Política brasileira se fragmenta sem figura de peso

Analistas discutem, em vésperas de eleição, onda conservadora e comportamentos da esquerda e da direita no Brasil

Uma análise do panorama do comportamento político brasileiro (Arte: Amanda Péchy)
O caleidoscópio da política brasileira (Arte: Amanda Péchy)

Por Amanda Péchy, Bruna Diseró e Thais Navarro

[1] As eleições deste ano estão sendo repetidamente comparadas às de 1989. Apesar de gritantes diferenças entre contexto histórico e político, além do fato de a de 89 ter sido apenas presidencial (sem governadores, deputados ou senadores), o número de candidatos ao executivo praticamente se repete: 22 então, 21 hoje. Ambas são eleições chamadas pulverizadas.

Desarticuladas, surgem diversas candidaturas de diferentes setores da política. Na direita, destacam-se os personagens Jair Bolsonaro (PSL), Rodrigo Maia (DEM) e João Amoêdo (Novo). No centro, surgem (e ressurgem) nomes como Álvaro Dias (Podemos), Fernando Collor (PTC), Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (Rede) e Henrique Meirelles (MDB). Mesmo com o lançamento de um candidato pelo governo vigente, siglas da base governista (PSC, PSD, PRB) apresentam candidaturas próprias.

À esquerda, por enquanto, mantém-se Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que está teoricamente inelegível pela Lei da Ficha Limpa, mas a candidatura só será negada oficialmente após o registro na Justiça Eleitoral, no dia 15 de agosto. Estream Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D’Ávila (PCdoB). É a primeira vez que o PCdoB, histórico apoiador do PT, lança um candidato para presidente desde o fim do regime militar.

De acordo com pesquisa do Datafolha de junho de 2018, se Lula ainda estiver no cenário, fica com 30% das intenções de voto — à frente de Bolsonaro, que tem 17%, e de Marina Silva, que tem 10%. Tanto Geraldo Alckmin quanto Ciro Gomes são indicados por 6%. Na sequência, aparecem Alvaro Dias, com 4%, e Manuela D’Ávila, Fernando Collor, Henrique Meirelles, Rodrigo Maia, João Goulart Filho (PPL) e Flávio Rocha (PRB), cada um deles com 1% das intenções de voto. Também incluídos na consulta, Guilherme Boulos, João Amoêdo, Guilherme Afif Domingos (PSD), Aldo Rebelo (SDD), Levy Fidelix (PRTB) e Paulo Rabello de Castro (PSC) foram citados mas não atingiram 1%. Uma fatia de 17% votaria em branco ou nulo, e 4% não opinaram.

Intenções de voto com Lula
Intenções de voto com Lula (Arte: Amanda Péchy)

Se Lula não concorrer, o resultado muda. Bolsonaro (19%) lidera, e Marina (15%) segue. Na sequência surgem Ciro (10%), Alckmin (7%), Dias (4%), Manuela (2%), Maia (2%) e Haddad, Meirelles, Collor, Rocha, Alencar, Fidelix, Amoêdo e Boulos, cada um deles com 1%. Os demais foram citados mas não atingiram 1%. Uma fatia de 28% declarou voto em branco ou nulo e 5% preferiram não opinar.

Intenções de voto sem Lula
Intenções de voto sem Lula (Arte: Amanda Péchy)

Muitos discutem a pulverização da esquerda frente à ausência de Lula. A falta de sua candidatura dá abertura à de diversas figuras que representam a esquerda, mas a eleição é pulverizada com ou sem seu nome na disputa. Segundo Álex Kalil, cientista político e mestrando pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os conservadores aparentam ser mais articulados, mas é apenas ilusão de união. “Através da ferramenta da intolerância, cria-se essa sensação. É uma máscara perigosa. Um caminho é fazer críticas a essa máscara, tentar não se nutrir disso, não cair nessa discussão. É isso que deixa a esquerda patinando.”

A disputa, segundo ele, é uma característica presente dentro de ambos os lados da polarização esquerda-direita. Kalil afirma que a fragmentação em si não é negativa: pode significar diversificação de pautas. A grande questão é que os grupos da esquerda tem angariado menos adesão que os da direita, e isso faz com que o conservadorismo se fortaleça no Brasil: “Quando falamos de conservadorismo, falamos ‘os conservadores’, como um monolito. Eles têm divergências, mas de alguma maneira são mais eficientes no modo de agir.”

O cientista político aponta a existência de uma onda conservadora. A partir das manifestações de 2013, primeiro com foco na tarifa de ônibus, depois, com reivindicações em relação a serviços públicos, corrupção e polícia, ampliou-se a participação de novos sujeitos — principalmente de jovens. Além disso, com o acesso às redes sociais, grupos específicos começaram a se manifestar e se consolidar. Muitos participantes das manifestações passaram a notar a presença de pessoas, grupos, partidos, representantes políticos, figuras na televisão que versavam por pautas conservadoras. “O que chamamos de onda conservadora hoje é o conservadorismo tomando um caráter mais público”, diz Kalil.

