Estudo analisa como a realidade tem sido apresentada em cena

Teatros do real surgiram na França e foram incorporados no cenário brasileiro

Cenas de "Yo no soy bonita", espetáculo de Angélica Liddell

Angélica Liddell é uma artista espanhola conhecida por compartilhar, em suas performances, sofrimento e dor com a plateia, tanto que já chegou a se ferir em cena. Esse tipo de espetáculo pode ser caracterizado como representante dos chamados teatros do real, tema de pesquisa de Matheus Cosmo. Denominado A teatralização do real: uma defesa da política e da cultura em um tempo de caminhos bloqueados, o trabalho é uma dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).  

Os teatros do real podem ser definidos como “a realidade em cena”. Diferentemente do que acontece com a “representação” da realidade, aqui o real não quer ser representado porque ele é parte do espetáculo. “No momento em que aquilo acontece [em cena], há um dado de realidade que aparece ali mesmo, na sua frente, e que quebra com esse espaço ficcional que aparentemente seria o esperado do teatro; ele quebra com a própria noção de representação”, esclarece Cosmo. 

Embora esta ideia tenha sido anteriormente elaborada por outras pessoas e em contextos distintos, os teatros do real ganharam força em 1998, principalmente após o lançamento do livro Les théâtres du réel: pratiques de la représentation dans le théâtre contemporaine (tradução livre: Os teatros do real: práticas da representação no teatro contemporâneo), da filósofa francesa Maryvonne Saison. Trabalhos desse tipo tentam abranger fenômenos que aproximam o campo ficcional da realidade e, por conta da constante incorporação de ideias francesas nos estudos brasileiros, o termo chegou imediatamente ao Brasil.

O pesquisador ressalta o fato de o conceito ter sido criado em contexto francês, mantendo em vista que aquela sociedade diverge da brasileira. No entanto, ele reconhece que, se a ideia conseguiu ser aplicada ao teatro brasileiro, algo parece ligar essas duas realidades, que não são totalmente deslocadas, mas desdobramentos de um mesmo sistema.

Um bom exemplo de como conceitos podem ser aplicados em contextos diferentes é a inserção do romance como gênero literário no Brasil. O romance, como forma de escrita, tem origem europeia e possui pressupostos característicos do liberalismo, por influência da Revolução Francesa. Mesmo assim, ele pôde ser incorporado na sociedade brasileira em um tempo no qual ela ainda era escravocrata.

Essa contradição fez com que o romance brasileiro ganhasse muito em termos de significação. Pensar nessa contradição, que não havia sido pensada, é o que talvez também dê alguma relevância a essa ideia de teatros do real. Mas, para isso, é necessária uma certa capacidade crítica que não tinha sido elaborada até esse momento, na medida que essa ideia tinha sido apenas incorporada acriticamente”, conta o pesquisador.

Para Matheus Cosmo, os teatros do real têm como limite estético a própria realidade, já que sua limitação vem da própria reprodução do que é existente. Além disso, por tentarem negar a mediação entre a realidade e a ficção, a potência política dos espetáculos tende a se perder. Cosmo acredita que não se trata de possuir ou não elementos da realidade em cena, mas, sim, de entender os conflitos da realidade e reelaborá-los na produção de um bom trabalho artístico. “O trabalho do artista é essa mediação e o engajamento da obra está na sua produção”, conclui.

A pesquisa teve como base o coletivo OPOVOEMPÉ que, desde sua criação em 2005, realiza espetáculos e intervenções, cujo foco tem sido o ato teatral nas fronteiras entre a vida e a arte. O objetivo do grupo é propiciar relações mais vivas entre as pessoas e a apropriação do espaço da cidade.

Em 2012, OPOVOEMPÉ teve seu auge com o projeto A Máquina do Tempo, que é composto por três experimentos: O Farol; O Espelho; A Festa. No ano seguinte, o grupo estreou A Batalha da Maria Antonia, que aborda o conflito histórico de 1968 entre os estudantes da Universidade Presbiteriana Mackenzie, representando politicamente a direita, e os da USP, a esquerda. Porém, após as Jornadas de Junho de 2013, criando fortes ligações de análise entre arte e realidade, as condições sociais propiciaram uma mudança no caminho do país e, por consequência, do coletivo, que a partir de então não produziu obras de grande expressão.

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