual latino-americana.

O quarto andar do MAC está há três anos ocupado pela exposição Vizinhos Distantes, curada por Cristina. “É uma investigação em maior profundidade, atualizando nosso conhecimento de artistas que estão, ao mesmo tempo, tão próximos e tão distantes em nossa falta de referências. Essa exposição procurou responder a essa lacuna”, diz. Ela afirma que o foco de sua investigação são as décadas de 60, 70 e o contemporâneo, já que configuram as partes mais desconhecidas do acervo.

“Tilodiran”, Omar Rayo (1971) (Imagem: Reprodução/MAC-USP)

Como a grande maioria das exposições do Museu, está atrelada a uma pesquisa, que também é um dos motivos de sua longa duração. O estudo em três volumes, Terra Incógnita, foi organizado por Cristina. Publicação e exposição nasceram e se desenvolveram juntas: em viagens pela América Latina durante 2005, a professora abriu uma linha de investigação, entrevistando artistas e montando quebra-cabeças com o acervo do MAC. Formou um grupo de estudos que se tornou um laboratório de textos críticos sobre obras e artistas desconhecidos, embora vizinhos, e o coletivo passou a documentar o acervo ainda não catalogado.

Incógnita

Cristina afirma que trabalhar com o desconhecido é dever do museu universitário, “que propõe ampliar horizontes, estimular o aprendizado, o pensar de novo, olhar mais uma vez. Desestabilização é o ponto de partida tanto para a arte contemporânea, quanto para o aprendizado”. Seu interesse nas décadas de 60 e 70 vem da quebra de paradigmas, de uma obra de arte que não responde mais a esses princípios modernos, e como o MAC movimenta isso. “No nosso caso, não é só trabalhar com os artistas. É trabalhar com a própria concepção de museu: de vanguarda, o museu-fórum que o MAC inaugurou no Brasil nos anos 60.” Em um museu público universitário, conta Cristina, “fazemos papel de resistência. Estamos procurando contribuir para uma história da arte que nos diz respeito.”

“Construção Vermelha”, Eduardo Ramirez Villamizar (1969) (Imagem: Reprodução/MAC-USP)

A professora declara que o enfoque na América Latina se trata de uma opção política: “Não estou aqui para reiterar uma história da arte já conhecida. Tenho a responsabilidade de reformular questões, teorias, conceitos e adensar o conhecimento de artistas nossos e artistas que dizem respeito a nossa cultura”. Afirma, também, que a arte latino-americana e brasileira se aproximam, apesar das barreiras linguística e cultural, devido à “pecha da colonização”. Segundo ela, o inconsciente colonial dirige todas as escolhas e formas de representação.

Terra Incógnita toca, ainda, nas peculiaridades dos artistas, tomando o cuidado de não colocar tanta diversidade sob o mesmo guarda-chuva. “Procuro não falar arte latino-americana, mas arte da América Latina. Aí tem uma questão de origem dos artistas, mas não é definidora de uma categoria de arte.”

Os artistas

Vizinhos Distantes, apesar de pincelar os núcleos temáticos Identitário, Construtivo e Onírico, foca no Conceitual. Para Cristina, artistas como Zabala, Edgardo Antonio Vigo e Ulises Carrión não devem nada aos nomes instituídos de Portocarrero e Tamayo. “Não é porque é um xerox, um livro de artista ou um projeto que [a obra] vai ser menos valorizada do ponto de vista artístico. Para dizer isso curatorialmente, tem que colocar todos juntos. Uma coisa é argumentar num texto, outra é mostrar uma exposição em que todos têm o mesmo tratamento.”

“Hydrophilus Carabóides”, Luis Fernando Benedit (s. d.) (Imagem: Reprodução/MAC-USP)

Cristina afirma que a conceitual é uma prática artística com outro tipo de proposição: “Não é convencional, da obra de arte autônoma, pintura, escultura, desenho, gravura”. Ao visitar a exposição, o observador passa por todos os núcleos temáticos antes de, por fim, encontrar o Conceitual. Percorrer Vizinhos Distantes é se deparar com inúmeros nomes nunca antes vistos, tropeçar em suportes artísticos excepcionais. Talvez seja a desmistificação de uma terra incógnita.

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