O movimento conservador se fortaleceu nas ruas e na internet, ambas tidas como dimensões públicas, sobretudo nos protestos a favor do impeachment de Dilma Rousseff. Kalil afirma que grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Revoltados Online tiveram os discursos esgotados antes de 2016, e que novas vozes surgem com pautas diferentes: intervenção militar, ilegalização do aborto, ideologia de gênero. “O que estamos vendo hoje é uma sofisticação”, diz Kalil. “O jogo comunicativo [dos grupos conservadores] surte muito efeito, tem poder de convencimento, de visibilidade”. Ele destaca a estratégia das fake news, utilizada por indivíduos de todos os espectros políticos, que criam polêmica e desafios aos adversários políticos.

Um dos fatores que levou à mobilização dos grupos conservadores foi o ataque à agenda do Partido dos Trabalhadores (PT), governo anterior. “Talvez a crítica não seja à governabilidade, e sim esteja em cima de determinadas pautas à esquerda”, sugere Kalil. “Não muito raro você vê pessoas que hoje são conservadoras, mas votaram no Lula ou na Dilma”. Segundo ele, há diversos especialistas que abordam as chamadas modernizações conservadoras: o Brasil tem uma tendência a ditos avanços acompanhados de uma força conservadora, que tem o objetivo de manter determinadas estruturas que beneficiam grupos tradicionais. Nunca é um progresso por completo.

Em meio a uma descrença quase que total pelo sistema político, a política, cada vez mais, torna-se personalizada em certas figuras ou instituições. Essas figuras podem ser tratadas como salvacionistas, como aqueles que vão tirar o país do caos em que se instalou, e muitas vezes há nelas uma fé cega.

O comportamento não é exclusivamente recente: “O sistema político brasileiro combina personalização com um sistema partidário de natureza fisiológica bastante complexo, vigiado sempre por instituições que se colocam como salvaguardas da ordem social: o imperador no século 19, as Forças Armadas no século 20, o poder judiciário no século 21”, diz Marcos Napolitano, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP).

A partir dessa descrença, começa a busca pela figura que melhor representa os anseios da população pelas respostas aos seus problemas, mesmo que essa representação mantenha-se mais na retórica. Muitas vezes, o político sabe exatamente o que o eleitor quer ouvir. Napolitano faz a ressalva de que não se pode cair em um simplismo de achar que a política brasileira se resume à personalização pura e simples: “O eleitor brasileiro não se vê contemplado minimamente pela burocracia e pelas instituições políticas de Estado, que frequentemente agem contra os interesses da maioria”.

O pesquisador explica que esse eleitor, portanto, passaria a ver em políticos carismáticos e salvadores alguns canais para a expressão política de suas insatisfações coletivas. “Muitas vezes, estes políticos estão dentro do sistema de partidos, outras vezes são mais aventureiros. Mas sempre são dependentes de arranjos partidários e estruturas institucionais que lhes escapam”. Ele exemplifica com uma figura icônica da personalização política: “A trajetória de Lula, o político mais carismático da história brasileira, representa bem esta configuração”.

Ainda que existam figuras, instituições e partidos políticos que são mais personalizados e tradicionais, seja por manterem um discurso hegemônico ou por estarem há mais tempo no sistema político  — tanto à esquerda quanto à direita — ao mesmo tempo, há um novo movimento: o anti-establishment. São políticos que dizem querer renovar toda a política, que questionam as instituições, o Estado e os partidos que estão tradicionalmente no poder. O movimento e o crescimento da direita acontecem ao redor do mundo e por vários continentes (veja infográfico matéria já publicada pela AUN).

Arte: Thais Navarro
Arte: Thais Navarro

No entanto, Kalil faz ressalvas ao caso brasileiro: “Existem muitas publicações nas ciências sociais e tem se debatido sobre essa questão de grupos que querem uma distância do Estado, mas é muito complicado pensar isso”, diz. “O conservadorismo tem uma faceta que vai contra o Estado, tem outra que vai contra o liberalismo, outra que vai contra alinhamentos progressistas, então é complicado tratá-los de uma forma uniforme e dizer que há uma [única] ação contra o Estado — é bem mais complexo que isso”. Logo, “é uma crítica, sem dúvidas, ao Estado, à sua forma, ao avanço que se teve na Era Lula, por exemplo, de algumas pautas. Você tem uma ação contra essas pautas, não contra o Estado brasileiro”.

A descrença no sistema político vem aumentando no cenário brasileiro. Segundo Kalil, esse fenômeno se iniciou em 2013 quando a população se viu estimulada a discutir política em um momento de explosão de crises pelo país. Começa-se a pesquisar o que é direita e o que é esquerda, gerando identificação com algum desses expoentes ou, ao contrário, identificação nenhuma. O analista diz que o Brasil está apenas no começo desse processo de descrença e que “ainda vão surgir muitos efeitos, sobretudo depois das eleições”.

