Criminalização do suicídio assistido no Brasil é posta em análise

Raízes da atual legislação brasileira e internacional são evidenciadas por pesquisadora do Largo São Francisco

Imagem: Reprodução.

Ao ver um filme chamado “Mar Adentro” no 9º ano da escola, a pesquisadora Carolina Stampone se interessou pelo tema do suicídio assistido. Hoje, no terceiro ano de graduação em Direito pela Universidade de São Paulo, Stampone estuda em sua iniciação científica autônoma a criminalização do suicídio assistido no Brasil. Sob orientação da professora Mariângela Gama de Magalhães Gomes, a pesquisa busca, segundo Stampone, “Tratar como o suicídio e como o auxílio a ele são vistos pela justiça brasileira e analisar como valores pessoais podem ter influenciado a legislação brasileira”. Hoje, no Código Penal brasileiro, o induzimento, a instigação ou o auxílio ao suicídio são puníveis de acordo com o artigo 122.

O suicídio assistido é um ramo da eutanásia. Eutanásia vem do grego “boa morte”, equivalendo ao ato de proporcionar morte sem sofrimento a um doente atingido por afecção incurável que produz dores intoleráveis. No suicídio assistido, o paciente é quem bota o fim à própria vida. Geralmente conta com o auxílio de um profissional da saúde, com uma droga fatal ou outro meio semelhante. A maior parte dos pacientes que solicitam o suicídio assistido são homens de classe média, solteiros e com mais de 70 anos acometidos por doenças terminais segundo Stampone.

Em sua iniciação científica, Stampone pesquisa como ocorre o suicídio assistido no mundo. Ela aponta três grupos diferentes de países em relação à prática. O primeiro, do qual a Alemanha faz parte, abarca os países em que o homicídio a pedido (categoria da eutanásia em que há a participação direta de um terceiro) é criminalizado, mas o auxílio ao suicídio não. Os países do segundo grupo, no qual o Brasil está inserido, são maioria no mundo. Consideram tanto o suicídio assistido quanto o homicídio a pedido como crimes tipificados, enquanto os do terceiro grupo, do qual a Holanda é um exemplo, autorizam — ou pelo menos consideram menos ilícitos — tanto o homicídio a pedido quanto o suicídio assistido.

No Brasil, que pertence ao segundo grupo, a ideia jurídica é de que a vida é um bem indisponível. Portanto, não existe no direito brasileiro a liberdade de morrer como se queira. “O que é considerado pelo direito brasileiro é que a participação no suicídio é a única forma de se criminalizá-lo — criminalizar o suicídio em si é inócuo”, diz Carolina Stampone. “O discurso ligado à defesa dessa criminalização é geralmente religioso, moral.” O assunto, além de ser tratado como pecado pela religião católica, da qual 65% da população brasileira era adepta segundo o censo do IBGE de 2010, é tratado como tabu pela sociedade, o que se transmite na lei: “Falar abertamente é praticamente só para filósofos”, comenta a pesquisadora.

No entanto, o debate se estende muito além disso. O principal argumento a favor é o de que a morte é um processo natural. Parte da Iniciação Científica da pesquisadora busca jogar uma luz sobre o que poderia levar os médicos a serem contra a morte de um paciente em sofrimento: “A medicina moderna, nessa busca incansável pelo progresso, seja na área cirúrgica, anestésica, terapêutica, entre outras, passa a priorizar a cura, ao invés do cuidado e do tratamento valorizando a dignidade humana.”

No espectro político, o debate regride. No Congresso Nacional, bancadas como a evangélica e a ruralista defendem não indivíduos, mas segmentos. “Os homens [dessas bancadas] estão lá para defender esses valores fixos, e não o que seria melhor para a sociedade como um todo”, comenta a pesquisadora. A questão do aborto, por exemplo, foi alvo de um debate querendo criminalizar inclusive os tipos de aborto que já eram permitidos por lei. Também existe uma relação de poder muito forte na questão. “O conflito básico em relação a isso é o de que o Estado precisa de pessoas para se manter. Logo, sua visão é que se conceder às pessoas liberdade para dispor até da própria vida, ele perde o próprio poder.”

Dentro da eutanásia, existe uma classificação chamada “ortotanásia”. Consiste na opção, pela parte do paciente, de poder negar dado tratamento. A ortotanásia é aceita pela jurisprudência no Brasil, mas ainda não foi formalizada. Carolina explica que a partir da legalização, a comunidade médica brasileira pretende aprovar a prática no Brasil, que é considerado hoje “crime de cifra negra”, ou seja, algo que acontece, mas que ninguém sabe.

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