Acompanhamento farmacêutico ainda é desafio no sistema de saúde brasileiro

Estudo realizado em São Paulo mostra que, para o paciente, saber os remédios que toma e para que servem é de extrema importância

Formato único de sistema de saúde brasileiro exige novas formas de agir do profissional farmacêutico. Imagem: Unsplash/Reprodução

Quem tem doenças crônicas sabe: tomar muitos medicamentos em uma determinada regularidade pode ser confuso e até mesmo complicado. Nesse sentido, é dever do profissional de saúde acompanhar o tratamento do paciente e analisar o uso de remédios individualmente. Mas esse acompanhamento (chamado de farmacoterapêutico ainda é um desafio), principalmente em unidades de saúde do sistema público de todo o Brasil. É esse o objeto de estudo de Gabriela Borracha em sua dissertação de mestrado, “Serviços farmacêuticos em Unidades de Saúde no Município de São Paulo: diagnóstico situacional e proposta de sistemática para o acompanhamento farmacoterapêutico

“Todo o lugar que tem medicamento deveria ter farmacêutico. Mas isso não acontece necessariamente em todo o Brasil”, conta a pesquisadora. “Aqui em São Paulo, porém, a gente tem uma grande vantagem, porque a maioria das Unidades Básicas de Saúde (UBS) tem farmacêutico.” Por esse motivo, Gabriela se dispôs a investigar o quão eficaz o acompanhamento farmacêutico era na cidade, além de propor um modelo de simplificar e otimizar esse serviço nas UBS.

Mas o que é, afinal, o acompanhamento farmacoterapêutico?

Segundo a pesquisadora, o processo é uma somatória de ações clínicas e interpessoais do farmacêutico com o paciente, visando transformar a pessoa em co-responsável pela própria saúde, não ficando sempre dependente dos médicos e profissionais de saúde. “O primeiro contato é mostrar para o paciente o porquê de ele estar tomando determinados medicamentos, porque a maioria só toma por tomar”, conta ela. Outro ponto importante é manter a adesão: quando os pacientes tomam os remédios da maneira adequada e na frequência adequada. Nesse caso, pessoas com doenças crônicas possuem mais dificuldades, pela quantidade e periodicidade. De acordo com a pesquisadora, esse trabalho de explicar os motivos pelos quais o paciente deve consumir os medicamentos aumenta a adesão dos pacientes no tratamento correto, por se sentirem mais informados.

Outra questão importante é analisar o panorama geral do paciente. Muitas vezes, as pessoas têm mais de um médico, que prescrevem diferentes receitas sem estarem cientes dos outros medicamentos que o paciente usa ou irá utilizar, o que pode gerar riscos. É tarefa do acompanhamento farmacoterapêutico evitar essas situações.

Em geral, o acompanhamento se dá por via de consultas farmacêuticas. “O primeiro contato é saber o que o paciente está tomando e como ele toma. Em uma segunda consulta, explicamos para o paciente o que ele está tomando e se está fazendo certo ou errado. E, em um terceiro momento, estabelecemos alguns parâmetros”, conta Gabriela. Ela lembra, porém, que cada acompanhamento é individualizado e deve se adaptar à realidade de cada paciente, tanto no planejamento quanto na duração, sempre visando a independência dos indivíduos.

A situação em São Paulo

Apesar de estar em uma posição privilegiada em relação ao resto do Brasil, São Paulo ainda apresenta desafios na implantação do acompanhamento farmacoterapêutico. O principal motivo disso, segundo Gabriela, é o enorme tamanho da cidade e sua população. “As questões de quantidade de profissional e de investimento também interferem”, diz a pesquisadora. Mesmo assim, ela ressalta que não é uma tecnologia clara, porque só envolve o emprego de pessoas capacitadas. “Além disso, várias pesquisas comprovam que, após implantar o acompanhamento, há uma redução de gastos, porque os pacientes acabam tomando menos medicamento, mais corretamente.”

Gabriela, em sua dissertação, propõe um modelo prático para acompanhamento farmacoterapêutico em São Paulo. Inspirado em uma metodologia da FARMAUSP, que usa formulários para pacientes com tratamento de câncer de próstata, a pesquisadora elaborou questionários generalizados para as UBS, a fim de identificar um panorama geral do paciente, evitando focar apenas em áreas e problemas específicos, porque, muitas vezes, os sintomas e doenças estão interligados.

Comparação internacional

O acompanhamento farmacoterapêutico pode seguir algumas metodologias específicas, sendo duas principais: uma americana e outra espanhola. No entanto, a pesquisadora explica que ambas são mais voltadas para a pesquisa e muito pouco práticas. Mesmo assim, o acompanhamento farmacoterapêutico é uma tendência internacional: Espanha e Inglaterra são exemplos de países que têm um cuidado primário bem desenvolvido e colocam em prática essa atividade.

É importante lembrar, porém, que o Brasil é um País muito único nesse sentido. “O SUS se inspirou bastante no modelo inglês e canadense, mas a Inglaterra tem uma extensão territorial bem menor que o Brasil, e o Canadá, apesar de ser um país grande, possui uma população bem diferenciada da nossa”. A pesquisadora diz que é preciso pensarmos em modelos adequados à nossa realidade, já que um sistema de saúde totalmente público e generalizado à uma enorme população só existe aqui, o que, somado com a questão do próprio desenvolvimento do país, cria desafios próprios da nossa terra.

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