Os dados do Datafolha sobre intenções de voto para as eleições presidenciais de 2018 exemplificam bem o ceticismo político do brasileiro. O número de votos brancos e nulos, no geral, representam entre 20% e 30% do total de entrevistados. Em um cenário sem a participação de Lula, 40% de seus pretensos eleitores informaram que prefeririam votar branco ou nulo.

Segundo o Instituto Paraná Pesquisas, cerca de 25,4% dos entrevistados, no ano passado, não possuíam posicionamento político. A composição deles era de homens e mulheres, sendo a maioria da região Sul, com faixa etária entre 45 a 70 anos e de ensino fundamental completo.

Outro levantamento realizado pelo Instituto em maio deste ano (2018) indica que a descrença não é só na esfera executiva, mas também na legislativa. Entre os entrevistados, 50,8% disseram que não pretendiam votar em nenhum candidato para deputado federal ou senador que fosse do PT. Os candidatos do centro e da direita foram igualmente rejeitados: 49,5% disseram que não escolheriam políticos do MDB, enquanto 46,2% decidiram por não votar no PSDB.

A falta de confiança no sistema político se agravou ainda mais com os escândalos ligados à Operação Lava Jato e com a prisão de inúmeros políticos e personalidades públicas de ambos os lados. Com a escassez de figuras de peso na política, além da oportunidade de exposição de opinião que as redes sociais abriram, o brasileiro começa a se apoiar em pensamentos extremistas. Um dos que estão sendo mais discutidos é o clamor pela volta da Ditadura Militar.

Dados do Instituto Paraná Pesquisas apontam que cerca de 43% dos entrevistados foram a favor da intervenção militar provisória no país. Dentre eles, a maioria estaria na faixa etária dos 16 aos 24 anos e seriam da região Norte e Centro-Oeste. Quando questionados sobre um cenário em que a Justiça não cumpre o papel de punir corruptos, a taxa percentual de entrevistados a favor da intervenção militar aumenta para 50,6%.

Kalil diz que esse furor deve ser olhado com calma. Para ele, esse pedido não se liga diretamente com a ditadura que o Brasil sofreu a partir de 1964, mas sim com outras vertentes como a “militarização da vida”. Isso significaria, por exemplo, a liberação do uso de armas pela população civil que, cansada da violência, teria o poder de intervir para garantir sua própria segurança. “Essa intervenção militar é bem mais difusa do que nos termos em que estamos acostumados. O próprio cidadão teria o poder do Estado e da força, a possibilidade de exercê-la contra outro grupo da forma que ele quiser”, afirma.

O especialista também aborda a questão da intolerância política que está ligada aos processos de descrença e extremismo. Ele opina que isso está associado à ascensão social no Brasil, ou seja, a um modo de se impor em relação a um outro. Acrescenta que, hoje em dia, houve uma generalização da intolerância e que é praticada tanto por grupos de direita quanto de esquerda nos espaços públicos, principalmente na internet.

Kalil diz, ainda, que a intolerância política se tornou uma “persona” quase independente: “A intolerância virou um modo de interação dentro da política. Esse tipo de técnica política é horrenda, mas é disputada. Ora vai para a esquerda, ora para a direita. Ora para grupos conservadores, ora para progressistas. Ela vai sendo reaproveitada por esses agentes e tem tido funcionalidade — a maioria das notícias são sobre o efeito da intolerância”.

Napolitano afirma que esse comportamento é antigo na sociedade brasileira, estando misturado a outras expressões como o paternalismo, o racismo sem leis explicitamente segregacionistas e o mito da “cordialidade” que impedia a explicitação dos conflitos dentro da instância da intolerância política. Ele critica o fato de que esse arcaísmo seja tão arraigado no país e diz que, hoje, “a novidade é que ele possui uma nova linguagem, ancorada na tendência ao individualismo e ao narcisismo das redes sociais, para expressar seus velhos valores”.

A solução para essa onda de intolerância e conservadorismo na política é complicada, segundo Kalil. Ele acredita que essa dificuldade está associada ao fato de serem múltiplos os componentes (morais, econômicos, partidários) que formam a intolerância, tanto nacional como internacionalmente. “Essa tendência à adoração de personalidades conservadoras vem crescendo e acredito que ela afete diferentes espectros da política. Talvez exista até um avanço da esquerda dentro do conservadorismo”.

Porém, ele acredita que é uma questão de tempo para que o conservadorismo se ressignifique. “Ele não é completamente negativo. Pode-se inserir novos sujeitos dentro dele que operem essa categoria política sem o uso da intolerância”, explica. Kalil diz que a intolerância é uma exclusão de política e, por isso, deve ser afastada de todas as tendências, direitistas ou esquerdistas.

[1] Todas as grandes reportagens desse ciclo são datadas e foram escritas ao longo do primeiro semestre de 2018 até o seu término.

 

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