Segregação espacial é problema enraizado em São Paulo

Por meio de dados quantitativos e entrevistas, pesquisa analisa como a segregação racial se reflete na organização espacial da metrópole

Imagem: Reprodução

A principal metrópole do País reflete a forma como a sociedade brasileira lida com as questões raciais: com segregação. A tese de doutorado “Segregação racial em São Paulo: residências, redes pessoais e trajetórias urbanas de negros e brancos no século XXI” do pesquisador Danilo Sales do Nascimento França, da USP, lança um olhar sobre esse assunto descrevendo as características da segregação por raça em São Paulo sob a ótica, em especial, da segregação residencial.

Segundo a tese, a divisão racial entre uma classe média e alta branca e uma classe pobre multirracial também pode ser observada no espaço urbano. “O objetivo foi aprofundar a discussão sobre a importância da segregação para a estruturação das desigualdades e relações raciais no Brasil”, afirma Danilo. “Meu argumento é o de que negros e negras, quando ascendem [socialmente], são mantidos fisicamente, espacialmente, distantes dos locais de moradia e frequência das classes média e altas, majoritariamente brancas.”

Por meio dos Censos de 2000 e 2010 e de técnicas quantitativas para mensurar a segregação residencial, a pesquisa teve como ponto de partida a análise comparativa dos padrões raciais. Os padrões residenciais de negros e brancos pertencentes às mesmas camadas sociais foram, então, comparados.

Até aí, já foi possível tirar conclusões: a distância racial é pequena nas classes mais baixas e vai crescendo na medida em que se considera as camadas sociais mais altas. A partir dessa informação, foi dado um enfoque maior às classes médias e altas.

“Ao contrário do senso comum que celebra o Brasil como o País da mistura, a pesquisa mostrou que há uma São Paulo dos brancos e uma São Paulo dos negros. Mais do que isso, a pesquisa mostrou que essa diferenciação não se deve apenas à classe social, existem significativos diferenciais raciais internos às classes”, explica Danilo.

Raça e classe

Com a segregação espacial, se torna mais difícil a participação dos negros em redes de relações de indivíduos de camadas sociais médias e altas. Assim como “o compartilhamento de hábitos, referenciais identitários e uma determinada cultura comum a estas camadas sociais”. Tais fatores dificultam que os negros mantenham o seu processo de ascensão social, de acordo com a pesquisa.

“Minha tese mostra que na região metropolitana de São Paulo ocorre segregação residencial por raça e classe”, resume Danilo. Não são apenas as classes sociais que estão estruturadas de formas distantes entre si, mas também negros e brancos pertencentes às mesmas classes médias e altas estão distantes na cidade. É apenas nas classes mais pobres que há maior proximidade residencial entre negros e brancos.

A pesquisa mostra que os brancos das classes médias e altas têm maior concentração nas áreas mais elitizadas da metrópole. Enquanto isso, negros de classes médias e altas se concentram mais em áreas periféricas, chamadas pelo pesquisador de “periferias consolidadas”.

“Um dado importante a ser apontado a título de exemplo é o seguinte: nas áreas mais elitizadas do centro expandido – que concentram as principais centralidades, melhores serviços públicos, estações de metrô e mais condições de transporte, acesso à cultura e ao consumo, bem como as localizações mais valorizadas – residem mais brancos pobres do que negros de quaisquer classes sociais, seja baixa, média ou alta”, aponta Danilo.

“Muitos acreditam que ao caminhar na avenida Paulista, na avenida Faria Lima ou no parque Ibirapuera estará cruzando com a classe média paulistana. Na verdade, estão cruzando com a classe média branca paulistana. Certamente, não será nesses locais que estará caminhando a maior parte dos negros de classe média”, afirma.

Círculos sociais

“O local de residência é um fator determinante, tanto para as possibilidades de integração entre indivíduos com diferentes características socioeconômicas, raciais, culturais, como para as possibilidades de acesso à cidade, ou seja, acesso às oportunidades e experiências oferecidas pelas aglomerações urbanas, mas que estão concentradas nas principais centralidades”, explica Danilo.

A fim de contrariar o argumento de que pessoas com maior poder econômico têm possibilidades de superar eventuais barreiras decorrentes do local onde está sua residência, o pesquisador realizou uma pesquisa qualitativa com negros e brancos de classe média e alta em três distintos bairros da cidade: São Miguel Paulista, Tatuapé e Itaim Bibi. Foram levantados os locais frequentados por eles e o local onde moram as pessoas com as quais os entrevistados mais se relacionavam.

“A pesquisa revelou que o local onde as pessoas residem é um forte determinante do alcance espacial dos deslocamentos individuais e das relações sociais. Ou seja, um residente de São Miguel Paulista, por exemplo, por mais que tenha dinheiro e condições de mobilidade, vive a maior parte de suas experiências e relações no entorno do seu distrito de residência”, explica o pesquisador.

Assim como as residências de negros e brancos estão distantes, também estão os locais que frequentam e as pessoas com que se relacionam. “É pequena a probabilidade de negros e brancos de classe média se cruzarem e compartilharem os mesmos lugares e redes de relações”, conclui.

Ao levantar os locais frequentados pelos entrevistados e os locais onde moram seus conhecidos, a pesquisa conseguiu mostrar que a localização das redes pessoais e os locais frequentados pelas pessoas ficam em torno de onde eles habitam.

“Na medida em que negros moram majoritariamente fora do centro expandido, eles também frequentam lugares e se relacionam com pessoas de fora do centro expandido; ao contrário dos brancos de classes médias e altas”, acrescenta.

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